Na véspera da Assembléia Negra e Popular e da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, convocada para pedir ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o veto ao Estatuto da Igualdade Racial, aprovado pelo Senado, há menos de 15 dias, Reginaldo Bispo, Coordenador Nacional de Organização do Movimento Negro Unificado (MNU) – a principal organização que lidera o movimento pró-veto -, afirmou que “o Estatuto aprovado é um desastre e transforma em uma camisa de força as futuras lutas dos negros contra o racismo”.
“Foi um conluio das elites e dos oportunistas que não querem o avanço de negras e negros, que eles interpretam como um risco e ameaça a seus interesses”, acrescentou.
O Estatuto aprovado foi fruto de um acordo envolvendo a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), e os senadores Paulo Paim (PT-RS) – autor do projeto original – e Demóstenes Torres, do Democratas de Goiás, com a exclusão de pontos considerados fundamentais por expressivas parcelas do Movimento negro brasileiro.
Para as lideranças que discordam do Estatuto aprovado, o acordo, que teria sido inspirado pelo Palácio do Planalto, visou atender apenas aos interesses eleitorais dos seus patrocinadores. A Assembléia acontece nesta quarta-feira, a partir das 14h, no Auditório Nereu Ramos, Anexo II da Câmara dos Deputados, em Brasília.
Bispo também acusa a SEPPIR de ter se transformado numa “agência e instrumento eleitoreiro disputado por forças partidárias, com o propósito de atender seus clientes – uma pequena parcela de entidades do Movimento Negro que vivem de passagens aéreas, hospedagens e pequenos projetos para fazer lobby e claque em favor das ações da SEPPIR e de seus candidatos”.
Ele disse que entidades como a Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN), integrada por lideranças próximas ao PT, e União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), composta por ativistas ligados ao PC do B, além do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), todas da base do Governo, são as principais beneficiárias dessa política.
Segundo o dirigente do MNU, a aprovação do projeto de qualquer jeito defendida por Paim e pelo ex-ministro da SEPPIR e deputado Edson Santos (PT-RJ), se deu puramente “por razões eleitorais”. Paim, Santos e o atual ministro chefe da SEPPIR, Elói Ferreira de Araújo tem dito que, com a correlação de forças no Senado, ser este “o Estatuto possível”.
Leia, na íntegra a entrevista concedida por Reginaldo Bispo ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira
Afropress – Quais as conseqüências para o Movimento Negro Brasileiro da sanção, por parte do Presidente Lula, deste Estatuto aprovado no contexto do acordo Demóstenes/SEPPIR?
Reginaldo Bispo – Um desastre, além de se transformar em uma camisa de força as futuras lutas dos negros contra o racismo; desconstitui toda uma gama de conceitos e princípios consolidados desde 1950, com a Lei Afonso Arinos, a Lei Caó, as conquistas das religiões de matriz africana, a lei 10639, o reconhecimento do direito a titulação das terras quilombolas, a desmistificação do conceito de democracia racial e de Racismo; revoga a auto-declaração raça/cor, uma conquista fundamental das pesquisas oficiais para os indicadores sociais, econômicos, educacionais e de saúde para a população negra, que mostra verdades sempre escamoteadas.
Afropress – Quais os retrocessos em relação ao Estatuto original proposto pelo senador Paim? Em sua opinião, porque razão Paim aceitou participar deste acordo com a desfiguração da sua proposta original?
Bispo – O Estatuto tem problemas de origem. É autorizativo e não tem verba para implementação. Isto por si só inviabiliza toda essa declaração de intenções. O Estatuto é só isso, uma declaração de intenções, sem poder de Lei para impor-se aos governantes e gestores públicos. Para o Senador, assim como para o ex-ministro Edson Santos a sua aprovação é fundamental de qualquer jeito, por razões eleitorais. È a principal bandeira de ambos, mais ainda do Edson Santos que não possui outra bandeira.
Afropress – O que é a SEPPIR sob a atual direção e qual o papel da UNEGRO (PC do B), CONEN (PT) e o CNAB (PMDB) que se mantém na sua direção?
Bispo – Infelizmente, a SEPPIR uma conquista importante para os negros brasileiros, virou uma agencia e instrumento eleitoreiro disputado por estas forças partidárias, com o propósito de atender seus clientes, uma pequena parcela de entidades do MN, que vivem de passagens aéreas, hospedagens, e pequenos projetos, para fazer lobby e claque em favor das ações da SEPPIR e de seus candidatos, como fizeram no encontro de quilombolas pelos tele-centros e inclusão digital, na ultima semana.
Afropress – Qual o significado para o Movimento Negro da direção da SEPPIR ter ido celebrar com Sarney a aprovação da proposta e do senador Paim ter agradecido publicamente “a contribuição” de ACM e Roseana Sarney?
Bispo – Creio que podemos acrescentar aí a Rede Globo, os jornalões, o Magnolli, o Ali Kamel. Vejo aí um interesse comum: desmobilizar a população negra e o Movimento Negro brasileiro em relação à luta contra o racismo e as suas reivindicações, criando expectativas que jamais serão resolvidas, enganando-nos de novo neste momento pré-eleitoral. Muita mentira, muita mídia, beneficia eleitoralmente todos. Foi um conluio das elites e dos oportunistas que não querem o avanço de negras e negros, que eles interpretam como um risco e ameaça a seus interesses.
