Por Patricia Almeida

Descrição da imagem: No plenário da Câmara dos Deputados, as deputadas Lídice da Mata, Erika Lokay e Pedro Campos com Paloma Pediani, advogada em propriedade Intelectual e direitos das pessoas com deficiência, após a aprovação do PL 6256.
O PL da Linguagem Simples 6256 foi aprovado pela Câmara dos Deputados. O projeto de lei institui a Política Nacional de Linguagem Simples em todos os órgãos públicos do país, que devem passar a usar linguagem simples para se comunicarem com a população.

Descrição da imagem: Giovana Pinelli segurando a cartilha Eu Me Protejo – educação inclusiva para prevenção à violência e o Ministro Luiz Roberto Barroso. Quando era Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, o Ministro foi grande defensor da comunicação acessível e instituiu o Pacto Nacional pela Linguagem Simples no Judiciário, que impulsionou a pauta.
Histórico
2019 – O projeto de lei 6256 foi apresentado na Câmara dos Deputados no dia 3 de dezembro de 2019, Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, pelos Deputados Erika Kokay e Helder Salomão.

Descrição da imagem: Deputada Erika Kokay com membros da Associação DFDOWN, do Distrito Federal.
2023 – O Deputado Federal Pedro Campos, que tem um irmão con síndrome de Down, Miguel, relatou a matéria, que foi aprovada em plenário dia 5 de dezembro de 2023.

Descrição da imagem: Patricia Almeida, com a camiseta da FBASD e o deputado Pedro Campos sorriem e exibem o guia Simples Asssim.
2024 – O Senador Alessandro Vieira foi o relator no Senado, onde o PL passou por mais duas comissões.

Descrição da foto: Senador Alessandro Vieira e Paloma Pediani.
2025 – O projeto foi elevado a regime de urgência e aprovado em 12 de março de 2025 no plenário do Senado Federal.
2025 – O projeto recebeu urgência na mesa da Câmara, teve relatoria da Deputada Lídice da Mata e foi à votação no plenário em 21 de outubro de 2025 e foi aprovada. Agora vai à sanção presidencial.

Legenda da foto: Deputada Lídice da Mara e Paloma Pediane com o projeto de lei.

