Na Rua Bartolomeu Gomes, 797 na Chácara Santana Zona Sul de São Paulo, a lua brilhava no céu estrelado, era noite de jogo do campeonato paulista e o povo da periferia mais uma vez preferiu se reunir para fazer arte, recitar poesias, em mais um sarau da COOPERIFA, idealizado pelo poeta Sergio Vaz.
Há nove anos em que todas as quartas feiras ás 21h, no bar do Zé Batidão esses poetas, se reúnem, a televisão é desligada e a alienação é superada. Pelas poesias, que são recitadas pelas mais diversas pessoas: donas de casa, motoboys, ambulantes, estudantes, crianças, desempregados, rappers, homens, mulheres, novos e velhos. Sem distinção, unidos pelo sentimento de se manifestar através da poesia.
A diversidade não está somente nas pessoas que participam do sarau, mas também nos poemas: amor, sexo, exclusão social, injustiças, criticas, saudades da infância e algumas homenagens, cada um se expressa livremente. Na COOPERIFA não há palco, ninguém fica mais alto que outro, é uma forma de igualdade e o silêncio é uma prece na hora do recital, todos atentos a cada palavra pronunciada, a cada gesto. O poeta vai até o microfone e recita não só com a voz, mas com a alma, há toda uma interpretação das palavras, a emoção sempre a flor da pele, causando arrepio a quem assistir e depois a explosão de aplausos é o reconhecimento pelo talento.
A COOPERIFA já se tornou um movimento cultural da periferia, um novo quilombo, um espaço voltado para a comunidade que desperta curiosidade de quem ainda não conhece foi o que aconteceu com a Dida 36, que mora no interior de São Paulo, conheceu o sarau através de uma amiga que já participava: “Fiquei impressionada, toda a comunidade participa, surpreendente ver todas essas pessoas reunidas, em uma quarta feira a noite, fazendo poesia, isso desperta a curiosidade, a cultura periférica está se organizando despertando…”comenta Dida, com uma nítida expressão de encantamento por tudo que esta vivendo esta noite.
As transformações que a COOPERIFA vem fazendo ao longo desses nove anos de existência impressionam, o resgate da auto-estima de tantas pessoas que vivem entre becos e vielas, que encontraram no sarau uma esperança, uma mudança de vida.
Foi justamente o que aconteceu com o Jairo,40 taxista, que participa do projeto há oito anos” fui estimulado a escrever desde que conheci a COOPERIFA, tinha vontade antes mas não me achava capaz, e agora percebi que posso sim , não importar o fato de morar na periferia, e isto me despertou esta vontade de mudar, minha vida se divide entre antes e depois de conhecer a COOPERIFA, atualmente tenho um grupo de Rap Periafricania ,e trabalho como educador social na Fundação Casa, na unidade da Vila Maria,levando arte, poesia , rap e cultura para os menores…relata Jairo.
A COOPERIFA traz a comunidade para o movimento para ouvir uma poesia, assistir o cinema da laje, mas infelizmente algumas pessoas ainda estão presas a alienação, televisão mesmo morando ao lado do projeto. Boa partes das pessoas que conhecem a COOPERIFA acabam se identificando e permanecendo no projeto. No começo eram vinte pessoas, hoje são trezentas. Aqui a arte é falada, sentida. É o palco dos artistas sem palco. Isso transformou minha vida… Conclui Jairo, com um brilho no olhar de quem realmente sentiu a mudança através da cultura periférica.
A COOPERIFA vem mostrando ao longo dos anos, que militar é uma das principais formas para transformar a realidade da periferia.
A periferia não pode ficar esperando o poder publico fazer algo, o conhecimento, a informação, são elementos fundamentais nas mudanças, e já que isso muitas vezes é negado para as comunidades carentes, então somente criando movimentos alternativos é q as transformações almejadas serão alcançadas.
A COOPERIFA cria novos eventos a cada ano, como o que acontece no Dia Internacional da Mulher, é uma manifestação batizada de Ajoelhaço, os homens se ajoelham e pedem perdão para as mulheres pelas faltas cometidas ao longo da história. Em 2007 criaram o Poesia No Ar, foram trezentas bexigas com poesias dentro que foram lançadas as 23h no céu de São Paulo, uma conseqüência marcante foi a visita de uma moradora do bairro de Pinheiros que recebeu uma bexiga e foi visitar a COOPERIFA.
