Luciano Cerqueira*
“Democracia, desenvolvimento e direitos humanos: superando as desigualdades”. Esse foi o tema da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos realizada entre 15 e 18 de dezembro, no Centro de Convenções Ulyssses Guimarães, em Brasília. Essa foi a última etapa de um processo que teve 137 encontros prévios (nos estados e no Distrito Federal) e contou com a participação de um total de 14 mil participantes.
A cerimônia de abertura contou com a presença dos(as) ministros(as) Edson Santos (Seppir), José Gomes Temporão (Saúde), Dilma Rousseff (Casa Civil), Nilcéia Freire (Mulher) e Paulo Vanucchi (Direitos Humanos), além do presidente da República e do presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, e de representantes da sociedade civil.
Após 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (lançada pela Organização das Nações Unidas após o fim da 2ª Guerra Mundial), as quase 2 mil pessoas presentes à conferência nacional, entre delegados(as), observadores(as) e convidados(as), discutiram os rumos dos direitos humanos no Brasil. O principal objetivo foi revisar e atualizar o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) – lançado em 1996 e revisado em 2002 –, tentando tratar de forma conjunta as múltiplas dimensões dos direitos humanos e construir diretrizes que orientem a posição do governo brasileiro.
A organização da conferência foi tripartite, com a responsabilidade dividida entre o Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos – representante da sociedade civil –, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Além da mudança na forma de convocação, outra mudança foi a forma como os assuntos foram trabalhados, ao invés de divididos em temas específicos, foram divididos em sete eixos orientadores:
universalizar direitos em um contexto de desigualdades; violência, segurança pública e acesso à Justiça; pacto federativo e responsabilidade dos três poderes, Ministério Público e Defensoria Pública; educação e cultura de direitos humanos; interação democrática entre Estado e sociedade civil; desenvolvimento e direitos humanos e direito à memória e verdade.
Foram discutidos os direitos das minorias que durante séculos são vítimas de discriminação, preconceito e violência. Os debates, mais do que traçar o caminho dos Direitos Humanos, abrem a oportunidade de fazer avançar tanto a consciência social quanto os compromissos do Estado voltados à concretização da idéia central da Declaração: livres e iguais em dignidade e direitos nascem todos os homens e mulheres.
Diversidade
A diversidade brasileira estava presente. Contamos com representantes de policiais, ciganos(as), idosas(os), negros(as), mulheres, advogados(as), pessoas com deficiência, segmento LGBT, representantes governamentais entre outros.
Destas pessoas, algumas estão na luta há muito tempo, como é o caso do movimento negro (ou os movimentos negros), que além de brigar por leis que inibam o comportamento racista e por ações afirmativas, defende a legalização da terra de quilombolas, para fazer justiça às pessoas que querem apenas manter a terra onde seus antepassados viveram – onde agora vivem –, mantendo suas tradições.
Outra “minoria” na luta há muito tempo é o movimento indígena, que também luta para manter seu acesso às terras e que está vivendo momentos de expectativa com a votação no Supremo Tribunal da demarcação da Reserva Raposa Terra do Sol.
Esteve presente também o grupo das mulheres (reunidas em torno da Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB) que, além de continuar lutando por um mercado de trabalho mais justo, por maior inserção nas esferas de decisão, briga para que o governo brasileiro discriminalize o aborto. Essa é uma das questões mais controversas na sociedade brasileira, fato que até o presidente do República reconheceu em seu discurso de abertura, mas que deputados(as) e senadores(as) se recusam a discutir. Essa atitude, sem dúvida, não colabora em nada com consolidação da democracia.
Há outros dois grupos que merecem destaque: policiais e grupo LGBT. É muito bom a sociedade civil discutir segurança pública (um dos maiores problemas das cidades brasileiras) com aqueles(as) que são responsáveis pela nossa proteção. Embora em um pequeno número, a presença destas pessoas, oficiais ou não, nos trouxe a esperança de que no futuro possamos manter este diálogo e tornar nosso sistema judicial – especialmente as polícias civil e militar – mais humano e cidadão.
O grupo LGBT aumenta, a cada ano, adeptos(as) e força. Era uma das delegações em maior número na conferência, uma das mais coesas em torno de suas propostas, além, é claro, de uma das mais alegres. Mesmo tratando de um tema tão delicado e que, muitas vezes, toma contornos violentos (só no ultimo mês, 13 homossexuais foram mortos na cidade de São Paulo), não perdem a alegria de viver e a irreverência na hora de protestar e reivindicar.
Entre seus slogans, tem um que ilustra o que estou dizendo:
Não, não, não
à discriminação.
De trás do silicone
também bate um coração.
Ao fim de quatro dias de debates, conversas, discussões, votações, consensos e discórdias muito se avançou, muito continuou da mesma forma. Alguns temas foram fáceis de ser resolvidos, como a não-criminalização dos movimentos sociais, a retirada de adolescentes de delegacias, a não-privatização das penitenciárias (o que torna presidiários(as) mercadorias), a exigência de transformar as secretarias especiais (de Direitos Humanos, de Direitos da Mulher e a de Promoção da Igualdade Racial) em ministérios e a inclusão do tema de direitos humanos nos concursos públicos.
Outros, no entanto, não foram fáceis, tais como a existência de conselhos paritários ou com dois terços de representantes da sociedade civil; ocorrência de parcerias público-privadas nas ações de Justiça e segurança pública; estabelecimento de um número adequado de policiais nas cidades; início do funcionamento do Sistema de Nacional de Atendimento Sócio-Educativo (Sinase).
Nem todas as decisões foram tomadas de forma consensoada e nem sempre o processo durante a conferência foi tranqüilo. Muitas pessoas saíram da conferência se sentindo vitoriosas, outras com o gosto da derrota, mas, na verdade, todas sabem que o país é o vencedor, pois está consolidando a democracia. Para isso, tem contado com a ajuda preciosa de uma sociedade civil que, a cada dia, se organiza mais em torno de um ideal: todos somos humanos, por isso temos os mesmos direitos.
*Pesquisador do Ibase.
Fonte: Agência Ibase – Publicado em 19/12/2008. – http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&file=index&pa=showpage&pid=2561