A constitucionalidade da reserva de vagas em universidades públicas a partir de critérios raciais está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa no dia de hoje ações relativas aos casos da Universidade de Brasília (UnB), do ProUni e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O trabalho do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo das Nações Unidas (IPC-IG), sediado em Brasília, parte da premissa de que as sociedades com menores índices de desigualdade tendem a ter melhor desempenho no processo de desenvolvimento. Crescimento inclusivo é tanto um resultado como um processo.
Por um lado, o crescimento inclusivo garante que todos possam participar no processo de crescimento econômico, em termos de tomada de decisão e consolidação das instituições democráticas. Por outro lado, ele garante que todos possam compartilhar equitativamente os benefícios do crescimento. Neste sentido, crescimento inclusivo implica participação e compartilhamento de benefícios. Participação sem redistribuição torna o crescimento injusto; redistribuição sem participação social torna o processo de crescimento excludente.
Por considerar que a reserva de vagas para afro-descendentes constitui um mecanismo legítimo e eficaz para a promoção da mobilidade e participação social para não-brancos, o IPC-IG defende a ação do Estado como indutor do crescimento inclusivo e considera as chamadas cotas raciais um instrumento efetivo a ser consolidado e promovido em todo o país.
Como subsídio ao debate, o IPC-IG publica hoje a versão em português do artigo ‘Houve alguma Mobilidade Social para não-brancos no Brasil?‘, que remete a um estudo completo publicado pelo Centro em 2007 entitulado ‘Is all socioeconomic inequality among racial groups in Brazil caused by racial discrimination?. ’ Ambos os estudos foram conduzidos pelo ex-pesquisador sênior do IPC-IG e atual pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Rafael Guerreiro Osório.
Confira abaixo a reprodução do artigo:
Houve alguma Mobilidade Social para não-brancos no Brasil?
Estudos sobre a mobilidade social freqüentemente assumem que à medida que as sociedades se modernizem a posição socioeconômica das pessoas se tornará imputável menos a suas características herdadas, como classe, linhagem, sexo ou raça, e mais às suas próprias realizações individuais, tais como as baseadas na capacidade, talento ou esforço. Em outras palavras, as características da família de uma criança ou outras circunstâncias fora do seu controle terão cada vez menos influência na determinação do seu próprio eventual status sócio-econômico.
Tais estudos normalmente se concentram sobre indivíduos; eles raramente examinam a mobilidade dos grupos. É possível que, enquanto indivíduos oriundos de meios desfavorecidos, como os não-brancos, pudessem desfrutar de uma maior mobilidade social, a posição relativa do grupo ao qual pertençam pouco poderia mudar. Isto poderia acontecer, por exemplo, se os indivíduos trocassem de posições exclusivamente com outros membros do seu próprio grupo. Assim, um não-branco mais pobre poderia adquirir mobilidade ascendente, ao mesmo tempo em que um não-branco mais rico sofresse de mobilidade descendente. Alternativamente, um não-branco mais pobre poderia trocar posições com um branco um pouco mais rico, mas ambos teriam ainda rendas abaixo da média.
Nós testamos essa proposição em grupos raciais no Brasil. A escravidão foi abolida no Brasil somente em 1888. Até então, a raça era um poderoso fator determinante da posição social de uma pessoa. No topo da sociedade estavam os colonos portugueses e sua descendência. No meio estavam outros brasileiros broncos descendentes de europeus e pessoas mestiças libertas. Nas camadas mais baixas estavam os indígenas e os africanos escravizados.
Embora todos os fundamentos legais para tal estratificação estejam agora eliminados no Brasil, as pessoas de descendência africana e outros não-brancos continuam sobre-representados entre os pobres. A raça continua a ser um determinante muito importante da estratificação, principalmente ao se examinar o status relativo dos grupos e não apenas dos indivíduos.
Para examinar esta alegação, vamos escolher a distribuição da renda domiciliar por pessoa como um marcador de estratificação social. Primeiro, vamos dividir o total da população em vinte partes iguais – vintis – classificados a partir dos cinco por cento mais pobres (primeiro vintil) até os cinco por cento mais ricos (vigésimo vintil).
Utilizamos a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio feita no Brasil) como nossa fonte de dados para o período 1976 a 2005. No entanto, podemos comparar renda e raça apenas para 19 de um total de 26 rodadas de pesquisas realizadas durante este período.
Para cada uma dessas rodadas, calculamos vinte “razões das chances”, ou seja, as chances de que uma pessoa não-branca (ou afro-brasileira ou mestiça) pudesse ser encontrada em um determinado vintil (como os mais pobres 5 por cento) versus o total global das chances de que uma pessoa pudesse ser não-branca. Estas razões são normalizadas para variar entre -1 e 1. Se a razão é de perto de -1, a probabilidade de encontrar tal pessoa não-branca naquele vintil é muito pequena; inversamente, se a razão está perto de +1, existe uma elevada probabilidade de ali encontrá-la.
Os resultados deste exercício são mostrados no gráfico. Para cada vintil, denotado sobre o eixo horizontal, existem 19 observações (embora se sobreponham no gráfico). Para os não-brancos, as probabilidades de estarem nos vintis dos mais pobres ao longo de 30 anos são consistentemente positivas, e, consistentemente negativas para os vintis mais ricos.
Em outras palavras, não-brancos, como um grupo, vivenciaram muito pouca mobilidade social. Uma regressão simples, representada pela linha traçada através dos pontos de dados, explica um notavelmente alto 97 por cento para todas as variâncias ao longo dos 30 anos. Isto implica, por exemplo, que não importa onde seja fixada uma linha de pobreza, os não brancos permaneceriam concentrados entre os mais pobres.
A nossa conclusão é que a posição socioeconômica dos não-brancos tem-se mantido notavelmente estável e previsível durante um longo período de tempo. Se raça não tivesse permanecido na verdade como um importante determinante da posição socioeconômica, seria de se esperar que não brancos tivessem se tornado mais ascendentes em sua mobilidade, ainda que lentamente, ao longo dos últimos 30 anos. Mas a evidência disponível sugere que não houve praticamente nenhuma mobilidade ascendente para este grupo.
Fonte: IPC IG
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