Do lixo eletrônico para a sala de aula

O lixo eletrônico, avisa o Greenpeace, já cresce a um ritmo três vezes mais rápido que o lixo convencional. E com um agravante: em cada computador ou celular descartado de forma incorreta, até 30 metais pesados como mercúrio, chumbo, cádmio e cromo podem chegar ao solo, contaminar lençóis freáticos e, pouco a pouco, animais e seres humanos.

De olho em mitigar este impacto, o Projeto “Computadores para Inclusão” aposta na recuperação de computadores usados por jovens de baixa renda em formação profissionalizante. Até agora, o projeto doou cerca de 7 mil computadores a mais de 500 iniciativas brasileiras de inclusão digital entre escolas públicas, bibliotecas e telecentros.

Criado pelo governo federal em 2004, o projeto é coordenado pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O primeiro Centro de Recondicionamento de Computadores, CRC-Cesmar, foi inaugurado em junho de 2006, na cidade de Porto Alegre (RS). Em 2007, iniciaram suas atividades os CRCs Gama, em Brasília (DF), e Oxigênio, em Guarulhos (SP). A unidade de Belo Horizonte (MG) entrou em operação em junho de 2008, e a de Niterói (RJ) encontra-se em processo de implantação.

Instalados em periferias de grandes cidades, os CRCs oferecem oportunidade de formação profissional para pessoas que vivem em seu entorno. Nos centros, jovens aprendem na prática a testar, consertar, limpar, configurar e embalar as máquinas. Até o momento, mais de 700 jovens foram formados pelo programa. “A progressão do descarte será geométrica e temos de nos antecipar a ela. Para isso, nada melhor que envolver a juventude”, explica ao Portal da RTS o ex-coordenador do CRC-Cesmar, Luiz Waldow.

O desafio é mesmo grandioso, avisa. De acordo com dados do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a expectativa é de que o Brasil tenha 100 milhões de computadores até 2012, o equivalente a um PC para cada dois habitantes. Em 2007, quando o país contava com 38 milhões de máquinas, a relação era de apenas um PC para cada cinco brasileiros.

A expansão também deve ser rápida em outros ramos da indústria. Apenas em 2008, a Anatel registrou a venda de 21 milhões aparelhos celulares, totalizando 152 milhões de assinantes. Na bateria de um aparelho celular, também podem ser encontrados metais pesados como mercúrio, cádmio, chumbo, lítio e níquel.

“É justamente o ritmo rápido de descarte gerado por esse tipo de material que exige a conscientização e a adoção rápida de medidas”, destaca Felipe Andueza, analista Ambiental do Coletivo Lixo Eletrônico. Entre outras coisas, ele se refere ao conceito de obsolescência planejada, a partir do qual os produtos eletro-eletrônicos são desenhados para ter uma vida útil cada vez mais curta por meio do estímulo ao consumo de pequenas inovações incrementais, que muitas vezes não fazem diferença no uso que as pessoas dão a seus computadores.

A tendência é confirmada pelo Greenpeace, cujos estudos indicam que a vida útil dos computadores nos países industrializados já caiu de 7 anos, em 1997, para apenas 2 anos em 2005. No Brasil, a expectativa da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) é de que o país acompanhe a tendência mundial: já são 3 anos para aparelhos celulares e 3 a 5 anos para o uso comercial de computadores.

Recondicionamento

Das peças e carcaças de cada quatro computadores que chegam aos Centros de Recondicionamento de Computadores (CRCs), um é recondicionado. No caso, os componentes que os CRCs não conseguem aproveitar são destinados a oficinas de robótica, artesanato e metareciclagem. As carcaças e materiais recicláveis, como plásticos e metais, são enviados a cooperativas de catadores. Os resíduos potencialmente tóxicos, como os tubos de imagem, têm destinação ambientalmente certificada.

A seleção de projetos que receberão os computadores e periféricos recondicionados é de responsabilidade da Coordenação Nacional do Projeto CI, composta por representantes dos Ministérios do Planejamento (MP), Educação (MEC) e Trabalho e Emprego (MTE), dos CRCs integrantes da rede e dos parceiros que aportam recursos e/ou serviços. (conheça aqui os critérios de seleção).