HISTÓRICO DA LINGUAGEM SIMPLES
Embora ainda emergente no Brasil, a Linguagem Simples está se tornando mais conhecida e vem sendo utilizada em diversos espaços como recurso de acessibilidade para pessoas com deficiência intelectual e/ou dificuldade de leitura e/ou aprendizagem. Seu uso vem sendo defendido por agentes sociais, especialmente por associações de pessoas com deficiência intelectual e suas famílias, bem como em órgãos públicos.
A fundamentação legal para a implementação da Linguagem Simples em todos os espaços da sociedade já consta em textos legais no Brasil e no mundo. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), estabeleceu a Linguagem Simples como um recurso de acessibilidade nos 193 países que adotaram o tratado. No Brasil, com a ratificação da CDPD com equivalência constitucional e sua promulgação em 2009, a Linguagem Simples tornou-se norma constitucional.
Inúmeros esforços para aplicação da Linguagem Simples vêm sendo realizados nos últimos anos. Ao contrário da maioria dos países do hemisfério norte que adotou esta forma de acessibilidade, no Brasil e em outros países com altos índices de desigualdade, baixa escolaridade e elevadas taxas de analfabetismo funcional, a Linguagem Simples tem potencial para beneficiar um público muito maior.
TERMINOLOGIA
A Linguagem Simples dirigida a pessoas com deficiência intelectual é conhecida em Portugal como “Leitura Fácil”; na língua espanhola, como “Lectura Fácil”; e, em inglês como, “Easy Read”. Há outra técnica de comunicação e causa social, que chegou ao Brasil traduzida como “Linguagem Clara” (“Plain Language”), voltada para simplificação de documentos técnicos e informações públicas para a população em geral.
A principal diferença entre as duas técnicas – “Easy Read” e “Plain Language” – é que a “Plain Language” não exige a validação do texto pelos usuários, enquanto em “Easy Read” o conteúdo é mais fácil de entender e a validação pelo público a que a mensagem se destina é essencial. Além disso, no “Easy Read” é possível o uso de imagens e outros recursos para auxiliar a compreensão.
Nos Estados Unidos, o movimento “Plain Language” ganhou apoio do Governo Federal e, desde 1998, todo o Poder Executivo passou a usar Linguagem Clara em seus documentos. No Brasil, o uso da Linguagem Simples – terminologia que se optou por adotar, como veremos mais adiante – vem ganhando espaço em órgãos públicos, especialmente do judiciário. Em 2023, foi lançado o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples pelo Supremo Tribunal Federal e Conselho Nacional de Justiça.
Em 2018, um grupo de pesquisadores de países europeus (Espanha, Suécia, Itália, Alemanha, Eslovênia, entre outros) de diferentes áreas do conhecimento – linguistas, psicólogos, tradutores, audiodescritores, jornalistas, designers, entre outros – se reuniram em um Consórcio da União Europeia patrocinado pelo programa Erasmus. Sob coordenação de Anna Matamala, da Universidade Autônoma de Barcelona, o grupo criou a Plataforma EASIT – Formação gratuita à distância em Acesso Fácil para Inclusão Social, para treinamento em elaboração de conteúdos em Linguagem Simples.
Em 2023 formou-se a ELIN – “Easy Language International Network”, Rede Internacional de Linguagem Fácil, um grupo internacional de acadêmicos e usuários de serviços interessados em promover a linguagem acessível e materiais de fácil compreensão. O objetivo do grupo é a transferência e compartilhamento de conhecimento, redação de subsídios e formação de redes para difundir a linguagem fácil de entender. O lema da ELIN é “A linguagem fácil é fácil de ler e entender para todos”. Linguagem Fácil de Entender é um termo guarda-chuva que inclui da Linguagem Clara (Plain Language) à Leitura Fácil (Easy Read), que é a forma mais simplificada.
Ainda em 2023, foram publicadas duas normas técnicas internacionais, uma sobre “Plain Language” e outra sobre “Easy to Read”: ISO 24495-1:2023 – Padronização Internacional “Plain language”, traduzida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e já disponível para download gratuito, ABNT NBR ISO24495-1 – Linguagem Simples – Parte 1: Princípios e diretrizes norteadores. (ABNT, 2024) e ISO/IEC 23859:2023 – Padronização internacional “Easy to read”- Requisitos e recomendações para tornar o texto escrito fácil de ler e entender. (em processo de tradução para o português). Em 2025 foi publicada a norma técnica internacrional específica sobre linguagem simples em textos jurídicos ISO 24495-2:2025, ainda sem tradução para o português.
LINGUAGEM SIMPLES NO BRASIL

Legenda da foto: Palestrantes sentados à Mesa de debates. Patricia Almeida, Debora Feldman Mascarenhas, Deputado Pedro Augusto Bezerra, Deputada Erika Kokay, Eduardo Cardoso e Rita Louzeiro. Ao fundo, banner com a logomarca da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a bandeira do Brasil, a intérprete de Libras e a tela com a transmissão da reunião, mostrando a deputada Erika Kokay.
Como as duas técnicas – “Plain Language” e “Easy Read” são semelhantes, em 2019, pesquisadores, especialistas e ativistas que já atuavam há muitos anos nessa área no Brasil se reuniram no primeiro “Seminário de Comunicação Simples”, realizado pela Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara dos Deputados, defendendo a unificação da terminologia para apenas “Linguagem Simples”. O Seminário foi solicitado à Comissão pelo Movimento Down, que faz parte da Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down.
Ao final do seminário, os Deputados Erika Kokay e Helder Salomão encaminharam a proposição de Projeto de Lei para adoção de uma política de Linguagem Simples na administração pública, protocolado na Câmara Federal em 03/12/2019.

Legenda da foto: Grupo de pessoas com e sem deficiência, entre elas 3 em cadeira de rodas, cego, com síndrome de Down, Patricia Almeida, Eduardo Cardoso e os Deputados Erika Kokay e Helder Salomão, num corredor da Câmara dos Deputados após protocolarem o PL 6256, em 3/12/19.
Em 2022, por solicitação da Rede-In – Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – a qual a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down faz parte, o Brasil apresentou à ONU um projeto de resolução com o objetivo de difundir a Linguagem Simples no mundo. A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a resolução “Promovendo e integrando uma comunicação fácil de entender para acessibilidade de pessoas com deficiência”, em 16/12/2022.

