Jorge Márcio Pereira Andrade
do InfoAtivo.DefNet
Preencher uma página em branco. Superar as nossas mais profundas fragilidades e depressões, às vezes, só se consegue vendo alguma beleza que nos resta do que chamamos Natureza…
O mês de maio é pleno de comemorações e manifestações. Foi-se o tempo em se que comemoravam apenas os noivos e os casamentos. É agora a mudança de conceitos e a derrubada de preconceitos que se afirma na contemporaneidade. Assim como florescem, por nossos estímulos, a conquista de novos direitos, que nos animam para a vida.
Outro dia, nesse mês, a Câmara Federal realizou-se IX Seminário LGBT no Congresso. Há alguns dias atrás, mesmo ofuscados pelo Dia das Mães, foi lembrado que ainda temos os Racismos entranhados nos mais baixos ventres da sociedade. Era o dia 13 de maio, que não deve ser historicamente mantido como a real libertação de nossos escravos negros em 1888.
Amanhãs sempre multicoloridos ajudaram nas marchas contra a Homofobia. Contrariando e criminalizando o ódio homofóbico, Maio traz também o Dia Nacional de Combate à Homofobia. Há então a possibilidade de outro olhar sobre as plurais manifestações e escolhas afetivo-erótico-sexuais. Retomaremos então os caminhos de Freud, aceitando a multiplicidade a ser vivenciada quando rompemos os tabus sobre as sexualidades.
E quando começamos a ver outras flores, no alvorecer do dia 18 de maio, temos de encarar outro preconceito arraigado, bem nutrido e histórico. Temos de comemorar e ativar o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, para além do mês de maio.
Há, como na difusão dos outdoors, em campanha de conscientização, uma pergunta a responder. Na construção de novos dispositivos em Saúde Mental, que nossos cuidados e tecnologias reproduzem, é preciso indagar: que armadilhas e novos modos de sofrimento estão sendo produzidos?
O lema antimanicomial deste ano foi: “SUStentar a diferença, saúde não se vende, gente não se prende”. Mas estamos mandando “flores de maio”, decaídas ou decadentes, para as internações compulsórias ou não?
No Brasil de novos programas carinhosos e assistencialistas, por que veredas tortuosas estão sendo mantidos os loucos, os homoeróticos, os meninos e meninas em situação de rua, os negros e todos os que possam ser submetidos às mais sutis violências, desde as simbólicas às mais visíveis e institucionalizadas?
A atual parceria Governos e práticas de higienização social, com suporte até de evangelizadores, denunciam um possível retrocesso pela normatização ou pela produção/serialização de Vidas Nuas. O crack e seus marginais que o digam.
Então, o que transversalizamos em todos estes eventos? Quando é que a encruzilhada dos direitos faz com que se encontrem no mesmo cenário político os que passam pelo racismo, pelas homofobias, pelas pedofilias, e a retomada do desejo manicomial nas ações contra os que vivem transtornos mentais ou dependências químicas?
A maioria se parece com as flores de Maio. Não são dotadas de espinhos, porém pertencem a uma família de cactos. E acabam germinando em lugares que precisam de muita luz, mas se beneficiam de algumas sombras. Elas são epífitas, ou seja, crescem sobre outras plantas sem, contudo, parasitá-las. Na visão reducionista se tornam “diferentes” pelo cuidado que exigem. E na sua diferença tornam-se, apesar de belas e diversas, “exóticas”…
Assim também homens, mulheres, crianças ou idosos vivenciam ainda estas duras experiências de segregação, discriminação, marginalização, bullying, preconceito e violências? Basta que se afirmem na condição humana de uma diferença. Basta que floresçam fora de época e em lugares não permitidos?
Seja um negro, uma pessoa homossexual, ou então um “viciado” e sua drogadição ou alguém com uma deficiência psicossocial, independentemente de seu gênero ou faixa etária, todos tem de enfrentar, nas suas diversidades e pluralidades, as duras penalizações que os conservadorismos lhes impõem.
