Deixar às escolas a tarefa de ensinar

Doutora em Psicologia Educacional e professora do Departamento de
Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas
(Unicamp), Maria Teresa Eglér Mantoan, é referência nacional no que se
refere à Educação Inclusiva. Confira essa entrevista exclusiva ao Jornal da
AME.

Comentando uma matéria publicada no Jornal da AME, a senhora afirmou que não concorda que a inclusão seja um processo, por que?

Não concordo que a inclusão seja um processo porque não é a inclusão que tem
que ser gradativa, lenta, mas, pelo contrário, rápida e radical para que
detone o processo de transformação da escola. E quanto mais rápido esse
processo de transformação da escola para umaescola de melhor qualidade
ocorrer, mais a inclusão será realidade. Então a inclusão não é processual.
Seria processual se você entender da seguinte forma: “hoje as escolas
regulares podem atender tais e quais crianças e os casos mais graves ficam
nas instituições”. Atendimentos clínicos, especializados, podem e devem ser
realizados nas instituições, mas escola é um outro assunto. As instituições
em geral reagem defendendo que a inclusão é um processo, que as escolas
regulares não estão preparadas, que elas não atendem bem, mas para elas
melhorarem, elas precisam de um desafio, precisam assumir a responsabilidade
de trabalhar com todas as crianças, indistintamente, têm que se reconhecerem
competentes e buscarem a competência para que a inclusão ocorra.

Os professores estariam, hoje, preparados para atender as crianças
especiais?

Ninguém está preparado para qualquer função, muito menos a educacional, sem
a experiência prática. Vai-se adquirindo acompetência quando trabalha-se com
o aluno e vai buscando-se atender a necessidade dele. É preciso que o aluno
esteja lá para que seprepare. Uma mulher não está preparada para o casamento
se não vivero casamento, com todo o empenho de acertar. E cada dia há uma
novidade, um desafio, uma situação nova que vai testar sua competência e vai
dar oportunidade de ultrapassar suas limitações, se quiser continuar com
essa opção de vida. Da mesma forma, os profissionais devem ir à luta. O
ensino só vai mudar se houver uma prática consciente.

Qual a preocupação hoje da Unicamp no que se refere a formação de
professores em relação a educação inclusiva?

A preocupação da Unicamp com a formação dos professores sempre existiu
dentro desta visão de que todos os professores devem estar preparados para
atender a todas as crianças. Mais precisamente nestes últimos anos quando o
currículo da Faculdade de Educação da Unicamp foi modificado, foram
excluídas as habilitações e especializações para educação de pessoas com
deficiência e também educação infantil, supervisão e administração escolar,
porque a idéia é a formação do educador no sentido amplo, formação de uma
pessoa que tem que dar conta de todas as crianças e não especializaralguém
em uma ou outra deficiência, ou um ou outro trabalhoespecífico da escola. A
Unicamp não está preocupada com a preparação para a inclusão, mas em formar
professores para escolas abertas às diferenças e não com a inclusão em si.
Quer preparar o profissional da educação que tenha consciência que a escola
é para todos e deve buscar a competência pelo desafio que seus alunos
representam a cada ano e a cada momento na sala de aula. A profissão de
educar não é uma profissão que implica num conhecimento fechado adquirido a
partir de cursos universitários ou alternativos, mas implica em consciência
moral, social, do nosso papel como educadores na construção de uma sociedade
cada vez melhor, cada vez mais preocupada com o desenvolvimento do ser
humano. Não temos especialização em nenhuma habilitação. Não consideramos
que a habilitação específica seja um avanço, mas um grande retrocesso da
educação hoje, porque precisamos de professores que entendam de educação e
não de deficiência. Educação para todos.

Com essa formação mais generalista, o profissional sai da universidade
preparado para também atender a pessoa portadora de deficiência?

Mas claro, porque todas as crianças são crianças. Não consideramos que
entender de Braille, por exemplo, é uma especialização, ou conhecer a língua
de sinais forma um especialista em educação, ouqualquer outro processo que
facilite a comunicação das crianças deficientes nas escolas. Esses são
recursos, são linguagens que o professor deve aprender para no caso de se
ter na escola uma criança surda possa se trabalhar numa visão bilingüística,
mas isso não significa uma formação de especialista. As habilitações e todas
as formas de capacitar o professor para educação de deficientes, na verdade
não tem nada de especial, são apenas recursos adicionais, mas não formação
educacional especificamente. Estamos formando pessoas numa visão ampla, numa
visão de segurança, de competência.

Na Unicamp, há o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e
Diversidade (Leped). Desde quando ele existe e qual sua função?