Legenda da foto: Plenário da ONU, diplomata aparece em duas telas projetadas lendo discurso. Em primeiro plano, placa digital escrito Brazil.
LINGUAGEM SIMPLES PARA QUEM?
Nos países europeus e nos EUA, o “Easy Read” tem sido direcionado especialmente para pessoas com dificuldades intelectuais, cognitivas ou de aprendizagem, surdocegas, com demência, dislexia, afasia, déficit de atenção, déficit de memória e imigrantes. Já em países com altas taxas de desigualdade e baixo índice de alfabetização, como o Brasil, seu alcance é muito mais amplo.
Dados do INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional (2018) dão conta de que cerca de 30% dos brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, reconhecem letras e números, mas têm dificuldade de interpretar textos e operações matemáticas. Apenas 12% são proficientes (INAF, 2018). A taxa de analfabetismo medida pela PNAD do IBGE (2022) aponta que o Brasil tem9,3 milhões de analfabetos. Mais da metade destes cidadãos têm 60 anos ou mais, são duas vezes mais pretos e pardos do que brancos. A taxa mais alta de analfabetos é no Nordeste e a mais baixa no Sudeste. Estatisticamente, 19,5% dos analfabetos do país são pessoas com deficiência, enquanto pessoas sem deficiência são apenas 4,1%. Existem 5 vezes mais pessoas com deficiência analfabetas do que sem deficiência.
Se levarmos em conta a baixa escolaridade das pessoas com deficiência, concluímos que, mesmo antes da informação ser acessibilizada em braile, audiodescrição ou Libras, ela precisa estar em Linguagem Simples. E, considerando o alto número de pessoas sem deficiência analfabetas ou analfabetas funcionais no Brasil, chegamos à conclusão de que a Linguagem Simples na modalidade “Easy Read” serve para todas as pessoas, que passam a entender informações melhor e mais rápido.
Com o crescente acesso à informação pela internet em dispositivos digitais com telas pequenas, falta de tempo e paciência, temos o cenário ideal para a disseminação de desinformação. Um cenário perigoso, especialmente em informações de utilidade pública, como vimos durante a pandemia de Covid-19. Se a desinformação usa mensagens de impacto, que geram emoções intensas o suficiente para obrigar o usuário a compartilhar o conteúdo – como “memes” (frases, imagens ou vídeos que se espalham facilmente pela internet) – comunicadores bem-intencionados podem recorrer a ferramentas semelhantes para disseminar fatos e números seguros, científicos e confiáveis, antes que informações falsas cheguem ao grande público.
As “fake news” podem ser prevenidas e contestadas usando Linguagem Simples, com informação correta e de fácil acesso disseminada em veículos populares como aplicativos de mensagens, redes sociais, rádios comunitárias, emissoras de tv aberta, anúncios no transporte público e canais religiosos. A comunicação de interesse público deve ser menos burocrática, para se tornar mais acessível e verdadeiramente democrática.
GUIA SIMPLES ASSIM
Em 2023, coordenei a elaboração do Guia Simples Assim – comunique com todo mundo – sobre como construir informações com texto e desenho simples, e validar com o público a quem a informação se destina. Tive a colaboração de Lais Silveira Costa, Lara Pozzobon, Juliana Righini, Patricia Roedel, Alex Duarte, design de Cecilia Quental e Jessica Figueiredo.
O Simples Assim foi apresentado na ONU, na Em 2024 o guia foi traduzido para o inglês com a ajuda de Sheina Tabak e revisão de profissionais da ELIN e em espanhol. As três versões foram publicadas pela Fiocruz e estão disponíveis gratuitamente https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/59614

Descrição da foto: Vinicius Streda, representante da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e Patricia Almeida na mesa de debates do evento sobre Linguagem Simples na ONU em 2024.

Descrição da foto: a Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania apresenta o guia Simples Assim no plenário da ONU.
AMÉRICA LATINA

Um grupo de lideranças latino-americanas da Rede Latino-Americana de Linguagem Simples e Leitura Fácil, reunidas no Global Disability Summit, em Berlim, em abril deste ano, planejaram um encontro para promover a Linguagem Simples na região. Nos dias 29 e 30 de outubro, vai acontecer no Rio de Janeiro a Primeira Conferência Latino-Americana de Linguagem Simples e Leitura Fácil, uma realização da Rede Latino-Americana de Linguagem Simples e Leitura Fácil e do Centro de Referência em Educação Inclusiva SESC SENAC, com apoio do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Inclusion International, Down Syndrome International, entre outras organizações. As inscrições gratuitas estão abertas no site: https://clals2025.site/
Patricia Almeida – jornalista, mestre em Estudos da Deficiência, especialista em Linguagem Simples e ativista do movimento das pessoas com deficiência