COOPERIFA é um movimento Antropofágico. Baseado no importante evento artístico de 1922 no Brasil .Criou-se então a Semana de Arte da Periferia ,contou com a participação de artistas de variados segmentos e foi de visitada por pessoas de varias regiões de São Paulo.
Esta semana marcou a vida de muitas pessoas que nunca tinham sequer assistido uma peça de teatro, ou qualquer outro evento artístico.
A periferia esta aprendendo a produzir seu próprio conhecimento, talentos antes escondidos estão florescendo, no campo da arte de escrever
COOPERIFA é o Quilombo Vivo, é o espaço acolhedor, transformando a concepção das pessoas, e mostrando o quanto elas são capazes de produzir arte independentemente do lugar onde elas vivem. Fugir da periferia não é a solução transformá-la em um lugar melhor para se viver, é o objetivo deste movimento social periférico.
Um Homem de Palavras
Poeta formado na faculdade da vida onde os métodos de avaliações são severos, e não perdoam os fracos.
Sérgio Vaz 46 cresceu no bairro de piraporinha, Zona Sul de São Paulo. Como a maioria das crianças que ali viviam, teve uma infância difícil, mas cheia de sonhos, que mudaram, mas se realizaram.
Um garoto que mesmo sem saber que iria mudar o seu mundo e o de outras pessoas não parava de ler quando criança, enquanto seus colegas jogavam bola.
Esta sede pelo conhecimento mudou sua vida e o impulsionou com a parceria de amigos a criar um dos projetos mais consolidados dentro da periferia. O poeta Vaz formou-se na faculdade da vida onde os métodos de avaliações são severos, e não perdoam os fracos. Não é muito de falar, mas diz muito com olhar.
Sujeito simples que mesmo conhecido por causa da COOPERIFA não mudou seu modo de ser, um agitador social dando continuidade ao crescimento da periferia e semeando transformações na comunidade.
Destemido desde o principio encontrou vários obstáculos, que não o impediram de ser o senhor dos seus sonhos e seguir o seu caminho.
A coragem e o altruísmo o levaram a conquistar seus objetivos ao seu lado, somente companheiros de verdade. Tem consciência dos seus atos e não tolera boatos.
Portal Rap Nacional: No começo quando você fazia seus encontros informais com os amigos nos bares de Taboão da Serra, imaginava que de um inicio tão sutil surgiria uma nova forma de fazer poesia?Sérgio Vaz – Pra ser sincero, não. Queríamos um espaço para recitar nossas poesias, mas aí…
PRN: Porque um bar?Sérgio Vaz – O bar é o lugar onde as pessoas se reúnem depois do trabalho, é onde as pessoas se reúnem depois dos jogos da várzea, é onde rola o samba, onde rola a reunião de sociedade amigos de bairro, enfim, o bar é o único espaço público em que os moradores não precisam fazer ofício para freqüentar.
PRN: Alguns bares da periferia são tachados como locais propícios a violência e as drogas. Como foi criar um projeto educativo e cidadão em um local que talvez passe esta imagem? Houve alguma rejeição por parte dos moradores?Sérgio Vaz – Não sei se a palavra rejeição é ideal, mas certo estranhamento referente aquele bando de malucos recitando poesia tenho certeza que sim. Afinal de contas, durante muito tempo a palavra cultura e literatura não freqüentavam o nosso vocabulário, as nossas casas. Por isso tem coisas que demoram um tempo para serem assimiladas.
Mas também foi uma troca, a comunidade não sabia que tinha poetas, e muitos poetas não sabiam que tinham comunidade.
PRN: Desde o começo do projeto até hoje quais foram as mudanças ocorridas na periferia?
Sérgio Vaz – Existem quase 50 saraus acontecendo em São Paulo, um melhor que o outro, todos com características diferentes. Existe uma cena muito forte acontecendo na periferia de Sampa, e que tem feito que nós nos auto-afirmassem não só como artistas, mas também como cidadãos. E o que é melhor, cidadãos críticos.