Reciclagem

Boa parte dos subprodutos gerados pelo descarte eletrônico pode ser implementada novamente no ciclo produtivo. 94% dos componentes dos computadores podem ser reciclados a partir do desmonte e da segregação dos componentes principais. Os 6% não recicláveis correspondem a componentes que contêm uma grande junção de materiais de natureza química e física bastante diversa, o que dificulta o reaproveitamento.

A reciclagem dos eletroeletrônicos, por exemplo, pode reduzir a necessidade pela extração de materiais virgens como ferro, alumínio, combustíveis ou metais preciosos como ouro ou prata, bem como ingredientes tóxicos indispensáveis para a produção da maioria dos componentes elétricos presentes nesses produtos. Entre eles, metais pesados como cádmio, mercúrio, chumbo e bromato, que deixam resíduos letais no corpo, no solo e em cursos de água. “Os eletrônicos não foram desenhados para serem reciclados e só a separação dos materiais já é cara. Hoje, nem o Brasil nem a América Latina têm estrutura para reciclar todo seu lixo eletrônico”, alerta Felipe.

Legislação

No momento, a única lei que trata de recolhimento de material eletrônico no Brasil é  a Resolução 257, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 1999, que atribui aos fabricantes ou importadores de pilhas e baterias a responsabilidade por sua disposição final, em função do perigo e dos níveis de metais tóxicos que eles apresentam.  Em âmbito estadual, a exceção é São Paulo, cuja Lei 13.576 institui normas e procedimentos para a reciclagem, gerenciamento e destinação final de lixo tecnológico.

A expectativa é que o marco legal para o setor, em debate no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, siga o modelo europeu. Em vigor desde janeiro de 2003, uma diretiva da União Européia que regulamenta o tratamento de resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE) também obriga os fabricantes a se responsabilizarem por todos os eletrônicos produzidos, incluindo seu descarte.

A recomendação dos especialistas, portanto, é que o consumidor leve seu resíduo eletrônico para um posto de venda de qualquer fabricante ou operadora, onde o material – ao menos em tese – será encaminhado para armazenamento seguro. “Não existe legislação que obrigue o fabricante, mas é uma forma de já pressioná-lo para isso. O importante é que o usuário tente dar uso ao equipamento antes, sempre que possível”, sugere Felipe.

Guia de Eletrônicos Verdes

Desde 2006, o Greenpeace divulga o Guia de Eletrônicos Verdes, indicando os fabricantes que demonstram maior preocupação com a sustentabilidade do sistema, que têm programas de recolhimento de aparelhos descartados e que substituem materiais por outros menos poluentes ou tóxicos.

De acordo com a última versão da lista, publicada este mês, a Nokia lidera o ranking, com uma pontuação de 7,3 numa escala que vai até 10. A Sony Ericson fica muito próxima e é a única empresa a ter pontuação completa em todos os critérios relacionados a elementos químicos tóxicos. No terceiro lugar está a Toshiba, mas que corre o risco de perder pontos se não conseguir cumprir o compromisso de comercializar novos modelos de todos os produtos eletrônicos sem PVC e retardadores de chamas bromado (BFR, sigla em inglês) até 1º de abril. A Philips ficou em quarto e a Apple subiu do nono para o quinto lugar.

A Sony ganhou pontos devido à redução de 17% nas emissões de gases do efeito estufa realizada entre 2000 e 2008. A empresa aumentou em 2,5% o uso de renováveis em 2009, tendo agora 8% do consumo energético vindo de fontes limpas. Ela também apresenta vantagens por utilizar 17 mil toneladas de plásticos reciclados anualmente em vários produtos, representando 10% do plástico utilizado em 2008.

A Samsung caiu do segundo para o sétimo lugar por não eliminar os BFRs em todos os seus produtos até janeiro de 2010. Apenas os últimos modelos dos seus telefones celulares não possuem substâncias tóxicas, tendo estabelecido janeiro de 2011 como prazo para removê-los de todos os novos modelos de notebooks e ainda não tem estimativas para as TVs e equipamentos residenciais. A Lenovo e a Nintendo continuam no final da lista.

Por Vinicius Carvalho, jornalista do Portal da RTS
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Fonte: RTS

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