O jornalismo derrotado, por Marcos Rolim

Inclusive - direitos humanos: o globo terrestre e ícones represnetando pessoas de várias cores.

por Marcos Rolim

A julgar pelos noticiários, um fantasma assola o Brasil: o Programa Nacional de Direitos Humanos em sua terceira versão (PNDH-III). Todas as potências da Santa Aliança unem-se contra ele: setores da mídia, políticos conservadores, o agronegócio, os militares e a cúpula da Igreja. Os críticos afirmam que o programa propõe a “revisão da Lei de Anistia”, que é autoritário ao propor “controle sobre os meios de comunicação”, além de ser “contra o agronegócio”. Radicalizando, houve quem – fora dos manicômios – identificasse no texto disposição por uma “ditadura comunista”. É hora de denunciar esta farsa onde a desinformação se cruza com o preconceito e a manipulação política.

Auxiliei a redigir o texto final do Programa, juntamente com os professores Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Alberto Gomes de Souza. A parte que me coube foi a da Segurança Pública, mas participei de todos os debates. Assinalo, assim, que a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos havia proposto uma “Comissão de Verdade e Justiça”; nome que traduzia a vontade de “investigar e punir” os responsáveis pelas violações durante a ditadura. O PNDH-III, entretanto, propôs uma “Comissão da Verdade”, porque prevaleceu o entendimento de que o decisivo é a recuperação das informações, ainda sonegadas, sobre as execuções e a tortura.

Prática democrática

O Programa não fala em “revisar a Lei da Anistia”; pelo contrário, afirma que a Comissão deve “colaborar com todas as instâncias do Poder Público para a apuração de violações de Direitos Humanos, observadas as disposições da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979“. Para quem não sabe, a lei citada é a Lei de Anistia. A notícia, assim, era o afastamento da pretensão punitiva. O caminho escolhido, como se sabe, foi o oposto; o que não assinala informar mal, mas desinformar, simplesmente.

No mais, é interessante que os críticos nunca tenham se manifestado quando, no período do presidente Fernando Henrique Cardoso, propostas muito semelhantes foram apresentadas. Senão vejamos: no que diz respeito aos conflitos agrários, o PNDH-I (1996) já propunha “projeto de lei para tornar obrigatória a presença no local, do juiz ou do Ministério Público, no cumprimento de mandado de manutenção ou reintegração de posse de terras, quando houver pluralidade de réus, para prevenir conflitos violentos no campo, ouvido também o Incra”. O PNDH-II, seis anos depois, repetiu a proposta.

Qual a novidade, neste particular, do PNDH-III? Apenas a ideia de mediação dos conflitos; prática que tem sido usual e que seria institucionalizada por lei. A senadora Kátia Abreu, então, pode ficar tranquila. Se o governo apresentar o projeto, ela terá a chance de se posicionar contra a mediação de conflitos e exigir que o tema seja resolvido à bala, como convém a sua particular concepção de democracia.

Reação vexatória

Quanto à reação ao tal ranking de veículos comprometidos com os direitos humanos, o assombro é ainda maior, porque o primeiro PNDH trouxe a ideia de: Promover o mapeamento dos programas de rádio e TV que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, […] e da pena de morte, com vistas a […] adotar as medidas legais pertinentes”. A mesma proposta foi repetida no PNDH-II.

Assinale-se que o PNDH-II propôs, além disso: “Apoiar a instalação do Conselho de Comunicação Social, com o objetivo de garantir o controle democrático das concessões de rádio e TV […] e coibir práticas contrárias aos direitos humanos” e “Garantir a fiscalização da programação das emissoras de rádio e TV, com vistas a assegurar o controle social […] e a penalizar as empresas […] que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos”.

Uau! Não são estas as armas dos inimigos da “liberdade de expressão”? Mas, se é assim, por que os críticos não identificaram o “ovo da serpente” na época?

Mais uma vez, ao invés de aprofundar o debate sobre as políticas públicas, a maior parte da mídia se deliciou com a reação vexatória dos militares, com o oportunismo da direita e com o medievalismo da Igreja, e o fez às custas da informação, para não variar.
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Fonte de informação: Observatório da Imprensa/Gramsci e o Brasil

One Comment

  1. O PNDH é inócuo. Seus avanços pontuais cairão gradativamente, barrados pelo conservadorismo do presidente Lula e do Congresso, mantidos apenas numa retórica assembleísta e sindicalizante de resultados nulos. O sepultamento se dará em silêncio, na mudança de governo, e ninguém reclamará.
    Isso nada tem a ver com os méritos do documento. Apesar da mixórdia temática, suas propostas centrais representam avanços incontroversos. A descriminalização do aborto, a secularidade das instituições públicas e o julgamento de crimes contra a Humanidade são tendências mundiais, criticadas apenas por obscurantistas e reacionários.
    Ninguém pode questionar a legitimidade da iniciativa, que foi aprimorada por três governos sucessivos, passou por extensa discussão pública e será ainda submetida ao Legislativo. As privatizações de FHC tiveram muito menos aprovação popular e nem sequer foram citadas nos debates eleitorais.
    Há algo de surreal na reação da grande imprensa, que ataca o PNDH como “roteiro para a implantação de um regime autoritário” (editorial do Estadão). Essa histeria ridícula e ultrapassada revela um conceito muito peculiar de democracia: Lula jamais poderá governar de fato, mobilizando os instrumentos necessários para as mudanças estruturais que prometia seu programa de governo e foram endossadas pela população.
    A alternativa ao enquadramento é o confronto, e sabemos como essa história termina, de uma forma ou de outra.

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