
Por Márcia Acioli
Dizem que adolescentes não gostam de política. Que esta é uma geração alienada, apegada ao consumo desenfreado ou a manifestações inconseqüentes de rebeldia sem causa.
Nas escolas há um clima de descrédito: de um lado, professores/as não acreditam na qualidade de uma educação possível em condições bastante desfavoráveis; de outro, meninos e meninas vivem dispersos e conturbam o ambiente onde poucos/as ‘querem’ aprender.
Este pode ser um quadro mostrado diariamente na mídia e bastante comentado entre profissionais da educação e comunidade escolar. No entanto, é apenas uma perspectiva de uma realidade complexa, rica, plural, diversa. É um recorte ínfimo de uma realidade ampla.
A sociedade alimenta o mito da juventude violenta, envolvida com questões rasas, centradas nos interesses de pequenos grupos, ou, como querem fazer crer, de gangues. O desserviço que a grande mídia presta ao vincular a imagem juventude de periferia (negra na sua grande maioria) à violência promove outra conseqüência além de fixá-los no lugar da marginalidade. Ao enfatizar um aspecto omite, negligencia outros. As virtudes, os feitos, a força criativa, a solidariedade não são divulgadas como se não existissem.
É sempre bom lembrar que as palavras têm poder de criar, bem como de destruir, realidades. Para muitos, passa a existir o que foi dito (ou escrito).
Essa abordagem insistente, forjada pelos meios de comunicação, reforça uma identidade transgressora associada a uma determinada ideia de poder. Neste contexto a violência passa a ser uma linguagem por meio da qual se estabelecem relações cotidianas na disputa por autoridade. Territórios são demarcados e os conflitos acirrados. Neste caso, vence quem tem força.
O círculo vicioso retroalimenta esta lógica. A roda gira sem sair do lugar.
Entram em jogo todos os personagens da escola: estudantes, profissionais da educação e comunidade.
O caldo entorna quando os estudantes não encontram outras motivações para o exercício do poder; quando os profissionais não constroem canais de diálogo que sejam pautados pelo respeito, pela compreensão e sejam orientados pela horizontalidade das relações e/ou quando uma comunidade violentada pela exclusão se vê sem chances de participação verdadeira na educação dos/as seus filhos/as. Não é raro ver na escola uma mãe ou um pai intimidado naquele espaço que não lhe(s) pertence(m).
É ingenuidade pensar em uma escola sem conflitos. Isso nem é desejável, afinal a democracia é o exercício da pluralidade de interesses. O que não dá para admitir é uma escola sem diálogos, sem a prática cotidiana da negociação de ideias.
A experiência do Inesc em escolas públicas de periferia do Distrito Federal tem revelado coisas interessantes.
Quando os/as adolescentes são motivados/as a discutir temas relevantes o entusiasmo se torna evidente. Aos poucos cada um/a se conecta a uma causa e, ao compartilhar desta utopia coletiva, as disputas deixam de girar em torno de autoridades personalizadas para se efetivar por causas coletivas. O desafio posto é: como motivar e contribuir para a melhor fundamentação de suas leituras de mundo. É importante que suas percepções e falas sejam cada vez mais consistentes a partir de informações, acesso a outros sujeitos, diálogos e construção de novas opiniões. Este é um papel que cabe à escola de uma forma privilegiada.
Ao identificarem causas que sejam comuns, baseadas em um ideal de mundo melhor, meninos e meninas compreendem que é importante que cada pessoa tenha seu espaço de participação garantido e que suas necessidades específicas devem ser observadas.
Outra lógica passa a tecer suas relações. Os eventuais conflitos pessoais internos se reduzem. O embate agora é político.
Diferente do que muitos imaginam a escola pública não é sinônimo de má qualidade de educação. Há projetos pedagógicos importantes que estimulam estudantes a se envolver com temas centrais do mundo contemporâneo, há professores com amplo envolvimento com a escola que agregam alunos/as e os entusiasmam, há expressiva produção de cultura.
Estes elementos coexistem com inúmeros problemas que afetam a educação pública do país, e com outras dificuldades que variam de escola para escola. O importante é saber que a escola pública agrega um universo plural, e que por ser diverso, possibilita uma convivência que alimenta a riqueza humana imersa em contextos de contradições. Os vários modos de ser são essenciais para compor e movimentar a humanidade.
É preciso, pois, promover aos/às alunos/as mais oportunidades para olhar ao redor, pensar e problematizar o mundo e ao problematizar o mundo, transformá-lo. Vamos beber na fonte de Paulo Freire e entender que educar é um ato político.
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Fonte de informação: Blog do INESC