Direito ao voto: TSE discute a situação de adolescentes em conflito com a lei

Por Maíra Streit

Nota da Inclusive: acesse neste link a pauta completa no site da ANDI, com indicações de fonte e material de apoio.

A idéia é garantir a participação política de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em regime fechado. Especialistas afirmam que essa é uma ação fundamental no processo de reintegração dos jovens à sociedade.

O Brasil possui um dos mais modernos sistemas eleitorais do mundo. Com a implantação de urnas eletrônicas em 1998, o modelo brasileiro de apuração tornou-se uma referência em confiabilidade e rapidez. E em 2010, 61 municípios já utilizarão urnas biométricas, que identificam o eleitor pela impressão digital. Mas, em meio a tantas inovações, muitas pessoas continuam impedidas de escolher seus representantes e exercer plenamente sua cidadania. É o caso dos adolescentes em conflito com a lei que cumprem regime de internação. Mesmo amparados pelo artigo IV da Constituição Federal, que garante aos maiores de dezesseis anos o direito ao voto, na prática isso não acontece.

Dados do último Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, realizado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, indicam que quase 17 mil adolescentes estão internados em regime fechado. Boa parte deles tem título de eleitor e idade para votar, mas não consegue permissão para exercer esse direito. Mas, na última segunda-feira (22/02), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu um importante passo em defesa da democracia. O ministro Arnaldo Versiani convocou, em Brasília, uma audiência pública para discutir medidas que garantam o voto a presos provisórios e adolescentes internados já nas eleições de 2010.

Na ocasião, foi debatido o acesso à propaganda eleitoral obrigatória, que deverá ser a mesma veiculada para os demais cidadãos em rádio e TV. O prazo para cadastramento de novos eleitores e transferência de título, que termina em maio, também esteve em pauta. A data poderá ser alterada para que se adapte ao novo contexto. Para evitar transtornos ligados ao transporte dos adolescentes, foi proposta a instalação de urnas dentro das unidades. A próxima ação de Versiani é apresentar uma minuta ao Plenário do Tribunal, que tem de aprovar as normas relativas ao pleito até 5 de março.

Para o advogado e representante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ariel de Castro, a participação política deve ser assegurada por tratar-se de um instrumento fundamental no processo de reintegração dos jovens à comunidade. “Como querer educar e ressocializar esses adolescentes, se eles são privados de direitos básicos de cidadania?”, questiona. Segundo Castro, votar estimula o adolescente a ter outro tipo de relação com a sociedade. “O fato de começar a se informar, acompanhar telejornais, ler notícias e realizar discussões coletivas faz com que ele exerça o voto em toda a sua plenitude”, diz.

Nael Talita, membro da Rede Sou de Atitude, concorda que o envolvimento com as eleições pode ajudar na formação de jovens mais conscientes. “Deixando de ser apenas espectadores, eles podem trazer suas experiências e cobrar para que as propostas de campanha atendam também às suas necessidades”, afirma. Há seis anos, a Rede reúne adolescentes e jovens de diversas regiões do país, com o objetivo de monitorar as políticas públicas e garantir o cumprimento de seus direitos.

Discriminação – Segundo o advogado e membro do Instituto de Acesso à Justiça, Rodrigo Puggina, a discriminação está entre os principais fatores que contribuem para que adolescentes em conflito com a lei não sejam respeitados. “Não se pode admitir que suspendam direitos políticos dessa maneira, principalmente em um país que se autodenomina democrático. Existem vários argumentos preconceituosos que algumas pessoas tentam afirmar para impedir que eles votem. A história nos demonstra que fizeram o mesmo com mulheres, analfabetos e outros segmentos da sociedade”, afirma.

Segundo Puggina, a sociedade precisa se mobilizar e também exigir que o poder público faça a sua parte. “Para se ter ideia de como é possível realizar a votação de internos, basta imaginarmos que um brasileiro que se encontra no exterior pode votar para presidente, mas o que está em uma unidade prisional ou de internação, não. Durante muito tempo, faltou vontade política”, elucida.

Entre outros aspectos, a falta de infra-estrutura adequada, as denúncias de maus-tratos e a superlotação das unidades alertam para o tratamento dispensado aos adolescentes em conflito com a lei no país. Em 2006, a SEDH diagnosticou o déficit de 3.396 vagas nos centros de internação brasileiros e apontou para a existência de 685 adolescentes vivendo em cadeias.

Fundação Casa – No ano passado, uma medida já havia reforçado a importância de se fazer cumprir os direitos dos adolescentes. O juiz Paulo Cesar Gentile, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Ribeirão Preto, garantiu que os internos da Fundação Casa, antiga Febem de São Paulo, votassem nas próximas eleições. A sentença é resultado de uma ação promovida pelo defensor público Carlos Eduardo Montes Netto, que se baseou em princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente. Caso a sentença não fosse cumprida, a Fundação teria que pagar o equivalente a 20 salários mínimos por cada interno impedido de participar da votação. O valor seria revertido ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do município.

Para a coordenadora de projetos do Instituto Latino-americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud), membro da Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei (Renade), Aline Yamamoto, assegurar esse direito se traduz em um ato essencial à democracia. “Pensar em inclusão social passa necessariamente pelo direito ao voto. Isso dá aos adolescentes um sentimento de pertencimento e confere visibilidade àqueles que estão por trás dos muros, longe dos olhos da sociedade”, enfatiza.

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Fonte: ANDI

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