Persistem as condições de precariedade nos presídios brasileiros, apontam organizaç ões

Na quinta-feira (25/08), a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA suspendeu as medidas cautelares impostas ao Brasil pela situação do presídio Urso Branco, em Rondônia. As medidas foram adotadas em 2002, após a morte de 27 detentos pela péssima estrutura do presídio, além das violações de direitos humanos que ocorriam no local. Ao mesmo tempo, no início de agosto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – que junto com a Corte compõe o Sistema Interamericano de Direitos Humanos – determinou a adoção de medidas cautelares no presídio Professor Aníbal Bruno, em Recife, um dos maiores da América Latina.

Grades de uma prisão com uma porta aberta

A situação dos presídios brasileiros é constantemente alvo de denúncias de organismos internacionais de direitos humanos, devido a sua péssima condição. Sandra Carvalho, diretora adjunta da ONG Justiça Global, pontua que o número de pessoas nas prisões em nosso país tem crescido rapidamente. Atualmente, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com quase 500 mil presos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Além disso, dados do Ministério da Justiça apontam que cerca de 44% são presos provisórios, ou seja, aguardam na prisão o julgamento de seus processos.

Mas os problemas não se restringem ao número total de presos. A superlotação é recorrente nos presídios brasileiros. De acordo com Sandra, a taxa de ocupação das unidades prisionais é de 1,65 preso por vaga, marca menor apenas do que a da Bolívia. “A Justiça Global entende que a superlotação das prisões e o aumento expressivo da população carcerária brasileira decorrem de um crescente processo de superencarceramento e reflete as políticas de segurança baseadas na repressão e a orientação dos órgãos e agentes estatais para a aplicação da prisão em massa, porém de forma seletiva, uma vez que atinge majoritariamente os jovens pobres, negros e moradores de favelas e periferias”, comenta.

Esse crescimento também é potencializado pelo difícil acesso à Justiça por parte dos presos, que não possuem garantia jurídica gratuita. Segundo a diretora, a Defensoria Pública no Brasil ainda enfrenta problemas com orçamento, equipe e infraestrutura. Tudo isso resulta em prisões arbitrárias e ilegais. Por fim, a prática de tortura e tratamento cruel é recorrente e, muitas vezes, institucionalizada dentro das prisões. “A invisibilidade do problema é agravada pelo fato do Estado não possuir dados sobre mortes sob custódia e tortura”, afirma Sandra.

Fátima Dourado, integrante da Comissão de Justiça e Segurança Pública do Centro de Direitos Humanos de Palmas, lembra da situação dos presídios femininos, em que as mulheres sofrem com a discriminação e atendimento médico ginecológico inexistente ou precário. Além disso, as que amamentam não contam com nenhum atendimento especializado. Os centros de medidas socioeducativos para os adolescentes também não possuem condições adequadas de funcionamento. Ela cita ainda exemplos como o do Espírito Santo, que chegou a utilizar contêineres como celas, devido à falta de espaço. No estado do Tocantins, o presídio Barra da Grota foi destruído por detentos em 2009. O poder público não reestruturou a unidade e transferiu a população carcerária para prisões com capacidade de lotação já atingida, o que fortaleceu a situação de superlotação das unidades prisionais do estado.

Regulamentação e fiscalização

Sandra conta que existem várias normas que estabelecem as condições adequadas para os presídios, como as Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Presos e o Protocolo Facultativo de Prevenção e Combate à Tortura. Nacionalmente, existe a Lei de Execuções Penais (LEP) e várias diretrizes do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Fátima comenta que os artigos 10 e 11 da LEP colocam como responsabilidade do Estado todo tipo de assistência ao preso (educacional, de saúde, jurídica, social, entre outras). “E seu art. 88 estabelece que o cumprimento da pena se dê em ambiente salubre, individualizado, com área mínima de seis metros quadrados”.

Além disso, Fátima pontua que cabe ao Estado a responsabilidade de assegurar condições mínimas de dignidade às pessoas privadas de liberdade e sob a tutela estatal. “É importante ressaltar que a República Federativa do Brasil rege-se pela dignidade da pessoa humana e que nas suas relações internacionais prevalecem os direitos humanos. O Brasil, a propósito, tem adotado diversos Tratados Internacionais, sendo um deles a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), que dispõe em seu artigo 4º que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida”.

Quanto à fiscalização, é papel do Ministério Público e dos juízes das execuções penais, mas Sandra enfatiza que ela ainda é muito precária. “A fiscalização dos estabelecimentos de privação de liberdade é limitado, pois o acesso raramente é permitido”. Como a assistência religiosa é garantida por lei, as pastorais carcerárias têm um papel importante.

As organizações de direitos humanos atuam monitorando as condições nos presídios e realizando visitas para denunciar as violações. “Mesmo com o trabalho incansável dessas organizações, na prática visualiza-se poucas mudanças positivas. Temos uma legislação avançada que garante os direitos dos apenados, mas ineficaz na sua aplicação”, afirma Fátima.

Denúncias

A diretora da Justiça Global comenta que diversas denúncias sobre as situações nas prisões brasileiras já foram feitas, no âmbito nacional e internacional. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados investigou em 2007 e 2008 o sistema prisional no Brasil. A chamada CPI Carcerária visitou mais de 60 unidades prisionais e publicou relatório com conclusões que apontam para a prática constante de tortura e maus tratos.

A ONU também já se manifestou nessa questão. Nigel Rodley, relator especial sobre tortura em 2000, visitou o Brasil na época. O Comitê Contra a Tortura (CAT) também veio ao país em 2005 e Philip Alston, relator especial sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais, divulgou em 2010 documento sobre a mesma questão. Todas as conclusões apontam para a prática de tortura generalizada e para a impunidade dos crimes cometidos pelos agentes públicos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA também realizou em março de 2010 uma audiência temática sobre a situação do sistema carcerário brasileiro, com participação de organizações de direitos humanos e membros da CPI Carcerária. De acordo com Sandra, o Brasil vai receber em setembro a visita do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU.

Fonte: ABONG

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