PNDH III: agora a vez é das ruas

Por Manoel S. Moraes de Almeida
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP

Nos últimos dias de 2009 e início de 2010, o Brasil assistiu pela grande imprensa um debate intenso sobre a assinatura, pelo Presidente Lula, do Decreto 7.037 de 21.12.09, publicado no Diário Oficial em 22.12.09, em edição especial, que aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3. O texto final relaciona as diretrizes e propostas à incorporação de compromissos e recomendações internacionais assumidos pelo Brasil em função da adesão a diversos Tratados, Pactos e acordos ratificados, que foram aprovados pelo Congresso Nacional, no denominado Sistema Internacional de Direitos Humanos, com base na ONU e no Sistema Regional – OEA. E que, depois da Emenda Constitucional 45, com o devido processo legislativo, passaram a ser normas constitucionais.As notícias vinculadas na mídia reportavam o descontentamento de militares, da Igreja Católica e de alguns setores da sociedade civil em relação a conteúdos polêmicos do plano, para não adjetivar de outra forma. Além de apresentar informações desencontradas e divergentes dentro do próprio Governo, mergulhamos em notícias que anunciavam uma crise militar sem precedentes na história recente de nossa República. Não pretendo apresentar uma análise de todos os argumentos que foram utilizados em quinze dias de intensa exposição do tema “Direitos Humanos” mas destaco dois pontos: a incompreensão sobre a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos Direitos Civis e Políticos dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – DHESCA’s; e o papel do Estado na positivação da agenda programática dos Direitos Humanos, incorporando-a ao elenco de leis que regem nossa cidadania.

Por mais negativo que possa parecer, a polêmica em torno do PNDH-3 acabou tirando-o do anonimato instrumental do Estado brasileiro e provocou uma positiva reação de manifestações (notas, textos e atos) que aprofundaram em muito o seu caráter inicial. Só em Pernambuco, no último dia 14 de janeiro, mais de 60 entidades (filiadas ao Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH; Fórum de Mulheres; Articulação Aids; Movimento Negro Unificado – MNU; etc) e diversos representantes do Governo do Estado e de importantes municípios da Região Metropolitana do Recife participaram de um ato público de constituição do Comitê Estadual de Defesa do Plano e de sua divulgação nos sindicatos, universidades, etc.; O plano se tornou uma plataforma comum dos movimentos sociais e um marco político importante na definição das plataformas eleitorais para 2010. Isso significará que, pela primeira vez, falar de temas como o direito à memória e à verdade não será uma pauta restrita de especialistas ou dos que perderam seus parentes, mas, sim, uma necessidade do país de acertar contas com sua própria história.

O pernambucano Josué de Castro já diria que é impossível falar de democracia sem que tenhamos resolvido o problema da Fome, e não só a fome de comida, mas, fundamentalmente, a fome de cidadania. Isso significa que distribuir renda é, antes de tudo, desenvolvimento com sustentabilidade, desde que respaldada por uma política de educação, trabalho, lazer, etc. Não faz sentido pensar no Brasil sem levar em conta a sua diversidade e o caráter plural e multicultural de nossa identidade. Logo, falar de direito ao voto precisa estar vinculado ao princípio de existir; à invisibilidade dos direitos das populações indígenas, negras, dos grupos vulneráveis e de diversos setores marginalizados e o “pré-conceito” sobre elas ainda prevalecente em nosso país, é que serviu de mote à emergência desse debate.

Os segmentos representados no Plano estão lutando pelo reconhecimento de serem não apenas consumidores e sim protagonistas de nossa identidade enquanto República. O problema que se estabeleceu é que, para muitos, a Lei só existe para os mais fortes ou para a maioria, e o Estado, portanto, deve ser o grande controlador das massas excluídas e, claro, as suas políticas devem refletir o caráter contingencial desse “equilíbrio”. No noticiário, falava-se até de insegurança jurídica… O que é totalmente fora de propósito quando falamos do Estado pós-totalitarismos (seja do Socialismo Real ou do Apartheid). O valor que rege o Estado Democrático de Direito é a equidade, ao tratar das desigualdades provocadas pelo próprio Estado, ou a ausência dele. Logo, o poder Executivo passa a constituir espaços públicos de diálogo. Nossa Constituição permite isso quando aponta no seu artigo primeiro, parágrafo primeiro: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente…” (CF,1988).

Logo, as mais de 50 Conferências, que culminaram na 11º Conferência Nacional de Direitos Humanos, têm legitimidade, sim, de apontar ao executivo o desejo de uma democracia participativa e plural. Não é razoável imaginar que o Estado poderia ser pautado na ótica de uma moral, ou fé, ou ideologia. A pluralidade de nossa democracia está garantida na defesa de um Estado pluripartidário e na compreensão de que caberá ao Congresso Nacional apresentar, a seu tempo, as devidas fórmulas possíveis de ajustes das metas e resoluções ao direito ordinário de nossos códigos e leis.

A luta só começou e precisamos ficar atentos a três aspectos da implantação do Plano: a primeira é a necessidade da mobilização permanente na defesa do PNDH-3 e torná-lo cada vez mais público; a segunda é acompanhar a composição do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3 que foi criado no decreto presidencial; e, por fim, acompanhar a adesão ao plano por parte dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e os órgãos do Poder Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público.  Ou seja, agora é a vez das ruas.

Sociólogo, Cientista Político, e Professor de Direitos Humanos da Faculdade Maurício de Nassau e Articulador do MNDH em Pernambuco.__________________Fonte: GAJOP/Adital

One Comment

  1. Muito bom texto. Valeu demais para formar uma cultura de direitos humanos. Uma reserva crítica que no entanto deve acompanhar todas as ações e pensamentos em DH é o cuidado para que por trás dele não se escondam graves possibilidades de diminuição do ser humano: reduzir, diminuir, deixar “unidimensional” aquele que se quer proteger: é uma das armadilhas dos totalitarismos e que me deixam preocupados como militante e estudioso em DH.

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