A antiga escola moderna. Entrevista com Celso Antunes

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Josiane Benedet *

 

 

Autor de mais de 180 livros didáticos, paradidáticos e pedagógicos, Celso Antunes, mestre em ciências humanas e especialista em inteligência e cognição, mostra na sua mais recente publicação, Antigüidades Modernas, a importância de o professor repensar e qualificar o seu cotidiano pedagógico. Baseado em diversas crônicas, Antunes abre espaço para que o professor faça uma análise sobre temas tradicionais, antigos e modernos da educação.Atualmente é coordenador geral de ensino de graduação das faculdades Sant’Anna, diretor do colégio Sant’Anna Global e professor da Universidade Sênior e revela, em entrevista exclusiva à revista Profissão Mestre, porque as aulas de alguns professores ficam para sempre na memória dos alunos.

Profissão Mestre – Qual é a importância de ministrar aulas com emoção? Por que é necessário alcançar a mente do aluno pelo caminho do coração?
Celso Antunes – O professor não deve, necessariamente, estar emocionado. Não se trata, como se poderia a primeira vista pensar, que ele deve ser um ator onde externa sentimentos de aguda emoção. Se ele os externar, sem dúvida ajuda, mas não é nesse aspecto que o educar, através da emoção, se ressalta. O que se busca realçar é que toda aprendizagem significativa necessita, fundamentalmente, de cinco componentes na ação cognitiva do aluno, e um desses componentes é a emoção. Então a emoção, como os outros quarto paradigmas, é um dos fatores cruciais da aprendizagem. Isso não é um referencial desejável, é um componente essencial do processo de aprendizagem da criança, do adolescente e do ser humano de maneira geral.PM – Além da emoção, quais são os outros componentes do processo de aprendizagem?
CA – A memória, indiscutivelmente. O professor deve conhecer estratégias para poder trabalhar a memória do aluno, claro que não uma memória mecânica, repetitiva, mas uma memória onde o aluno contextualiza, onde o aluno associe saberes novos aos que naturalmente ele possui. Além da memória, a atenção. Ele deve saber trabalhar a atenção do aluno, descobrir fórmulas para captá-la. E por fim a motivação desse aluno e fundamentalmente a linguagem. Então, esses quatro mais a emoção são componentes estruturais do processo de aprendizagem.

PM – O que é uma boa aula?
CA – Uma boa aula é aquela que contempla a intensidade com que esses elementos sejam trabalhados. Fazendo uma comparação com o quadro educativo e o quadro médico, o que seria um paciente com uma boa saúde? Seria um paciente que realmente não apresentaria, em nenhum aspecto da sua condição biológica, qualquer tipo de deficiência. Uma boa aula é aquela que, no seu aspecto cognitivo, não apresenta nenhuma deficiência desses cinco componentes.

PM – Por que as aulas de alguns professores são mais sedutoras do que outras?
CA – Há uma infinidades de razões, mas em linhas gerais, o que tenho observado é que a estratégia através da qual a aula é ministrada é um componente muito importante. A maior parte dos professores brasileiros, infelizmente, confunde aula com aula expositiva, e a aula expositiva é apenas uma maneira de dar aula. Sabendo ser colocada pode ser excelente, mas é óbvio que se o professor conhece apenas essas estratégias e em todas as circunstâncias a utiliza, é impossível que ele possa escapar da monotonia. É como o mecânico que precisa conhecer diferentes ferramentas porque a natureza do trabalho dele vai exigir em situações diferentes a oportunidade de uso diversificado e isso também ocorre com o professor. A ferramenta do professor é a aula, mas se ele tem apenas a aula expositiva como ferramenta muitas vezes isso é fator de monotonia, por isso às vezes o aluno tem um grau de motivação na primeira aula do dia que não apresenta no final do dia e assim por diante, porque há uma repetitividade de conceito nesse processo.

PM – E como o professor pode tornar a aula mais sedutora?
CA – Uma das outras formas de dar aula que ele poderá desenvolver, além da aula expositiva, é trabalhar projetos. Por exemplo, os projetos na verdade parte de um desafio, de situações problemas e os alunos são orientados a buscar caminhos e respostas, interagindo entre si nessa busca, que naturalmente é mediada pelo professor. Outra alternativa são os chamados jogos operatórios onde a situação problema é colocada de uma maneira similar a um desafio, mas que envolve diferentes estratégias para esse alcance. Quando o professor é um arquiteto de desafios , quando ele é um propositor de problemas. Quando ele leva o aluno a se perguntar, a se educar, a dizer não a si mesmo, geralmente ele é um professor muito bem aceito e a aula acaba sendo uma daquelas aulas memoráveis que efetivamente seduz o aluno.

