Driblando a Insensibilidade

A menina Sofia Rosa, com fantasia de odalisca

Por PALOMA OLIVETO

Driblando a Insensibilidade

Gestantes reclamam que diagnóstico de síndrome de Down invariavelmente vem acompanhado de informações erradas e de previsões pessimistas. A queixa constante agora virou tese de doutorado

Aos 45 anos, a professora Gilza Benvinda Rosa
Silva jamais imaginou que iria engravidar.
Porém, o exame constatou: ela estava esperando
a pequena Sofia. Apesar de não planejada,
a gestação foi muito bem recebida pela família.
Na 16ª semana, ela descobriu que esperava uma menina
com síndrome de Down. A notícia
veio da pior forma possível. “O médico
foi tão grosso comigo que só olhou para
minha cara e perguntou se eu já tinha
outro filho. Quando eu disse que
sim, ele respondeu: ‘que bom’. Nessa
hora, fiquei muito nervosa”, conta.
A experiência de Gilza não foi um
incidente. Ex-presidente da Associação
DFDown, que reúne amigos e familiares
de pacientes, ela conta que dificilmente
os pais recebem o diagnóstico
de forma otimista. O mesmo foi constatado
pelo psicólogo Marcos Augusto
de Azevedo, que trabalha há mais de
duas décadas com a síndrome. Como
parte do doutorado defendido na Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo (USP), ele
realizou uma pesquisa com as mães e descobriu que
todas haviam sido mal informadas e ouvido prognósticos
negativos a respeito do futuro dos filhos.
O psicólogo estudou três grupos de grávidas, divididas
entre as que receberam a notícia ainda durante
a gestação, as que souberam logo após darem à luz e
as que só tomaram conhecimento da síndrome depois
de três meses do nascimento dos bebês. Nos 28
casos pesquisados, os diagnósticos vieram carregados
de informações erradas sobre o desenvolvimento
das crianças, e sempre de maneira pessimista. “As
mães escutam muitos nãos. Que a criança não vai falar,
não vai andar, não vai se desenvolver, e isso não é
verdade. Em vez de dar à mãe um filho com deficiência,
o médico dá a ela um deficiente sem qualquer
perspectiva de vida”, diz Azevedo.
Gilza chegou a ouvir insinuações de que deveria
abortar. “Quando chegou o resultado definitivo, o
geneticista me ligou e disse que a partir dali eu tinha
que decidir o que ia fazer. Ele disse que se eu levasse
a gravidez adiante, seria tudo muito mais difícil para
mim e para todo mundo”, recorda. Do obstetra, a
professora também não ouviu nada animador. Ao
contrário, ele chegou a ser preconceituoso. “O médico
me falou: ‘Sua filha vai ser mongoloide. Vai dar um
trabalho danado, vai demorar demais para andar e
falar’. Naquele momento, ele abriu um buraco e eu
me enfiei dentro”, diz. “Ele também perguntou se eu
tinha decidido ter mesmo, se tinha pensado bem. Eu
já estava gostando do bebê e resolvi correr atrás de
informação”, conta.
De acordo com o psicólogo Marcos Augusto de
Azevedo, as mães que, como Gilza, descobrem a síndrome
de Down ainda na gestação, costumam se
preparar melhor para o parto porque têm tempo para
se informar sobre o defeito genético. “Geralmente,
as que têm mais instrução não se prendem somente
ao diagnóstico do médico. Noventa por cento das
mães que foram entrevistadas e que foram atrás de
informação tinham curso superior”, diz.
Porém, mesmo as mulheres com maiores recursos
intelectuais podem se desvincular dos filhos
diante do diagnóstico pessimista. “Toda mulher,
mesmo antes de se casar e engravidar, idealiza o filho.
De repente, chega um filho que frustra aquela
expectativa. Ela entra em um processo que, na psicologia,
chamamos de luto. Para aceitar o filho real, leva
um pouco de tempo. Quando a deficiência é colocada
de forma negativa pelo profissional de saúde, o
peso é muito grande. A mulher acha que aquilo é a
verdade absoluta e fica desmotivada, com medo de
não saber cuidar, achando que nada do que fizer vai
dar certo”, diz o psicólogo.
Quando deu à luz a pequena Lia, hoje com 4 anos
e 8 meses, Maria de Lourdes Marques Lima, 48, vicepresidente
da Federação Brasileira das Associações
de Síndrome de Down, nem sequer recebeu o diagnóstico.
“Quando tive a Lia, se eu não tivesse perguntado
se havia algum sinal de deficiência, nem o obstetra
nem a pediatra teriam me dito nada. Eu mesma
os abordei quando eles a retiraram de mim, e fiz a
pergunta. Eles, muito sem graça, me disseram que ela
tinha sinais de Down, mas que ainda teriam que fazer
exames para terem certeza. Conheço muitas mães
que foram para casa sem saberem de nada. É uma
pena elas ainda não perceberem que ter um filho
com a síndrome não é um bicho de sete cabeças”, diz.
Estimulação
Quando o médico tem sensibilidade para explicar
que a criança terá algumas dificuldades, mas que
poderão ser superadas com cuidados, o vínculo se
fortalece, e o desenvolvimento acontece de forma
natural. A funcionária da Infraero Jerusa Heleno
Amaral e Silva Brasil, 41 anos, descobriu que a filha
caçula, Fernanda, tinha síndrome de Down somente
depois do parto. Durante a gestação, os exames nada
acusaram. Apesar de a gravidez ter sido tranquila, a
menina nasceu com 37 semanas, o que preocupou
Jerusa. “Tivemos uma experiência anterior de prematuro
que foi muito assustadora, meu filho esteve
entre a vida e a morte”, conta. Ela é mãe também de
Arthur, 15, e de Eduardo, 13.
Jerusa recebeu muito apoio do marido, dos filhos,
do padre da paróquia que frequenta e do pediatra
que já atendia a família há muitos anos. “Olho para a
Fernanda e primeiro enxergo minha filha. Só depois
é que me lembro que ela tem síndrome de Down”,
conta. Antes de completar 2 anos, Fernanda já estava
matriculada na escola regular. Para estimular o desenvolvimento,
a menina faz musicoterapia, arteterapia,
psicomotricidade e fisioterapia. “Ela é muito
esperta e entende tudo, inclusive conceitos abstratos,
como paixão e amor. Como vê novela, a Nanda
costuma perguntar: ‘Tá apaixonada? Vai se casar?’”,
conta a mãe.
Jerusa ressalta a importância de tratar a criança
com síndrome de Down da mesma forma como os
pais lidam com os outros filhos. “Não subestimo a
inteligência dela. Converso com ela normalmente. E
quando ela faz alguma coisa errada, leva bronca”,
diz. O psicólogo Marcos Augusto de Azevedo afirma
que é preciso manter a naturalidade com as crianças
que possuem a síndrome, procurando sempre incluí-
las socialmente, a partir do conceito de que devem
ser aceitas e respeitadas.
Para ele, as maternidades deveriam ter equipes
multidisciplinares, que contassem
também com psicólogos e
assistentes sociais, preparados
para dar o diagnóstico de maneira
mais positiva. “É preciso eliminar
as barreiras que impedem o
desenvolvimento social pleno da
criança”, afirma. Ele sugere, além
disso, que os currículos médicos
incluam disciplinas que ajudem os futuros profissionais
a conhecer melhor as diversas deficiências além
do fator biológico. “Isso iria enriquecer a prática profissional
e deixaria o médico mais bem preparado
para passar o diagnóstico”, diz.

