O fim do mito contra as cotas

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Descrição da imagem: logotipo do IBASE. Sobre a sigla IBASE, a letra B forma o nome de Betinho.

Cristina Lopes, Pesquisadora do Ibase
As rodas de conversa “Cotas raciais, por que sim?” começaram em 2005, quando percebemos que a maioria dos(as) jovens que poderia se valer do uso dessa política não a percebia como direito constituído, fruto da luta de muitos anos, especialmente do movimento negro. Pelo contrário, via as cotas raciais como um instrumento ilegítimo para sua entrada na universidade, uma “ajuda”.

De lá pra cá, pouco mudou no que diz respeito às dúvidas de alunos(as) e professores(as) sobre esse assunto. Isso mostra a força que a mídia tem em propagar e cristalizar ideias nas nossas cabeças. Os produtos que usamos, os cortes de cabelo e as expressões das séries e novelas passam a fazer parte das nossas vidas. Com posicionamentos políticos não é diferente. Quantas vezes repetimos uma informação passada pela TV?

MITOS

Números derrubam o mito de que alunos(as) cotistas, por terem recebido formação muitas vezes deficiente na escola, vão baixar a qualidade da universidade. Mesmo diante de tantas adversidades enfrentadas pelos(as) alunos(as) negros(as), o desempenho nas universidades é muito bom. E, por vezes, melhor que o de não cotistas.

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), entre 2003 e 2006, estudantes cotistas tiveram médias superiores se comparados(as) às médias gerais (cotistas e não cotistas). Cotistas negros(as) tiveram desempenho melhor que a média em 29 dos 48 cursos. Isso significa 60% do total. Balanços realizados pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com base em números de 2005, indicam que, em 56% dos cursos – 32 dos 57 –, o número de estudantes cotistas aprovados(as) foi maior que o de não cotistas, incluindo cursos mais concorridos como Medicina, Odontologia, Engenharia Civil, Direito e Jornalismo.

Em 2005, três anos após a primeira universidade brasileira implantar a política da reserva de vagas, 15 universidades públicas (federais e estaduais) adotaram o sistema. Em 2008, já são 79, sendo 54 o número de instituições que utilizam cotas raciais e sociais combinadas como critério para preenchimento das vagas reservadas a candidatos(as) negros(as) e/ou indígenas. Apesar dos avanços, é fundamental que as instituições continuem sendo pressionadas e o número de universidades com  cotas seja cada vez maior, bem como os investimentos na melhoria e ampliação de projetos de manutenção de estudantes cotistas.

Outro mito é sobre a adoção de cotas para estudantes da rede pública de ensino. Esse direito é importante, mas não atende diretamente a população negra. Tal medida reforça a ideia equivocada de que não existem mecanismos de exclusão racial nas escolas, sendo esse um dos fatores que mais reproduzem desigualdades entre estudantes negros(as) e brancos(as). Assim, se abrirmos caminhos para a inclusão de pessoas pobres, não estaríamos resolvendo o problema da maioria negra. Mesmo entre pobres, assistiríamos à maior inclusão de pessoas brancas.

No que diz respeito aos professores e às professoras, esses(as) profissionais têm uma importante parcela de responsabilidade na reprodução de preconceitos, entre eles o racial, a partir de declarações sérias ou ‘de brincadeira’. A omissão também é uma forma de perpetuar o preconceito, seja no que diz respeito a qualquer situação de discriminação que ocorra em sala de aula, seja por não discutir os problemas raciais na sociedade brasileira ou, ainda, por não mencionar a rica contribuição histórica, cultural e intelectual dessa população.

A diversidade no ambiente educacional entre estudantes, professores(as) e diretores(as) é uma ferramenta fundamental para a entrada de novas ideias e elaboração de novos pensamentos e novas teorias, construídos a partir de experiências e campos de interesse diversos, e que contribuem para uma sociedade mais diversa, democrática e plural.

Pirâmide invertida
Na educação, dados do estudo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) avaliam a evolução dos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), no período de 1995 a 2001,  e mostram que as desigualdades raciais também podem ser percebidas. Nesse setor, ocorre uma espécie de ‘funil’. O percentual de estudantes negros(as) que estão na 4ª série é de 46,7%. Na 8ª série, 40,6%. Na 3ª série do ensino médio, esse número cai para 36,1%. No caso de estudantes brancos(as), a situação se inverte, e sua proporção aumenta de acordo com os anos de estudo: são registrados, na 4ª série, 43,3%; subindo para 51,2% na 8ª série; chegando, por fim, a 57,5% na 3ª série do ensino médio. Apesar de representar quase metade da população brasileira, apenas 2,9% das pessoas declaradas negras ao IBGE possuem ensino superior completo, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (setembro de 2006).

Publicado em 15/05/2009.

Fonte: http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=2652

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