PM – Em um dos seus artigos o senhor cita o jogo de palavras. Como o professor pode utilizar esse método em sala de aula?
CA – De uma maneira muito simplificada, se eu disser a você: “Amanhã eu não vou passear porque vai chover”, eu estou concluindo essa afirmação sem propor nenhum desafio, ela é apenas uma informação que você assimilará, mas se eu alterno a ordem das palavras e digo algo como “Passear amanhã chover se vou não”, para que você, juntamente com seus colegas estruture e dê ordem, portanto dê sentido a essas palavras aparentemente soltas mas que integram um todo, você está se reperguntando, você está desafiando. Então a essência do jogo de palavras é a proposição de desafios, de questões que levam o aluno a construir soluções e respostas. Ele dispõe de palavras, mais ou menos, como quem têm peças de um quebra-cabeça não devidamente montado, só que essas peças são naturalmente palavras que vão compor a sentença, mas que ele construirá.

PM – Então, nesse tipo de aula, o professor é um facilitador…
CA – O professor verdadeiramente educador é sempre um mediador e nesse tipo de aula ele é efetivamente o mediador. Ele levou a situação problema, instrumentalizou os alunos para buscarem a resposta. Esses alunos sabem de quais instrumentos dispõe. Mas realmente ele está atuando como um desafiador, como um verdadeiro arquiteto de desafios. Nesse contexto a aula acaba se tornando naturalmente mais atraente, mais interessante.

PM – O professor busca ministrar aulas menos cansativas para os alunos. E como ele pode fazer para não cansar-se também?
CA – Na verdade, embora o objetivo de se trabalhar em projetos, trabalhar com jogos operatórios seja o aluno e o ensino eficiente, inegavelmente o maior beneficiário disso tudo é o professor. Em primeiro lugar porque, na medida em que ele é um propositor de desafios, diminui muito a carga verbalizadora dele. Não vai em cinco aulas fazer cinco discursos. Em segundo lugar, na medida em que ele dispôs aquele aluno num esquema de motivação, de interesse, de participação, ele não tem aquele desgaste de cobrar uma atenção, de impor uma rigidez e nem perceber, no desânimo do aluno, quase que um convite ao seu tédio também. O professor que trabalha assim chegará à noite cansado tão somente pelas horas que ficou em pé, mas não existe aquele cansaço de uma irritabilidade provocada pela tentativa de construir a força uma tensão que espontaneamente não se tem.
 
PM – O professor deve apoiar-se naquelas lembranças do passado, de quando ele era aluno, para dar aulas mais contagiantes?
CA – Não deve. Até creio que é uma rotina mais ou menos comum, mas não deve. Eu respondo com uma metáfora: se você hoje, com qualquer problema de natureza biológica, qualquer doença, procura um médico e ele diz “olha eu vou tratar você como o meu avô médico me tratou”, você sai correndo desse consultório porque a medicina evoluiu muito, a farmacologia teve um progresso absolutamente espetacular. Na educação, de forma alguma é diferente. O que se pensava sobre memória, o que se pensava sobre atenção, aula e motivação há 20, 30 anos é muito diferente do que se pensa hoje, então é óbvio que se ele teve um professor extremamente talentoso, que se emocionava, assumir as qualidades dessa pessoa, com o que hoje se sabe, ele estaria fazendo a composição ideal. Voltando a metáfora, você ter no médico de hoje a paixão, o entusiasmo, o interesse por você, do médico de antigamente mas com a tecnologia da medicina de agora, aí sim seria ideal. Mas aquela cópia literal seria passar por cima de tudo quanto de novo se descobriu.

PM – O que nunca vai deixar de ser antigo na sala de aula?
CA – Nunca será antigo o professor não responder o que o aluno pode por si mesmo descobrir. Isso sempre será uma estratégia extremamente significativa. O professor nunca pode pensar-se assassino da curiosidade respondendo aquilo que o aluno pode sozinho descobrir, mas também, ao lado disso, nunca será antigo numa sala de aula o entusiasmo, paixão pelo que se faz, percepção do progresso do aluno e entusiasmo por esse progresso. Isso nunca envelhecerá, indiscutivelmente.