Fonte: Correio Braziliense

7 Comments

  1. Que exemplo de vida as mães dessas crianças dão para a sociedade! Sabe-se das dificuldades que a família encontra quando tem um filho(a) com Dawn, mas, com certeza, a torna mais sensível e supera qualquer dificuldade que essa situação lhe impõe. Parabéns, mãezinhas. Vocês têm umas joinhas em casa.

  2. Parabéns pela excelente reportagem, sou mãe da Ana Beatriz de 3 meses de idade que também tem a Síndrome de Down, vivi todo este dilema quando descobri a trissomia ainda na gestação.Mesmo sendo fisioterapeuta e meu marido médico sofremos muito com a forma como a notícia nos foi dada.Naquele momento não éramos profissionais, apenas pais sensíveis e desejosos de termos um filho perfeito saudável. Mas enfim, veio a Bia cheia de graça, dotada de uma paz e de um sentido especial para nossas vidas.
    Estamos disposto para contribuir com a mudança deste modelo de assistência.Fiquei muito feliz com essa reportagem.

    Nadja Quadros

  3. Parabéns pela entrevista , muito enriquecedora. Sou mãe do Mateus de 2 anos , e soube da síndrome após o parto , parta todos nós foi uma surpresa muito grande. A total falta de informação e conhecimento sobre o assunto me fizeram sofrer muito e sem necessidade. A cada dia que passa amamos mais o Mateus , que é uma criança incrível e um menino muito levado. Hoje vejo o Mateus antes de qualquer traço da síndrome. Para ser sincera até me esqueço que ele tem a sindrome de down. Para mim ele é o meu filho amado. Mais uma vez fiquei muito feliz com a reportagem
    Guaia Costa Martins

  4. Conheci Sofia ainda nos primeiros dias de gestação. Como amiga muito próxima soube também muito cedo que ela seria diferente. Mas, por acreditar que quando Deus quer Ele prepara e nos envia, sempre tive certeza de que ela era um presente e não o estorvo.Parabéns a todos,inclusive os pais desses tesouros, que possuem a grandeza de entender que ser diferente é ser normal.

  5. Como integrantes do Núcleo Aprendendo Down, localizado em Itabuna-BA, e estudantes de Enfermagem, queremos parabenizar toda equipe pela linda reportagem. Concordamos com o psicólogo quando o mesmo se refere à melhoria dos currículos, bem como a participação de uma equipe multidisciplinar tanto no momento do diagnóstico, quanto no acompanhamento da criança e da família. É preciso haver a construção de novos paradigmas e a efetiva inclusão, afinal todos fazem parte da grande família humana.

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