Eu sou a coordenadora do Leped desde 96 quando o fundamos junto com um grupo
de alunos. Sua finalidade é reunir pessoas, implementar estudos e pesquisas
que visam justamente a entender as diferenças nas escolas e promover o
ensino aberto a essas diferenças sem discriminar ninguém, sem preconceitos,
numa educação que é justa e solidária. As pesquisas são feitas em escolas da
rede pública de ensino e visam conhecer como as escolas no momento atuam e
em que sentido têm que aprimorar a qualidade de seu ensino, para atender a
todas as crianças e tornarem-se inclusivas.

Quando se fala em transformação da escola, do ensino, isso não implicaria em
mudanças na política educacional?

Claro. Infelizmente as políticas educacionais e mesmo a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) deixam lacunas muito grandes que servem para manter o ensino tal
qual ele é, principalmente o ensino especial, que é o grande problema que
nós temos para se alcançar uma educação verdadeiramente inclusiva. Porque
existindo essa modalidade educacional – a educação especial – sempre há uma
possibilidade de alguns não freqüentarem o ensino regular e havendo essa
possibilidade a inclusão não se efetiva. É muito difícil se falar em ensino
inclusivo no Brasil. O que nós temos realmente são sistemas de ensino que,
por terem autonomia, excluíram o ensino especial de suas redes. Então não
temos verdadeiramente uma condição de ter uma escola para todos.

Então a senhora não é a favor da educação especial?

Absolutamente. Eu sou inteiramente contra o ensino especial, as classes
especiais e todo tipo de atendimento que a educação especial propõe para
atender os deficientes, mesmo os deficientes estando em salas regulares, com
apoio de professores itinerantes. Porque, na verdade, eles continuam
mantendo essas crianças dentro das escolas, mas discriminando-as, ora porque
elas têm que sair para ter um atendimento diferente, ora porque têm um
currículo apropriado para elas, ora porque elas têm que ter um reforço senão
não dão conta do conteúdo da escola… E com isso a escola regular não tem
motivos para mudar, de maneira a acolher a todos. Não são só as crianças
deficientes que não tem acesso ao ensino regular. Aliás esse segmento é
muito pequeno perto do número de crianças que estão sem escola hoje. Quando
falamos em educação inclusiva, para todos, não estamos falando
exclusivamente da inserção de crianças deficientes no ensino regular,
estamos falando desse grande problema da escola brasileira que é de excluir
grande número de crianças das salas de aula e de adotar medidas excludentes
para os alunos que conquistam um lugar dentro da sala, deficientes ou não.

Além do ensino especial, qual outro obstáculo ou resistência poderíamos
encontrar para se efetivar a educação inclusiva?

O preconceito social, familiar. Muitos pais não acreditam nas possibilidades
dos filhos ou mesmo têm medo de enfrentar um processo inclusivo do filho,
porque já se acomodou no ensino especial e não tem grandes expectativas com
relação a essa criança. A formação dos professores. A própria legislação e a
política. Tudo isso contribui para impedir que a escola para todos seja uma
realidade.

Em seu livro “Compreendendo a deficiência mental”, escrito em 87, a senhora
ressaltou o inestimado valor do professor especializado no aluno. Já naquela
época falava da inclusão, embora abordando de uma outra maneira. Qual o
percurso que a levou a diferenciar integração de inclusão?

Meu próprio percurso. Porque eu sempre lutei para que as crianças que eram
atendidas em instituições, tivessem uma passagem breve por essas
instituições e não ficassem ali definitivamente. Mas quando eu percebi a
facilidade com que elas conseguiam ultrapassar essa barreira da escola
regular, eu comecei a olhar o quanto a escola regular poderia acolhê-los,
sem que eles precisassem passar por esse pedaço marginalizado que é o ensino
especial. Foi principalmente a convicção de que a melhor maneira de se
aprender de se evoluir é a partir do meio que nos desequilibra, que exige
reações, ultrapassagem de nossos limites, e não pode ser um meio acomodador,
que tenha todas as adaptações pensadas de antemão, mas que o indivíduo possa
buscar suas saídas.

Qual seria sua mensagem para as pessoas que atuam na área da educação para
que a educação inclusiva se concretize?

Que cada vez mais melhorem sua prática profissional, que cada vez mais dêem
a todas as crianças o que elas esperam da escola, que é crescerem felizes.
Que essas crianças aprendam a não discriminar, a serem justas e que vivam na
escola o que elas têm direito: a alegria de conviver com crianças da sua
idade e com as diferenças.

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