Grafite é arte livre e pública

Ozeas Duarte chegou de bermuda, camiseta e sandália ao prédio da Ação Educativa. Ele chegou para participar das atividades de preparação do Dia do Grafite, comemorado em 27 de abril. Todo ano, a Ação Educativa organiza um grande evento de celebração da data. Este ano, Ozeas foi o artista homenageado. Seus cabelos grisalhos mostram por que ele é considerado um dos precursores do grafite em São Paulo; pintou seu primeiro muro em 1985. Todo o nervosismo em conversar com um dos expoentes dessa arte no país se dissolveu com pouco mais de dois minutos de conversa. Ozi, como é conhecido pelos amigos, mostrou muito bom humor e concedeu uma entrevista engraçada, interessante e que pode derrubar diversos tabus.

AE: A discussão em torno do grafite é bastante antiga. Em, nosso site, a enquete do mês questiona o que é grafite: Arte pública, por isso deve ser regulada por políticas e ser financiada com dinheiro público; arte de rua e deve ser livre; ambas.; ou nenhuma das duas. Qual seria sua resposta?

OD: É arte pública, mas é arte livre também. O grafite nunca deve ser atrelado ao poder. Ao poder de quem determina, não ao poder de quem faz; porque quem faz tem o direito de se expressar, é livre. Agora, é pública, pois é característica da cidade, já faz parte do contexto da metrópole. O que eu não consigo ver é o governo injetando dinheiro no grafite. Já são tantos problemas… Isso aí deve ser revertido, em primeiro lugar, para setores de base como Educação, Saúde.

AE: Você é um dos pioneiros dessa arte no Brasil, desde a década de 80. Hoje, quase 30 anos depois, como sente a diferença no modo como a população vê o grafite? É ainda muito associado à pichação?

OD: Nossa! Muita diferença. Você não faz ideia… Hoje o grafite é assimilado pela cultura paulistana, tanto o grafite quanto a pichação. Antes era confundido. Se a polícia pegasse a gente pintando de dia, era preso, autuado. O pior é que eram os caras da Rota, a polícia do Maluf… Se bem que teve uma vez que eu e mais dois caras estávamos lá na alça do Minhocão, grafitando. Do nada, baixou a polícia, denúncia anônima. Ainda bem que o delegado já conhecia a gente… Quando ele viu a gente chegando disse: “Os meninos só estão pintando… É inofensivo!” (risos). Ainda bem que não falaram que era coisa de comunista. Se meu pai pensasse que eu era comunista, ele me matava (risos).

AE: É correto afirmar que a pichação é a afirmação do indivíduo e o grafite, a afirmação do coletivo?

OD: Não, cara! Nem brinca com isso. Pensa assim: são dois filhos da mesma família. Mas tem lá suas diferenças… A pichação é mais linguagem, o grafite é mais estético. Os próprios cidadãos confundem, acham que o grafite é coisa bonita e a pichação é feia… (risos). Mas não tem nada a ver. Os dois devem ser respeitados. E os dois devem ser considerados coletivos. A pichação porque representa uma grife, uma tribo, quase uma família. E o grafite porque é feito a várias mãos, um começa, o outro termina. Mas o mais importante é que os dois, pichação e grafite, são democráticos.

AE: Dá para falar que o grafite tira a criança do mundo das drogas? Qual o papel social do grafite?

OD: Não, não. Tudo é uma questão de objetivo. O moleque sai para fazer grafite porque se inspira no veterano que pinta. Mas isso não determina a vida dele. Se ele quiser, ele encontra a droga na esquina. Mas é de cada um. A gente pode até dar a ferramenta, coisa com o que ele se ocupar, mas, depois, o que cabe a nós esperar pelo retorno positivo. De 1988 a 1991, a Secretaria de Cultura do Governo do Estado criou oficinas de grafite pelas periferias da cidade, e me chamaram para monitorar. Não faz muito tempo, eu recebi um e-mail interessante. Uma menina se correspondeu dizendo que participou naquela época e que o curso fez com que mudasse a maneira de ela ver as coisas. E hoje ela está super bem de vida… Muito legal. Agora, sobre o papel social do grafite, escreve aí: difusão de cultura.

AE: Historicamente, o grafite é associado a critica social. Hoje, os grafiteiros ainda usam suas obras como crítica? A que ou quem?

OD: Ah, era muito político, mas não político-social. Era mais uma forma de desobediência civil. Sim, tem pessoas que possuem uma preocupação de questionar, de demonstrar sua insatisfação. No meu caso, o trabalho tem um pouco de conotação crítica, sim. Eu costumo colocar coisinhas pequenas nas minhas artes para criticar o que não gosto, mas sempre de maneira bem-humorada. Ou irônica ou sarcástica. Na vida tem que ser assim. Se as pessoas levassem mais coisas com bom humor, o mundo seria melhor, não seria? (risos).
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Fonte: Ação Educativa

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