
Este e outros artigos estão na edição 40 do Boletim do Observatório da Educação.
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Após uma briga na escola, uma menina de sete anos foi levada para a delegacia, por agredir colegas, professores e policiais chamados pela direção ao local. O caso aconteceu há duas semanas, em Campinas, no interior de São Paulo, e foi condenado pelo Conselho Tutelar – já que a agressão não é ato infracional e, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, menores de 12 anos não podem ser levados para uma delegacia. A atitude da escola, no entanto, explicita de forma extrema a tendência de atribuir à polícia a responsabilidade de resolução de conflitos que acontecem dentro dela.
“Pesquisas mostram essa tendência de a escola não conseguir lidar com as questões de violência e agressividade que nela acontecem, e criminalizar determinadas atitudes ou condutas violentas”, explica Luiza Mitiko Yshiguro Camacho, professora da Universidade Federal do Espírito Santo e especialista na área de educação, violência, indisciplina e juventude.
Para ela, o que deveria ser tratado como ato de violência é transformado em crime. “Quando se chama a polícia, a escola indica aquele que praticou o ato como criminoso” afirma. Luíza acrescenta que a concepção de violência depende muito de ideologia, e a fronteira entre indisciplina e violência é tênue, assim como entre os diferentes tipos de violência. “Uma ato praticado por uma criança ou um jovem rico é uma coisa. Este mesmo ato feito por uma criança ou jovem pobre é outra. Há uma questão de classe, vira crime dependendo da classe social. E é também uma questão de gênero: se um menino bate em outro é grave. Se uma menina bate é gravíssimo, chama-se a polícia. São relações que precisamos considerar, relações de poder: homem pode mais que mulher, rico pode mais que pobre”.
Assim, dizer o que é indisciplina ou violência depende de quem está vendo. “São questões muito delicadas. Uma mesma coisa pode ser julgada diferentemente. No caso específico dessa menina, o que aconteceu foi criminalizado e isso é uma tendência”, diz Luíza. A professora ressalta ainda que a escola se furta da sua responsabilidade de educar, tomar providências, ao atribuir à polícia a mediação de conflitos. “Transfere-se a responsabilidade para outra instituição, no caso, a polícia”.
Relação entre escola e polícia
A coordenadora do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP e vice-coordenadora do curso de Pedagogia da instituição, Maria Stela Santos Graciani, afirma que há uma tradição equivocada por parte dos gestores das escolas, independente de ser pública ou particular, de entender que a violência deve se tratada por seguranças fardados. “Não acredito que seja função do policial ou do conselho tutelar adentrar para a escola para resolver situações de embate, confronto e conflito. Os próprios professores deveriam estar capacitados para resolver, através de mediação de conflito, gerenciamento de crise e justiça restaurativa” (leia aqui reportagem sobre mediação de conflito).
Manual define violência na escola
Em julho, a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE) anunciou um conjunto de medidas de combate à violência nas escolas, com destaque à instalação de câmeras nas escolas e no deslocamento de um oficial da Polícia Militar para trabalhar na SEE (leia aqui reportagem sobre o tema). Para dar continuidade à política, recentemente foi enviado às escolas uma manual de proteção escolar e promoção da cidadania (baixe aqui o manual de proteção escolar e as normas gerais de conduta).
O material foi elaborado com base no “Manual aos gestores das instituições educacionais da Secretaria da Educação do Governo do Distrito Federal”, que, por sua vez, foi desenvolvido a partit de um estudo sobre violência nas escolas do DF (leia aqui sobre o tema). “É interessante o material. Trata-se da primeira iniciativa que se tem de uma orientação mais global sobre a questão da violência escolar e dos temas que circunscrevem os principais problemas que acontecem hoje na escola, como a agressividade, ameaças, preconceitos e discriminações”, afirma Maria Stela.
Ela destaca as definições dadas para a questão da exploração, do abuso sexual, das violências física, psicológica e simbólica, além da exposição de marcos regulatórios, como o direito à convivência familiar e comunitária e a questão do sistema de medidas socioeducativas de quem cometeu ato infracional. “Com o manual, essas pessoas terão maior acolhimento, por maior sabedoria e competência da escola para tratar com a questão”, acredita.
A professora entende, no entanto, que o manual é “muito massudo para educadores e professores de rede” e sua distribuição deveria ser acompanhada por assessoramento, seminários e trabalhos de grupos entre professores que pudessem discutir frente a ele a questão da violência. “O texto também não operacionaliza o papel dos policiais, por exemplo. Falta metodologia de trabalho coletivo e integrado com a escola, de como gestores, professores, inspetores, merendeiros, poderiam tratar a questão do conflito”.
Maria Stela conta que já trabalhou nas escolas com um observatório de segurança escolar. Nele, eram reunidos os conselhos de escola, policiais, família, adolescente, comunidade e as representações mais importantes do entorno da escola, para desenvolver projetos e programas para a cultura da paz. “Uma das saídas mais interessantes seria que toda comunidade e os jovens pudessem ser utilizados como força comunitária em favor da cultura da paz”, conclui.