Se a Internet fosse inventada hoje, provavelmente os seus autores seriam processados. É o que diz James Boyle, professor de Direito escocês que defende uma mudança radical nas regras dos direitos de autor. O co-fundador da organização Creative Commons esteve em Portugal, a convite da Católica Global School of Law, onde é docente no LL.M. Law in a European and Global Context, da Universidade Católica, e explicou ao i os fundamentos da sua posição perante a propriedade intelectual e o domínio público.
O que quer dizer com a expressão “agorafobia cultural?
O medo da abertura cultural. Imagine que estávamos de volta a 1992 e lhe diziam: “estamos a pensar em duas redes de computadores”. A primeira terá uns terminais, que vão fazer dez coisas diferentes, limitadas e definidas pelo sistema. Você pode ler mas não fazer, porque é apenas uma pessoa, não uma entidade legítima. Não vamos deixar que entre qualquer louco. Portanto, quando alguém chamado Jeff Bezzos [fundador da Amazon.com] vier dizer que quer vender livros nesta rede, dir-lhe-ão: “você não é ninguém. Vamos ter uma livraria a sério”. Uma rede tipo Minitel (França).
E a rede número dois?
Nessa teremos computadores de âmbito geral, onde se pode fazer o que se quiser, desde escrever programas a ver vídeos. A rede será aberta. Qualquer pessoa pode ligar-se a ela, em qualquer sítio do mundo. É uma rede estúpida, não sabe se os dados que estão a passar são pornografia ou blogues. Você tem que escolher entre as duas redes. Qual escolheria? A um, claro. A dois será caótica: vai haver pirataria, correio não solicitado, idiotas, racismo. Quem é que investiria nesta rede? Ninguém. Acha que as pessoas vão confiar e enviar e-mails através dela? Nunca. Será um desastre, vai destruir a propriedade intelectual… é a Internet.
Portanto, escolheríamos a número um?
Sim, porque é isso que faz sentido de acordo com as nossas percepções. Porquê? Agorafobia cultural. Somos muito bons a ver os perigos da abertura – e são reais, há idiotas, há pornografia, há pirataria. Mas nunca teríamos imaginado as possibilidades de comunicação que se abriram com a Internet. Eu não teria imaginado o Twitter e o Facebook, o próprio Google. Teríamos previsto as coisas más. E passado ao lado das coisas boas.
Isso é uma apologia total da abertura?
Não é que a abertura seja sempre a resposta. Às vezes precisamos de um sistema fechado, de proteger a propriedade intelectual porque de outra forma não vamos conseguir um novo fármaco. A questão é que somos sistematicamente maus a identificar as vantagens da abertura. Sobrevalorizamos os riscos e subvalorizamos os benefícios. É um preconceito, não um erro. E leva-me a pensar: em que mais estivemos errados? O que é que não existe por causa dos nossos preconceitos?
Como é que identificou esta fobia?
Estudei os padrões das guerras da propriedade intelectual, e alarguei a análise à regulação das redes. Percebi que não era algo fortuito e não podia ser explicado pelo interesse próprio das indústrias, que é o que se assume logo. A indústria está tão sujeita a este erro como os outros. Um exemplo é o vídeo. Quando foi lançado, o presidente da associação de filmes da América disse que o vídeo era para a indústria o que o estrangulador de Boston era para uma mulher sozinha. Cinco anos depois, o vídeo era responsável por 50% dos lucros de Hollywood. Tentaram matar a tecnologia que os salvou. Eles assumem que maior abertura só é pior, nunca melhor.
Acredita na propriedade intelectual?
Claro, sou a favor do copyright. Mas gostava que fosse mais curto. Nos EUA era de 28 anos, o suficiente para que 90% de todos os produtos esgotassem o seu valor comercial. Mas houve uma extensão temporal [trabalhos antes de 1978 estão protegidos por 95 anos, por exemplo]. Quase tudo nos arquivos está inacessível, para ser comprado, visionado ou copiado. É o buraco negro do século XX: filmes e livros a apodrecer.
O copyright pode ser prejudicial?
Sim, está a prejudicar a criatividade e o acesso cultural. Será que iríamos permitir a Internet se fosse inventada hoje? Os autores devem poder escolher como querem partilhar o seu trabalho, por exemplo, através da Creative Commons. O copyright é uma ferramenta para um objectivo. Se não está a atingi-lo, tem de ser mudado.
O seu copyright será cedido?
Sim, está todo disponível gratuitamente, mas ainda não tenho limite de tempo após o qual entrará no domínio público. É que a minha editora continua a vender os meus livros, mesmo o que publiquei há dez anos e apesar de haver versão gratuita.
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Fonte: iOnline