Seminário debate situação educacional nas prisões

Grades de uma prisão com uma porta aberta

Em seminário realizado na Ação Educativa, importantes instituições e redes do campo de defesa de direitos, representantes da sociedade civil, universidade e setor público debateram a situação educacional da população carcerária do estado de São Paulo e os desafios da implementação das Diretrizes Nacionais de Educação nas Prisões no estado, considerando o contexto nacional.

O evento contou com três mesas. A primeira, com a participação do juiz Luís Carlos Valois, e de Wilson Roberto Batista, da Pastoral Carcerária, tinha como objetivo debater o contexto da atual política penitenciária, que, conforme destacou Valois, é marcada pela lógica da manutenção do encarceramento e do militarismo e não do resgate social.

“Os diretores do sistema penitenciário são militares. Por quê? Porque para um secretário de segurança ou de administração penitenciária, é melhor morrerem vinte presos do que fugir um. É melhor deixar todo mundo lá dentro passando fome, sem educação, sem saúde, sem nada. As vozes do pedagogo, do psicólogo e do assistente social não vão ser ouvidas, porque o que interessa é a segurança”, criticou.

Para o juiz, não é possível pensar uma educação verdadeiramente libertadora e promotora de direitos numa instituição de segurança pública, onde a educação é secundária. Ele criticou ainda a visão de que o Poder Judiciário seja capaz de reverter essa situação. “O judiciário é uma máquina enferrujada que foi feita pra manter toda essa desigualdade e esta injustiça social. Da forma que é, sem participação popular, o Judiciário não contribuirá para mudar essa situação”, afirmou.

De acordo com os dados apresentados pela Pastoral Carcerária, dos mais de 100 mil presos em regime fechado no estado, 50 mil têm entre 18 e 24 anos. Aproximadamente 87% praticou crimes contra o patrimônio (furto, roubo, estionado) ou tráfico de drogas e a maior parte é composta por jovens moradores de regiões periféricas, negros, de família de baixa renda, com baixa escolarização formal e sem acesso a defesa qualificada e à Justiça.

Wilson Roberto Batista, da Pastoral, destacou a importância de se entender que é a população carcerária do estado e sua situação educacional e social ao adentrar o sistema. Para ele, estes dados evidenciam a necessidade de se priorizar e consolidar políticas públicas sociais, como educação, cultura ou trabalho, por exemplo, dirigidas às juventudes, às crianças, mulheres, entre outros segmentos vulneráveis.

“Em São Paulo, o sistema penitenciário nos revela o equívoco das ações governamentais para atender, a contento, as demandas sociais, pois se tornou impossível conjugar respeito aos direitos humanos, sejam eles sociais ou individuais, com uma economia que produz um PIB de mais de R$ 1,2 trilhões [IBGE,2010]. A principal economia do país tem dado, proporcionalmente à sua contribuição econômica, a sua devida cota na ‘economia do cárcere’”, criticou.

Diretrizes Nacionais de Educação nas Prisões

Aprovadas em 2010, as Diretrizes Nacionais de Educação de Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade (Resolução nº 2/2010 do Conselho Nacional de Educação – CNE) tem como objetivo garantir as condições de oferta de educação com padrões mínimos de qualidade para pessoas encarceradas, de modo que elas possam se desenvolver em sua plenitude e garantir autossuficiência econômica por meio do trabalho.

As Diretrizes foram o tema da segunda mesa do seminário, com participação de Sergio Roberto Cardoso, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo; Roberto Guido da APEOESP; Patrick Lemos Cacicedo, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Profa. Dra. Maria Clara Di Pierro, representante do Fórum de Educação de Jovens e Adultos; e Denise Carreira, Coordenadora da Área de Educação da Ação Educativa.

“A homologação das Diretrizes Nacionais para a Educação nas Prisões em 2010, que contribuiu com o debate suscitado por esta publicação – estimulando o seu desenvolvimento – é fundamental para o processo de construção participativa de uma política pública de Educação de Jovens de Adultos nas unidades prisionais de São Paulo. Caminhamos no sentido de levantar informações que trazem um diagnóstico representativo da atual situação e que contribuem com a elaboração do Plano Estadual de Educação em São Paulo, além de inspirar outros estados na elaboração de Planos de Educação comprometidos com a agenda de direitos humanos no sistema prisional”, defendeu Denise Carreira.

Publicação

Na ocasião, foi lançado o décimo volume da publicação “Em Questão 10”, com o tema “Educação nas prisões: perfil de escolaridade da população prisional de São Paulo” (leia aqui). A publicação foi produzida pelo Grupo de Educação nas Prisões e apresenta diagnóstico das condições atuais e das expectativas da população carcerária em relação às políticas educacionais de pessoas privadas de liberdade.

Além da identificação da estrutura física destinada à educação em quatro penitenciárias e cinco centros de detenção provisória (CDPs), com consulta aos gestores responsáveis pelas unidades, foram feitas entrevistas com a população carcerária e funcionários destas unidades, que partilharam suas impressões e expectativas sobre o cenário educacional de pessoas privadas de liberdade.

Plano Nacional de Educação nas Prisões

A situação de implementação do Plano Nacional de Educação nas Prisões foi o tema da terceira mesa do seminário, com participação de Carlos Teixeira, consultor Unesco, e de Roberto da Silva, pesquisador da Universidade de São Paulo.

Para Carlos, embora haja muitos desafios para a implementação do Plano, ele teve um papel importante na produção de dados sobre os sistemas prisionais dos estados e sobre a situação educacional dos presos. “O plano serviu também para induzir a produção de um conhecimento melhor do sistema penitenciário. De fato, nós conhecemos pouco o sistema penitenciário”, afirmou.

Roberto da Silva acredita que a educação nas prisões é a última grande fronteira da educação no Brasil. “Desde a Constituição, que possibilitou a emergência de uma profusão de sujeitos até então esquecidos pelas políticas públicas (adolescente, negros, índios, mulheres, pessoas com deficiência), houve uma tomada de consciência por parte do conjunto da sociedade quanto a uma melhor aplicabilidade do conceito de direitos. Tudo que se destinou e se destina ao preso tem sido sempre na ordem dos privilégios e benefícios, e não de direitos propriamente ditos”, disse.

O pesquisador defende a necessidade de se olhar o papel da educação no contexto de extrema vulnerabilidade em que os sujeitos chegam ao sistema prisional. “É uma população que chega ao sistema penitenciário como última instância de possibilidades. Para eles, falhou a família, a religião, a escola, a comunidade, a sociedade. Esta condição é de tal ordem que um mero processo de escolarização não vai resolver esse problema.”

Fonte: Ação Educativa

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