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Mesmo em se tratando de ano eleitoral, a educação no Brasil oferece escândalos que já não conseguem aparentemente comover a mais ninguém. A começar pelos índices de evasão que, segundo dados da UNICEF, em 2009, atingem a razão de 25% entre os alunos antes da metade do ensino médio (em alguns Estados o percentual eleva-se bastante), fato divulgado sem furor no início deste ano nos meios de comunicação. Mesmo que contribua para a ocupação da 88ª posição no ranking internacional divulgado pela Unesco, atrás inclusive de países da dimensão de Honduras e Nicarágua, é possível que isso não traga consequências diretas no que se refere à ampliação dos investimentos públicos no setor neste e nos próximos anos. O reflexo disso é bem conhecido: para esta população resta, basicamente, o subsolo da pirâmide social. Mas isso não é razão para grande preocupação, afinal 2010 também é ano de Copa do Mundo, e seremos muito lembrados de que, ao menos nesse ranking mundial, figuramos altivos em seu topo.
Mas não é apenas o ranking da Unesco que compete nesse escândalo. No dia a dia das escolas muita coisa acontece. A despeito da grande divulgação que se dá em torno da violência que ronda e adentra seus pátios e salas de aula, um tipo especial de violência social se perpetua, que é a situação salarial dos professores. Violência que tem como alvo preferencial os professores da educação fundamental, responsáveis pelo início do processo educacional e pelo espaço no qual as crianças devem despertar para o aprendizado.
Esses são aqueles profissionais que tem a pior remuneração entre os professores e, apesar disso, muitas vezes são desafiados a ir além do seu papel educacional, complementando o papel de famílias vulnerabilizadas socialmente e também daquelas atingidas pela miserabilidade e violência. Mesmo que seu desafio seja hercúleo, sua recompensa é pífia, mas não são poucos os que procuram de depositar em suas costas (largas, não quentes) a culpa pelo desastre educacional que se precipita permanentemente em solo nacional. Entretanto, isso há muito não constitui um escândalo para a sociedade brasileira, pois vigora no Brasil uma espécie de pacto social no sentido de “naturalizar” a situação, não cabendo para contornar os problemas senão uma sucessão de medidas paliativas, distribuição aleatória de responsabilidades e alguns muxoxos consternados aqui e ali, sem maiores efeitos.
O desinteresse público pela educação é mais notório ainda quando o que está em questão é a educação pública. A começar pelo destino dos investimentos governamentais que, de acordo com análise orçamentária do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), é ainda inferior às metas de superávit primário, mesmo que a dívida externa já tenha sido anunciada como debelada. O Governo Federal executa um orçamento que altera muito pouco as desigualdades sociais e, se acordarmos que a educação é um fator mais relevante no equilíbrio social que o saldo da balança comercial, por exemplo, o que temos é a repetição de um cenário já conhecido há muito tempo, o cenário de deterioração das condições materiais e morais da educação pública.
A sociedade, que é composta, em última análise, por famílias e pessoas, tem parte importante nesse ordenamento de fatos. Mais interessada no consumo imediato, – e a educação não pode ser convertida em objeto de desejo se as famílias não a elencarem como algo efetivamente importante em suas vidas -, a classe média tem demonstrado maior interesse em garantir seu poder aquisitivo do que em ver as camadas mais pobres obtendo acesso a um ensino qualificado e competindo consigo no ensino superior e no mercado de trabalho. Então é possível especular que esse estado de coisas tem também o amparo moral de boa parte da sociedade, que considera também como ameaças concretas as recentes iniciativas de implementação de políticas afirmativas em áreas de interesse público, como é o caso da educação.
Diante deste quadro desolador, são de grande importância campanhas como a que será lançada em abril pela Campanha Global pela Educação (CGE), em mais de 100 países simultaneamente, no sentido de pressionar lideranças e políticos, em pleno ano eleitoral no Brasil, a cumprir os tratados internacionais que recomendam o financiamento e a garantia da educação pública, inclusiva e de qualidade para todos. Tendo como pano de fundo a Copa do Mundo e contando com o apoio da FIFA, espera-se que os candidatos às eleições lembrem-se de priorizar a educação em suas preocupações políticas, e que a sociedade perceba que todos têm a ganhar com a qualificação e democratização da educação.
Acima de tudo, já é tempo de que a sociedade e os governos voltem a abordar a educação pública como um imperativo social de um país que quer galgar, na economia, posições no cenário global. Antes disso, é preciso voltar a fazer lições de casa relegadas historicamente ao segundo plano, e converter esforços no sentido de amarrar o desenvolvimento humano ao desempenho econômico. Já faz muito tempo que essa bola espera um pontapé e o Brasil precisa assumir que também quer fazer parte do jogo e, no jargão futebolístico, parar em definitivo de meramente jogar para a torcida.