
Dr. Jorge Márcio Pereira Andrade
“(…) Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença. (…) Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar à santa fé católica, deve cuidar de sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.” Carta de Pero Vaz de Caminha, 1/5/1500.
A Carta de inauguração textual desse novo território de ‘gente’ diferente, a partir do olhar eurocêntrico, lavrada pelo nosso primeiro missivista é uma revelação que todos podem questionar. Ela é datada, historiograficamente, mas a cito como reafirmação de uma questão ainda atual. O desejo inerente ao pensamento colonialista e dominador que atravessa todo discurso que fala em, ‘tornar o Outro livre’ ou a ele oferece alguma forma de redenção ou salvamento, ou de incluir os selvagens ao mundo civilizado. Pero Vaz de Caminha apenas traduziu um dos eixos centrais do modelo de colonização a que fomos, a Terra Brasilis, submetidos.
E um dia, logo após a morte de Zumbi, fez-se uma noite global, a Terra, Gaia, escureceu, quando todos os homens e mulheres, todos os seres humanos, ficaram pardos…
Escrevi há algum tempo um artigo, instigado por uma amiga, sobre a presença/ausência, nos textos sobre multiculturalismo, de um dos mais combativos psiquiatras e psicanalistas da des-colonização de nossos inconscientes coletivos: Frantz Fanon.
Para quem não o conhece passo algumas informações rápidas: Fanon nasceu preto e martinicano, portanto falando/aprendendo francês na Martinica, então colônia francesa, participou da II Guerra Mundial, fez Medicina na Faculdade de Medicina em Lyon, onde se formou em Psiquiatria, tendo a oportunidade de uma sólida formação em filosofia e literatura, passando por cursos de Merleau-Ponty e Jean Lacroix, convivendo com Lacan, fez incursões literárias em Hegel, Marx, Husserl, Heidegeer, Freud e Sartre. A este último coube o privilégio de prefaciar a obra que culmina com a época de sua morte, por leucemia, em 1961: Os Condenados da Terra.
Trago a memória de Fanon para nossos tempos, afetado que sou pelos seus textos, para uma compreensão do que tratamos como preconceito ligado à epiderme, ou outras originalidades, do Outro. Preconceito que nada mais é do que a tentativa de justificar o controle e a negação da Diferença, como nos explicou, em seu livro Pele Negra-Máscaras Brancas, este raro psicanalista negro: “-Negro sujo’ ou simplesmente ‘Olhe, um negro’. Vim ao mundo, preocupado em dar um sentido às coisas, querendo ser na criação do mundo e eis que me descubro objeto no meio de outros objetos…” (1).
Fanon em sua biografia deixou-nos também um exemplo da implicação com a vida e contra qualquer forma de opressão ou preconceito. Ele tornou-se um cidadão argelino, quando de sua vivência das atrocidades promovidas pelos franceses na luta de resistência pela independência da Argélia. Lá pode viver na pele a imposição de um regime colonialista, uma verdadeira escola de tortura e torturadores, que bestializava os afro-argelinos, mesmo que pertencentes à chamada Àfrica Branca, com a finalidade de justificar a dominação dos países africanos pelas potências européias. Lá o modelo das Cruzadas era mantido também a ferro e fogo.
E se, na história oficial, nós os ìn-dios (sem deus) fomos ‘descobertos’ pelos europeus, a eles e sua Santa Fé deveríamos prestar obediência e servidão, ad infinitum, assim também funcionou a máquina de colonização no continente africano. Mas Fanon não fugiu à sua plural e humanitária formação. Ele se tornou um ativista da resistência argelina, reconhecendo, naquele momento histórico dos anos 60, que a violência tornara-se uma resistência, principalmente cultural, à opressão e à colonização. E por entrar de corpo e alma na guerra de libertação argelina sofreu diversos atentados e tentativas de assassinato, mas nunca desistiu do enfrentamento da divisão da sociedade em colonizados e colonizadores. Para ele o inconsciente de um antilhano negro é o mesmo de um europeu branco, como um psicanalista sempre soube que nossos inconscientes não tem cor de pele, muito menos o ideológico preconceito de raça…
(…)
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InfoAtivo DefNet Nº 4305 – Ano 13 – 21/22 de Novembro de 2009