PM – As lembranças da escola influenciam o aluno na vida adulta?
CA – Ele carrega essas lembranças de uma maneira muito forte e mesmo quando pensa que não está as carregando, às vezes na maneira como ele segura uma caneta, como se dirige aos colegas, ele pode não ter consciência da lembrança, mas por detrás desses atos sempre está um professor, está uma aula, está um texto que ele leu. As marcas e as lembranças da escola são extremamente fortes e poucas vezes temos plena consciência disso mas, incontestavelmente, esses professores estão sempre atrás daquilo que fazemos. Portanto, negá-la é como você negar a importância da memória na aprendizagem ou negar a importância da linguagem, ou mesmo da motivação, ou ainda da atenção.

PM – Muito se discute a influência do professor sobre o aluno. E a influência do aluno sobre o professor?
CA – Esse é um dos campos mais novos da educação. Um pensador chileno, que está realmente em evidência, Maturana, sempre dizia que havia referências e cuidados com respeito a influência do professor sobre o aluno, mas que na verdade, seres humanos são interdependentes, e da mesma maneira como num conceito, eu diria, até ecológico, que o solo depende da planta mas a planta também depende do solo. É muito difícil perceber que possa existir um e outro sem interação. Um modifica o outro, e isso é absolutamente verdadeiro em relação ao aluno para o professor. Isso não significa dizer que essa imagem esteja consciente, mas é óbvio que, na maneira como somos, aquele professor que evolui o faz por forças das marcas e dos registros daquele envolvimento que ele teve com os alunos, e essa relação hoje é muito forte, muito recíproca e não é à toa que Maturana é um biólogo, porque ele tirou esse conceito da própria biologia, onde no ecossistema, A depende de B e B depende de A. E o próprio Paulo Freire já dizia isso também. É uma troca.

PM – Quais são as principais barreiras no processo do aprendizado?
CA – A principal barreira no processo de aprendizagem é o professor ainda acreditar-se proprietário de um saber, cuja finalidade é transmitir aos alunos, esquecendo de identificar que esse saber se banalizou, que hoje é o encontro na Internet, que hoje eu vivo num mundo onde há múltiplos canais de televisão. Um material escolar, de maneira geral, é muito bem formado, então aquele professor repetidor de saberes, tem para cada aula aquele tema e aquela pílula, e realmente acaba sendo um professor muito pouco sedutor. Portanto ele está impondo uma barreira imensa na aprendizagem, porque está indo na contramão daquilo que realmente o aluno precisa para crescer.

PM – Para que o aluno realmente aprenda, o senhor afirma que é necessário que ele tenha liberdade interna. O que quer dizer?
CA – Ele é o agende essencial no processo de construção do seu saber. O saber não é algo que venha de fora, a aprendizagem se constrói com aquilo que eu sei e com aquilo que é colocado em relação ao meu ambiente. Então, na verdade, essa liberdade é no sentido de fazer com que o saber que o professor transmite, não pode pretender que seja o saber que o aluno adquire. Aquele saber se transforma com os saberes que o aluno têm, então, isso significa a liberdade. Cada aprendente precisa ser livre para aprender, porque ele é o agente construtor da sua própria maneira de aprender e dos próprios saberes que constrói.

PM – De que forma os professores podem despertar a consciência de liberdade nos alunos, como o senhor cita no livro Antigüidades Modernas, ensiná-los a pensar seus próprios pensamentos?
CA – Sendo um professor interrogador, desafiador. Um professor que se negue a assassinar a curiosidade do aluno apresentando-lhe uma resposta pronta. Em outras palavras, um professor onde a maior parte das suas interlocuções termine com pontos de interrogação e não com pontos de exclamação. Não adianta eu lançar o desafio se eu não mobilizo recursos para que o aluno possa caminhar para o desafio. Então, eu preciso ser um levantador de questões, realmente trazer muitos pontos de interrogações, mas mostrar caminhos para fazê-los pontos de exclamação.

 

* Revista Profissão Mestre
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Fonte: Adital/Profissão Mestre

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