PRN: Como é divulgar um projeto que nasceu enraizado no solo da periferia nos veículos de comunicação que já tem uma trajetória elitista, como a Época e Folha de São Paulo? Como se dá essa relação?Sérgio Vaz – Nunca gostei que ninguém falasse por mim. Ninguém coloca palavras na minha boca. Sou senhor dos meus atos. Sou ativista cultural, mas também sou artista. Não admito patrulha. Desde que seja com respeito, dignidade e sem exotismo, adoro ver a cara preta da favela nos meios de comunicação.
Não existe uma relação pré-estabelecida, fazemos um evento, o jornalista liga e diz se pode fazer a matéria sendo do nosso jeito pode fazer. Caso contrário não faz como já aconteceram várias vezes.
Não somos inocentes, sabemos dos riscos e o quanto é perigoso. Nós produzimos notícias positivas com muita freqüência, não tem como a mídia nos esconder.
PRN: Receberam criticas devido às aparições na mídia?Sérgio Vaz – A gente recebe muitas críticas por isso. Umas com razão, outras nem tanto. Agora, também tem aquela coisa, é muito fácil a pessoa recusar um convite que não foi feito para ela. Não é mesmo não?
Há um efeito colateral, cada vez que a gente aparece na mídia dizendo que montamos um Centro Cultural num boteco, duas células culturais são fundadas nas regiões mais distantes do país.
Quem não quiser ir à mídia tem que ser respeitado também, é uma postura que admiro, e digo isso com muita sinceridade. Da hora mesmo.
PRN: O sarau foi gerando outras atividades culturais como cinema na laje e poesia no ar, qual o próximo passo?
Sérgio Vaz – O Nosso espaço cultural. Estamos tentando alugar um galpão.
Trailer do filme ” Poesia no ar”
Mais que um comerciante
Para Zé batidão todas as quartas são importantes, os versos sempre são emocionantes.
Tão importante quanto o projeto e os que ajudaram a criá-lo, é o homem que cedeu o local para que ele acontecesse. A escolha aconteceu pela história do lugar, que foi cenário de parte da juventude de Sérgio Vaz. Zé batidão amigo do poeta há mais de 20 anos sempre acreditou em seu talento, desde o lançamento de seu primeiro livro 1988 Subindo a ladeira mora à noite.
Zé batidão homem de origem humilde desde criança teve que aprender a fazer duras escolhas, entre ir a escola e se alimentar, opções dadas pelos patrões de uma fazenda em que trabalhava.
Mesmo com as dificuldades conseguiu montar seu bar e criar seus seis filhos. Um deles poeta e escritor, no estado de Minas Gerais.
Na cozinha preparando as porções de petiscos seu Zé está sempre atento no que é recitado no microfone pelos poetas. Sempre gostou de poesias principalmente das que são feitas pela comunidade, para a comunidade: “Há uma grande mudança desde que o projeto começou a ser feito no meu bar, o conhecimento do povo cresceu e agora podemos mostrar que a periferia tem sim o seu lado bom, sem contar a clientela, aumentou dez vezes mais.” Comenta risonho.
Todas as quartas-feiras para seu Zé são emocionantes, a cada semana chegam pessoas novas e possivelmente novas mudanças em suas vidas. Lembra-se com entusiasmo da Semana do Livro, quando participantes da COOPERIFA saíram distribuindo dois mil livros para a comunidade.
Este admirador da poesia é a prova de que a sabedoria não é comprovada através de um diploma, sem saber ler e escrever tem muito a ensinar.
Nascente da Evolução
Poema de Angelina Miranda
www.angelinamiranda.blogspot.com
Lugar de lutas e histórias templo de glória
Almas esquecidas mas aqui encontram vitória.
Casa acolhedora onde há respeito sorriso nos lábios
E esperança no peito casa de adoração
Cujas palavra nunca são ditas em vão
Vejo nos olhos do irmão versos que saem do coração.
Vejo a diversidade então branco, ruiva, mulata e negão
Tendo a mesma ambição nada somos sem educação
Ser pobre não é vergonha não vamos tirar disso uma lição.
Explorados de dia desabafam a noite.
Relatam a agonia chega de açoite.
No bar do Zé batidão não existe solidão.
Saem versos bonitos baseados na opressão.
Vamos sempre questionar e a luta continuar
Não apenas reclamar levantar e batalhar
Encontrei o meu lugar aqui quero ficar
As quartas me emocionar e ver a comunidade mudar
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Fonte: Portal Rap Nacional