Os caminhos de Edgar Morin

Capa do livro, onde vê-se a imagem de Edgar Morin

Por Júlia Lopes

Com franqueza e sinceridade, Edgar Morin, que a muitos impressionou pela contribuição que fez à teoria da complexidade, lembra das dores de ter perdido a mãe muito cedo, aos dez anos, e de como negligenciou a educação das filhas, Irène e Véronique. “Não fui um bom pai, um pai normal; tampouco sou um bom avô. (…). Minhas relações com as duas não foram fáceis, existiram muitos problemas”. E compara-se ao próprio pai, com quem teve experiências marcantes: “Meu pai me sufocava, por isso conservei um sentimento muito forte que, de minha parte, impediu que eu investisse minha energia nesse papel”.

Essas e outras experiências foram contadas à jornalista Djénane Kareh Tager, ao longo de 13 entrevistas feitas em 2008, e agora compiladas no livro Meu caminho, lançamento deste mês pela editora Bertrand Brasil. Dividido em tópicos como Luna e Vidal (nome da mãe e do pai), A complexidade do mundo e Meu método (referência ao livro O Método, dividido em seis volumes), o volume traz ainda um epílogo intitulado Renascimentos, em que fala de modo mais filosófico sobre a vida, não se preocupando em trazer dificuldades gratuitas, mas escolhendo as vias mais simples: “Assumi como lema os versos de Antonio Machado, que cito até me fartar: ‘Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar…’”.

De ascendência judaico-espanhola, o francês Morin participou ativamente do movimento comunista, se filiando à Resistência contra a ocupação dos nazistas na França. Ainda assim, conseguia distinguir a complexidade dos muitos sentimentos que moviam as pessoas na época. Como o que aconteceu com o filósofo Martin Heidgger. Ao se filiar ao Partido Nazista em 1933, ano em que Hitler sobe ao poder, foi muito criticado – e até condenado ao ostracismo – pelos intelectuais. Morin contemporiza, apesar de entender as consequências de tal escolha. “Não estou dizendo que não era grave, digo que sua filosofia não era nazista”.

O que fez com que Morin convidasse Heidgger para escrever em revistas de colegas. “De qualquer modo, em 1945 (período em que passou na Alemanha), eu estava fascinado com a perspectiva de encontrar um mito vivo. Eu era um marxista aberto, integrador, não pertencia a nenhuma escola”. Conta, ainda, em como foi influenciado pelo autor de O que é a metafísica?, que o marcou muito e talvez o tenha influenciado a se manter distante das polêmicas envolvendo o filósofo: “O método, principalmente o volume sobre O conhecimento do conhecimento, incluiu uma dimensão epistemológica que devo à ele”.

O livro contou com dois tradutores, Edgar de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Carvalho, professor da USP e da Unesp, assina também a orelha, em que faz algumas considerações sobre Morin – a teoria da complexidade, que rege os volumes de O método, por exemplo: “O projeto leva 23 anos para se concretizar. Para a crítica trata-se de um monstro. Impensável falar da Vida, da Terra, do Cosmo sem ser especialista. Inacabamento e incerteza são palavras malditas na universidade, e não apenas na francesa. Mas há uma interfecundação entre áreas. Uma tectônica dos paradigmas torna-se visível por toda parte. Princípios do conhecimento são questionados”.

O próprio Morin credita a inclinação para a teoria da complexidade por uma fascinação com os pensamentos contraditórios. “Sempre senti atração por verdades contrárias e fiquei muito feliz de encontrar a mesma formulação em Pascal e no físico dinamarquês Niels Borh: ‘O oposto de uma verdade profunda não é um erro, mas outra verdade profunda’”.

QUEM É QUEM ?

Edgar Morin
Ao perder a mãe muito cedo, Edgar Morin ficou só com o pai Vidal e a tia Corinne, que mais tarde veio ser sua madrasta. Nascido em 1921, na França, o pequeno Edgar tinha ascendência judaico-espanhola, mas não se envolveu tanto com a religião – mas se confessa um apaixonado pelos quitutes que vinham dela. Dedicou-se à luta contra o nazismo, que viu nascer ainda na adolescência, aliando-se aos comunistas na Resistência, quando mais tarde a Alemanha invadiu a França. Levou para lá a primeira esposa, Violette, com quem teve duas filhas, Iréne e Véronique. Casou-se posteriormente com Johanne, uma modelo negra. “Se Violette era a companheira, Johanne era a festa, a dança”, definiu, no livro. a última esposa, Edwige, loira dos olhos azuis. “Edwige era minha alma, no sentido da citação de Jung: eu era o animus que havia encontrão nela sua anima”. Entre os livros que já publicou estão: A cabeça bem feita, Ciência e consciência, O mundo moderno.

Compilação de entrevistas biográficas dadas pelo pensador francês. Tradução: Edgard de Assis Carvalho e Marisa Perassi Bosco. Lançamento Bertrand Brasil. 378 págs.

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Fonte: O Povo

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