Serviços públicos de país subdesenvolvido

PNAD realça uma melhora no consumo, o que, entretanto, não aponta para avanços estruturais em políticas públicas

Eduardo Sales de Lima
da Redação

Engrenagens

Cresceu o consumo. As condições de vida, de certo modo, melhoraram. Mas o índice de gini, que mede a desigualdade social, avançou quase nada, de 0,521, em 2004, para 0,518, em 2009. O Brasil ainda se encontra, como afirma o sociólogo Ricardo Antunes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dentro de sua “tragédia social”. A partir dos dados compilados pela última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/2009), do IBGE, divulgada no dia 8, vê-se um Brasil desigual que cresce economicamente em meio à negação de direitos universais à população.

Os números da pesquisa realçam uma contradição brasileira. Ou seja, as pessoas passaram a possuir bens essenciais à vida doméstica, vivendo em meio a problemas históricos no âmbito social, como a estagnação do ensino e do saneamento. Em 2009, as estimativas revelaram a quase universalização de alguns itens, como o fogão (98,5% dos domicílios), a geladeira (93,9%) e a televisão (96%). Em 2001, 12,6% dos domicílios tinham microcomputador, alcançando 35,1% em 2009. No mesmo período, o crescimento do percentual de domicílios que possuíam microcomputador com acesso à internet foi de 8,5% para 27,7%. De 1992 a 2009, houve um aumento exorbitante no percentual de domicílios com telefone (móvel ou fixo), de 19% para 84,9%.

Para potencializar ainda mais esse cenário, o governo Lula, em 2009, como uma forma de contrapor à recessão do mercado internacional, incentivou a ampliação no mercado interno para bens de consumo, com redução de impostos.

Saneamento

Mas, se o consumo foi o sucesso da Pnad, as notas negativas foram para dois grandes problemas estruturais do país: saneamento e educação. Justamente setores que dependem de políticas públicas.

Em 2009, a proporção de domicílios atendidos por rede coletora ou fossa séptica ligada à rede coletora de esgoto (59,1%) apresentou leve queda em relação a 2008 (59,3%), embora tenha aumentado em termos absolutos (de 34,1 milhões para 34,6 milhões, no período).

Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) pondera que algumas mudanças serão constatadas somente a partir de 2010 e 2011. “Os investimentos feitos em saneamento são de longa maturação. Essa pesquisa é de 2009, quando o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], ainda estava sendo maturado”, explica.

Educação

Quanto à educação, a taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais caiu somente 1,8 ponto percentual de 2004 a 2009, atingindo 8,9%. Além disso, a PNAD estimou que a taxa de analfabetismo funcional (percentual de pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudo) apresenta um número ainda alto, 20,3%.

Pochmann destaca que ocorreram avanços no ensino básico e fundamental, mas remete a situação do analfabetismo no Brasil como um problema do século 19. “[Educação e saneamento] são investimentos que os políticos não gostam de fazer porque não aparecem no curto prazo”, conclui.

Virgínia Fontes, historiadora e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), vai além. Ela destaca que, em termos de serviços públicos, a pesquisa mostra que não está havendo um investimento maciço para a universalização de direitos bلsicos para o conjunto da população, “como saneamento, como uma educação unitária para todos os segmentos; pública, gratuita, laica e de qualidade, sob controle dos próprios trabalhadores e não sob o controle de gestores que funcionam segundo a lógica do mercado”.

Ricardo Antunes vê a “tragédia social” brasileira minorada no governo Lula em comparação com o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas compreende que “ele perdeu, em oito anos, completamente a possibilidade de fazer, que fosse uma, mudança estrutural”.

Mal-estar

Fa pergunta: até que ponto o acesso ao consumo e a melhoria da renda do trabalhador, ainda que mínima, elevam o Brasil para a posição de um bom país para se viver. “A questão da qualidade de vida é impulsionada por medidas relacionadas com a inclusão para o consumo, mas só isso é insuficiente. É preciso avançar para uma política de maior coesão social”, pondera Pochmann.

Já Antunes faz questão de separar bem os temas da pesquisa, e reforça que uma coisa é a melhoria econômica da população e o aumento de seu poder de consumo, outra é o papel que o Estado precisa exercer para elevar o padrão de vida da população. “Essa perspectiva requer uma reconfiguração da carga tributária brasileira, que hoje onera os mais pobres”, defende, dentre outras medidas.

O sociólogo ponderaque os dados da Pnad sobre consumo não podem esconder o quadro brasileiro. “É grotesco. Imaginar que existe a sensação de bem-estar social é porque não se entendeu que como o Brasil sempre viveu a sensação de mal-estar social, uma pequena e contingencial melhora já significa algo grande”, defende.

Leia mais na edição 394 do Brasil de Fato.
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Fonte: Brasil de Fato

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