Luana Lourenço e Lisiane Wandscheer
Enviadas Especiais
Goiânia e Porto Alegre – Depois de sete tentativas de suicídio, a artesã Maria Aparecida Sales hoje lida de forma diferente com a depressão. É entre linhas, agulhas, bordados e conversas ao redor de uma grande mesa que ela tem conseguido conviver com o transtorno mental. Cida é uma das 30 associadas do projeto Gerarte, iniciativa de geração de renda associada ao tratamento nos centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Goiânia.
“Aprendi a fazer chaveiros, a bordar, a fazer muita coisa. E isso traz esperança e coisas boas. Antes não tinha com o que ocupar a mente. Para quem vivia internada com depressão isso aqui hoje é o paraíso”, conta Cida enquanto faz o acabamento de um coração de feltro verde e amarelo.
Projetos como o Gerarte são parte da estratégia de mudança do atendimento hospitalar de pacientes de saúde mental para os serviços de base comunitária. Junto com os Caps, as residências terapêuticas e o benefício De Volta Pra Casa, os centros de convivência e arte sustentam a reforma psiquiátrica.
“Os associados têm que fazer parte do programa de saúde mental: vêm dos Caps ou fazem acompanhamento ambulatorial”, explica a arte-terapeuta Heloísa de Araújo.
De acordo com o Ministério da Saúde, há pelo menos 393 experiências de saúde mental e economia solidária mapeadas em todo o país. Em Goiânia, o Gerarte, criado em 2008, inaugurou a segunda unidade em janeiro deste ano e tem oficinas de costura, bijuterias, tapeçaria, pintura, tear e papel. “A renda é dividida entre todos, de acordo com os turnos trabalhados. Cada associado tem recebido mais ou menos R$ 90 ou R$ 100 [por mês]”, calcula Heloísa.
Para a artesã Maria de Fátima Machado, que sofre de esquizofrenia, melhor que o dinheiro no fim do mês é a convivência com o grupo durante as oficinas. “Só vivia em casa, doente, não me tratava. Depois que vim para cá mudou, estou feliz aqui. É a terapia que eu faço.”
Em Porto Alegre, o Grupo Geração POA, criado em 1996, atende usuários da saúde mental e pessoas com doenças do trabalho. Segundo a terapeuta ocupacional Kátia Barfknecht, a ideia é fazer a reinserção social e possibilitar que essas pessoas se organizem para criar cooperativas.
“Quando criamos esse espaço, queríamos possibilitar que elas pudessem circular em toda a cidade e não ficassem restritas ao tratamento nos centros de Atendimento Psicossocial, os Caps”, explica Kátia.
Eduardo Silva (nome fictício a pedido do entrevistado) é um dos mais antigos do grupo de geração de renda da capital gaúcha. Ele conta que fazia o atendimento psicológico em um posto de saúde onde recebeu indicações para participar do Geração POA.
Além de fazer artesanato, os integrantes do grupo aprendem a comercializar a produção. “Paramos de fazer cartões pintados. Hoje, entre mandar um cartão e mandar um e-mail as pessoas preferem o e-mail, por isso estamos inovando os cartões com origami e aprendendo a fazer móbiles”, destaca.
Em Pernambuco, mais de 120 pessoas fazem parte da oficina de geração de renda do município de Camaragibe, a 10 quilômetros de Recife. Os produtos são vendidos em uma banca dentro da prefeitura e em outros pontos da cidade. O lucro é dividido: parte vai para a manutenção da oficina e a outra para o bolso dos artesãos.
Elaine Ramos de Souza tem dois filhos que sofrem de esquizofrenia e depressão. Um deles levou um tiro durante um assalto e ficou paraplégico. Os três participam da oficina de artesanato e ganham, juntos, cerca de R$ 200 por mês – um acréscimo à renda familiar que se limita à pensão por invalidez recebida por um dos filhos.
“Eu prefiro que meus filhos fiquem perto de mim. Internar não é uma boa solução. A oficina é uma boa terapia, mas serve também para ajudar nos gastos mensais”, garante Elaine.
Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo
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Fonte: Agência Brasil