Gil Pena *
Li com interesse o texto indicado pela Escola Balão Vermelho, “Um novo modelo de ensino para o século XXI”, de Fábio C. R. Mendes, publicado na Revista Pedagógica Pátio, ano XIII – Ago/Out 2009.
Em pese concordar com o autor a cerca da necessidade de reformulações em nosso sistema de ensino e reestruturação das nossas instituições, percebo que sua argumentação sustenta-se em visões sociológicas que me parecem equivocadas.
Ao afirmar no texto, que “… devemos estar prontos para nos adaptar ao novo” e “Quem não conseguir, por si mesmo, aprender, criticar, encontrar problemas e suas soluções será engolido mais rapidamente do que aqueles que estão abertos ao novo”, o autor dá a perceber claramente o viés de uma sociologia darwinista (ou um Darwinismo social), que não é apropriada para tratar do tema. Mais adiante, diz, “por assim dizer”, que há determinadas espécies de conhecimento “em extinção”, o que denota ainda mais claramente a associação do seu pensamento com essa lógica Darwinista.
Não sou contra a concepção de Darwin, desde que discutida sobre os eventos biológicos da assim chamada “evolução”, termo que modernamente vem sendo substituído por “deriva” natural. A palavra evolução traz implícita a idéia de melhora, progresso, avanço, mas as modificações ontológicas e filogenéticas por que passam os seres vivos ao longo de gerações não tem esse propósito, ocorrendo ao acaso, resultado das interações entre os organismos vivos e o meio. Embora a possamos ver como um processo de adaptação ao meio e de seleção dos aptos, esse é um mecanismo explicativo dado pela experiência humana, particularmente essa visão sociológica seguida pelo autor do texto.
A idéia de avanço, melhora, progresso, como rumo inexorável das mudanças, está implícita no texto. Mudança e avanços são palavras que se repetem, sempre uma associada a outra: avanços tecnológicos, avanço no controle do fogo, avanço no conhecimento, avanços que a informática trouxe, etc.
Stephen J. Gould, em seu livro “Vida Maravilhosa” faz um precioso relato de como a idéia da evolução, iconograficamente representada, traz implícita essa idéia de que nos situamos no topo, trazendo uma cômoda percepção da superioridade humana. Basicamente a iconografia da escada, em que nos vemos vindo do macaco, nos coloca a frente, como os mais evoluídos. A iconografia do cone, da diversidade e da complexidade crescente, partindo dos organismos simples, “menos evoluídos”, aos mais complexos, “mais evoluídos”, situados no topo, onde geralmente nos colocamos.
A concepção de Mendes de que as mudanças pelas quais a sociedade passa representem avanço ou progresso, denotam esse paradigma, essa visão de mundo, que a iconografia das modificações evolutivas nos parece dar como líquida e certa. Parece que vivemos num mundo de transformações inexoráveis, de progresso, e se não tomamos parte nessa roda viva, seremos “engolidos”. Pois na medida em que “progride” a história, mais rápido é “avanço”, e menos tempo temos de nos “adaptar”.
O texto não dá a perceber que somos agentes nesses processos de transformação. O nosso papel de agente, não de objeto, somente a educação crítica, problematizadora, pode resgatar. O autor parece sugerir que a educação dos novos tempos tem de ser ágil, ao acompanhar mudanças da sociedade, mas não indica que tenhamos de ser críticos em relação a que mudanças queremos e se elas representam ou não, avanços.
Vivemos um mundo que passa por grandes mudanças, e mudanças rápidas. A educação num mundo como esse tem de ser uma educação crítica. Num processo de mudança, a primeira coisa a definir deve ser o que queremos conservar.
* Gil Pena é médico patologista, pai e colaborador da Inclusive. Dedica-se a estudos na área da educação, dentro da linha do Projeto Roma.
Respodi ao e-mail do Prof. Gil Pena da seguinte forma:
Bom dia, Gil Pena e Equipe do Balão Vermelho,
Foi com grande satisfação que recebi o e-mail a respeito do artigo publicado pela revista Pátio de Agosto. Em primeiro lugar, por ter a notícia de que o texto foi indicado pela escola; em segundo lugar, por obter um retorno sobre o texto, ainda mais um retorno de qualidade como o presente. Assim, retribuo a atenção.
Confesso que fiquei surpreso com a identificação, no texto, de convicções sociológicas ligadas ao Darwinismo Social, ainda mais porque, aparentemente, o autor da crítica não pareceu ter dúvidas do referido pano de fundo. Bem, não era essa a intenção.
Concordo com o Gil em relação à inadequação de aplicar Darwin à sociedade. Acontece que a competição do mercado de trabalho parece ser ilustrada de forma competente como uma luta pela sobrevivência do mais apto. Tal imagem não é exclusiva de Darwin e não carrega consigo que o progresso (no sentido de aperfeiçoamento da espécie) é um resultado necessário. Essa luta pode sufocar justamente o que há de melhor e mais dignamente humano.
Noto que a interpretação dada ao uso de termos no texto, que eles denotariam um pano de fundo darwinista, não se sustenta. A atenção se voltou às palavras, não ao contexto.
Ressalto que o uso dos termos “avançar” e “progredir”, ao invés do carregado significado evolutivo (sendo que “evolução” é uma palavra ausente no texto, o que é difícil de explicar se o pano de fundo fosse realmente darwinista), está associado sempre ao tempo ou à tecnologia. Se retrocedemos no tempo para tratar da antiguidade, podemos avançar ou nele progredir para chegar à modernidade, sem em nada ligar-se a Darwin. De forma semelhante, o desenvolvimento da agricultura e controle da eletricidade (por exemplo) são avanços no conhecimento, aumentam o rol de possibilidades humanas, e, nesse sentido são progressos. Não há nada no texto afirmando que são “modificações evolutivas” que nos levam a estados líquidos e certos. O ponto é justamente a incerteza e a necessidade das instituições de ensino se modificarem.
Um ponto acredito ser elucidativo em relação a esse desvio na interpretação do texto. Gil Costa afirma que, pelo simples fato de usar a expressão “espécies de conhecimento em extinção”, restaria explícita a associação do texto ao pensamento de Darwin. O que não vejo é como o fato de cada vez mais termos dificuldade em apontar para saberes estabelecidos é um tema do Darwinismo Social. É apenas isso que está nesse trecho.
Finalmente, concordo que somos agentes nesse processo de transformação. No entanto, nossa ação é limitada. Há sempre uma realidade bruta que se apresenta a nós para ser transformada. Saber que tipo de mudança queremos pressupõe o desenvolvimento de certas habilidades. A mais fundamental delas é justamente termos ferramentas para apreender a realidade bruta, desvendá-la com autonomia, com capacidade crítica, porque sem essa capacidade, não poderemos fazer coisa alguma por nós mesmos. A escola precisa, fundamentalmente, ser um espaço para o desenvolvimento dessa habilidade.
Um abraço e obrigado pela leitura e apreciação do texto.
Fábio C. R. Mendes
Prezado Fabio
Encaminharei seu comentário para conhecimento do Gil. Tenho certeza que essa e outras discussões são benéficas a todos.
Um abraço
Lucio Carvalho
Equipe Inclusive