Mas o que é uma diferença? Um dos mais emocionantes exemplos que assisti recentemente me trouxe um exemplo de vivência na pele da diferença. Era o encontro de um grande homem negro, Magic Johnson, com uma pequena menina negra que estava em uma escola onde vivenciava os mesmos sentimentos que o famoso atleta.
Ambos eram e são pessoas convivendo com o vírus HIV. Ela fala com lágrimas como era tratada, lá nos anos 90, como um ser contaminado e contaminante. E que todos se afastavam dela na escola.
Nesse mesmo documentário de Nelson George, The Annoucement, sobre o “anúncio” público de Magic sobre a sua condição de pessoa com HIV, o rei do basquetebol nos toca na direção do enfrentamento de muitos dos preconceitos que atingem todos os que se diferenciam ou são diferenciados socialmente.
Até suas gotas de suor foram motivo de seu afastamento das quadras, muito embora sua resiliência o tenha feito retornar e receber os abraços dos que temiam seu contágio. Chegaram a fazer um minuto de silêncio nos jogos como se Magic tivesse morrido com o simples anúncio de seu vírus. Era o olhar de estigma que a AIDS produzia, e ainda produz, como metáfora da morte e da Peste.
Portanto em plena Idade Mídia ainda temos muito a plantar, semear e diferenciar com todas as “flores de maio”, simbólicas e plurais. Há um possível espaço de ação micropolítica que se estabelece com as nossas marchas públicas, nossas petições e nossas presenças e ações no cenário macropolítico brasileiro.
Em tempos de Comissão da Verdade, no seu papel instituído, caberá lembrar que nossas ações ainda estão distantes do movimento das Madres de Maio. Seriam elas flores que deveríamos aprender a respeitar/reinventar ao invés de chamá-las de ‘’loucas’’?
E como resposta a indagação temos de afirmar que surgem nos horizontes, para os que sonham com outro tipo de mundo e ambiente, para além da Rio +20, um modo ecosófico e bioético de viver. É A AFIRMAÇÃO DA DIFERENÇA. É O COMBATE EM NÓS DAS NEGAÇÕES DE NOSSAS DIFERENÇAS. NÃO SOMOS “ALMAS” HOMO- GÊMEAS, NEM MESMO NO AMOR OU NO SEXO, em todas as formas e multiplicidades do amar…
É o mês das flores de maio que só mostraram seu espetáculo e beleza tempos depois. Mas é a hora de combater A AMBIGUIDADE DE PRODUÇÃO DE UM DISCURSO BINARIZANTE, sem franjas ou entremeios, sem liberdade para as múltiplas peles que podemos habitar.
A binarização é dicotomia, ou somos homens ou somos mulheres, ou somos “racialmente” brancos ou negros, ou somos loucos ou somos “normais”. NÃO PODEMOS SER UMA METAMORFOSE AMBULANTE OU UMA DIFERENÇA GRITANTE?
Como a nossa visão ainda é atravessada pelos olhares e os rostos de nossos ancestrais, ainda olharemos o Outro como uma diferença a ser tolerada ou eliminada. Os novos campos de exceção, os novos Auschwitz-Birkenau, são construídos na mesma ideia de uso dos corpos em serialização, ou para o extermínio ou para a expropriação.
Por isso temos de estar atentos ao que nos dizem Guattari e Deleuze: “Do ponto de vista do racismo não existe exterior, não existem pessoas de fora. Só existem pessoas que deveriam ser como nós, cujo crime é o não serem…”. E aí situo a necessária transversalização dos preconceitos a combater para além do mês e das flores de maio.
QUANDO APRENDEREMOS A APRENDER SOBRE A ALTERIDADE, quando aprenderemos a respeitar seus direitos fundamentais sem ter que tolerá-los em determinados lugares, em determinadas paredes, em determinados guetos ou muros, reinstituindo, continuamente, as mais pérfidas formas de exclusão da Sociedade de Controle?
Ah, não somos homens e nem mulheres, somos então o quê?
Fonte: InfoAtivo.DefNet
Obrigado pela difusão e permanente apoio do site Inclusive, espero poder retribuir mantendo nossos laços fundamentados em Direitos Humanos para o seus e meus ativismos pelas pessoas com e sem deficiência. um sempredoceeafetivoabraço