Direito a ter direitos

Sombra de martelo

Por Tayrone Di Martino

O campo político é o espaço de construção do mundo comum entre as pessoas, da vida no espaço compartilhado. E o ser humano vive, tão somente, em uma realidade comum. Ou seja, a existência humana só pode se dar em comunidade. Nesse espaço comum, de visibilidade, é que as diferenças aparecem. Afinal, a afirmação de que “somos iguais perante a lei” está mais perto de algo a ser construído do que de algo já dado. Antes de tudo, as pessoas são diferentes, por características de gênero, de etnia, de idade, de condição social etc. As diversas realidades humanas trazem à tona desigualdades que, em muitos casos, impedem a afirmação de que, por pressuposto, todos sejam verdadeiramente iguais.

A conquista de direitos é a forma capaz de tentar construir uma igualdade. No Brasil, um país que passa por um processo recente de redemocratização, as lutas mais consolidadas ainda são pelos direitos civis  — que tratam da liberdade pessoal  — e os direitos políticos, de garantia do direito ao voto e da representação democrática. Em outro sentido, as lutas mais recentes, e ainda em um processo de consolidação, são por direitos sociais, relativos ao bem estar social.

As conquistas sociais se referem a garantias gerais de acesso a bens públicos e a condições comuns de convivência. Aliados a esses direitos é que estão os direitos humanos, que particularizam os direitos sociais, resguardando individualidades e características de grupos específicos para garantir-lhes uma igualdade democrática. De forma geral, o Brasil destacou a preocupação com os direitos humanos apenas após a Constituição de 1988. Vê-se que é um período ainda curto de conquistas e garantias. Um exemplo nesse contexto é a aprovação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

As demandas por direitos vivem uma nova perspectiva, com o reconhecimento em estatutos, direitos específicos e políticas públicas, além da criação de secretarias especiais em governos. São lutas conhecidas: a dos idosos, que conquistaram o Estatuto do Idoso, em outubro de 2003; ou a conhecida Lei Maria da Penha, de 2006, que já se mostrou bastante eficaz no combate à violência doméstica contra a mulher. Esses dois instrumentos que se propõem à garantia de direitos a grupos específicos foram conquistas nos governos do presidente Lula. O Brasil também acompanhou, nos últimos anos, um grande processo de discussão de direitos humanos, com diversas conferências, espaços de participação popular em que são pautadas as mais atuais demandas por direitos.

Por sua dinâmica e pelas mudanças sociais é que se torna necessário um constante debate sobre os direitos humanos, sobre as necessárias adaptações para que todos e todas tenham acesso a direitos iguais. Além dos debates, as garantias dos direitos devem ser transformadas em lei, para que se cumpram efetivamente as necessárias políticas inclusivas. Em minha concepção, os direitos humanos são conquistas que reparam desníveis, ou seja, dizer que todos são iguais é algo muito vago, visto que as desigualdades são, em muitos casos, violações de garantias básicas.

E a consolidação dos direitos humanos não se dá por uma necessidade assistencialista ou por aspectos de “caridade” (no sentido preconceituoso da palavra), mas por uma oferta de políticas públicas que tentem dissipar desigualdades, tratando a todos como sujeitos de direitos. Um exemplo: a criação de leis para a acessibilidade de pessoas com deficiência a espaços públicos não deve ser entendida como um gesto de caridade a essas pessoas, mas, sim, como instrumento que pretende garantir a elas o mesmo acesso que têm as demais, ou seja, aquelas que não necessitem de uma cadeira de rodas para se locomover.

Acredito que a conquista de direitos é um processo contínuo e também faz parte de um processo de aprendizado. A sociedade brasileira vive um processo de ampliação de perspectivas. Milhares de pessoas foram retiradas da miséria e outros milhares ascenderam de classe e deixaram a condição de pobreza. Nesse quadro de ampliação de perspectivas, a preocupação com os direitos humanos contribui para o amadurecimento democrático de nossa sociedade. E o aprendizado está na perspectiva do ganho social da preocupação crescente com direitos específicos que garantam uma vida mais plena em outros aspectos, além do econômico.

A desigualdade econômica precisa ser combatida, mas a desigualdade social, em mesmo sentido, deve ser uma preocupação pautada nos debates públicos, nos palanques eleitorais. Afinal, a igualdade entre as pessoas não é uma conquista com meta definitiva, mas um processo que tem as políticas públicas de inclusão como aliadas, em vista de uma vida plena garantida a todos, em que cada um pode ser chamado de cidadão.

A vivência de uma cidadania plena está marcada pela prerrogativa de que todos tenham “direito a ter direitos”. E para a garantia dessa máxima é que se propõem as políticas públicas de direitos humanos.

Fonte: Brasil 247

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