Afropress – O que acontecerá caso o Presidente Lula sancione o projeto do Estatuto?
Há no Movimento Negro, setores que acham que o Estatuto, mesmo como está, representa uma vitória. O que pensa disso?
Bispo – A primeira parte respondi na primeira pergunta. Há sim setores que crêem que o Estatuto do DEM, do Edson Santos e do Paim representa avanço. São os movimentos negros de partidos, os clientes da SEPPIR e do Governo, os ocupantes de cargos federais, estaduais e municipais da coligação governista ou não, bem como tendências petistas e partidos de esquerda, que imediatistas, acreditam acomodar as reivindicações de negras e negros nos projetos de suas organizações; eles tem um projetos para um Brasil incolor, sem história de escravismo ou de racismo, pois temem perder privilégios. Portanto trata-se de interesse das elites e das classes médias emergentes, sobretudo brancas, na política e na economia do país, que esses negros acompanham.
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Afropress – O MNU é acusado por alguns setores do Movimento Negro de pretender se organizar num Partido, ou numa Organização como a OLP (Organização para Libertação da Palestina). Esse projeto existe? Essa mobilização contra o Estatuto unifica o MNU nacionalmente?
Bispo – Não é verdade, somos de esquerda. Todas as tentativas de construção de partidos negros no Brasil até hoje foram iniciativas de direita. A OLP quando de sua fundação era uma organização militar. Atuava em território ocupado política e militarmente, sob uma violenta ditadura sionista. Este também não é o nosso caso, vivemos em uma democracia, ainda que muito mascarada e com um projeto de genocídio do negro brasileiro.
Esta não é a compreensão e pratica política dos negros e do MNU. Somos pela construção do Projeto Político do Povo Negro para o Brasil e da Reparação Histórica e Humanitária de acordo com convenções internacionais da qual o Brasil é signatário. Nossa opção é a luta direta e política de convencimento e de organização das massas.
No MNU temos uma decisão de Congresso (a retirada do Estatuto do Senado para rediscussão na sociedade) que todos devem seguir, mas também temos pessoas atrasadas, despolitizadas e conformistas, que buscam as formas mais cômodas, métodos e idéias clientelistas, eleitoreiras, e adesistas. Elas são minoria e deverão se enquadrar ou sair. Há outras organizações com o perfil ideal para essas pessoas.
Afropress – Qual é o tamanho da frente que hoje está unida na denúncia do acordo que resultou neste Estatuto?
Bispo – A frente de hoje, une todos aqueles setores lúcidos que entendem ser o Estatuto um retrocesso, que retroage em nossas reivindicações e conquistas em 50 anos. Contempla todos aqueles que querem honestamente um Brasil melhor para os negros e todos os brasileiros, que não acreditam em mensagens e intenções eleitoreiras como um fim em si mesmo. Seguramente esse seguimento é maior e mais representativo que aqueles que participaram da tentativa de construção do CONNEB. São a maioria das organizações e setores organizados do MN brasileiro.
Afropress – Qual o impacto que esse movimento terá no processo eleitoral já em curso? E quanto ao MNU que papel terá na campanha eleitoral? Apoiará algum candidato à Presidência?
Bispo – Certamente que deverá haver um impacto eleitoral. As pessoas vivenciaram e estão se conscientizando de que não basta votar em candidatos que só tem compromisso com seu próprio mandato, que o tratam como empresa pessoal, ou com partidos que não nos reconhecem como força definidora de processos. Ficou claro para a maioria, que eles apenas representam a si mesmos, a seus partidos e aos financiadores de suas campanhas milionárias.
O MNU deverá conclamar os parceiros, a população negra e a sociedade, para a construção do Projeto Político do Povo Negro para todos os brasileiros e da Reparação Histórica e Humanitária, bem como das atuais demandas, como pontos programáticos que respondam a questões como a titulação das terras Quilombolas, a luta contra o genocídio da juventude negra, a defesa das ações afirmativas, a implementação da lei 10.639, a moralidade publica, e a garantia de que os recursos sejam empregados em política e beneficio da população.
Vamos levantar pontos programáticos que realmente signifiquem a democratização do Estado brasileiro e de suas instituições, a de direitos e conquistas que não chegaram aos negros, indígenas e a população pobre e trabalhadora, sem emprego, sem teto, sem terra, sem saúde e sem educação, dialogando com a sociedade. Quanto ao apoio a presidentes, as eleições passam, e os problemas ficam. Primeiro vamos submeter a todos as nossas propostas, e depois decidir se as respostas são confiáveis, se merecem nosso apoio ou não.
Afropress – Qual o próximo passo após a Assembléia de quarta-feira?
Bispo – Os presentes na Assembléia é quem vão definir isso. Nós vamos propor formas de manter o movimento negro e quilombola mobilizado e organizado para a Audiência Pública e votação da ADI do DEM contra os quilombolas no STF e convocar esses setores a construir o CONNEB (Congresso de Negros e Negras do Brasil) ou algo semelhante, para dar conta da política e organização permanente e estratégica dos encaminhamentos.
Afropress – Faça as considerações que julgar pertinentes.
Bispo – Nada mais a declarar. Eu é que agradeço.
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Fonte: Afropress