A líder religiosa do Candomblé, Bernardete Souza Ferreira, 42 anos, que, na semana passada, foi algemada, arrastada pelos cabelos e jogada por soldados da Polícia Militar da Bahia num formigueiro, por ter pedido explicações para a invasão da área do Incra, onde vive em Ilhéus – o Assentamento Dom Hélder Câmara – denunciou que os mesmos policiais que praticaram a violência contra ela, continuam soltos e passaram a intimidar testemunhas.
“Estamos apreensivos em relação aos policiais. Eles já estiveram na casa de uma das testemunhas. Estes dias um policial que participou da violência esteve em um carro particular na casa da Grace Kely, uma moça que presenciou tudo o que aconteceu comigo”, denunciou.
Passados doze dias desde a violência que sofreu (depois de ser jogada no formigueiro, ela, algemada, foi lançada num camburão e deixada numa cela masculina), Bernadete disse que ainda custa a acreditar no que aconteceu.
“Eu mesmo ainda estou em estado de choque. Me custa acreditar que isso aconteceu em pleno século XXI”, afirmou, em entrevista concedida por telefone, do Assentamento D. Hélder Câmara, ao jornalista e editor de Afropress, Dojival Vieira.
Casada, com o também militante do Movimento Negro Unificado, Moacir Pinho de Jesus, mãe de duas filhas e avó de uma neta de 4 anos – Omidaré -, Bernadete disse que a comunidade de Banco do Pedro, onde vive juntamente com mais 26 famílias de Sem-Terra, num total de 90 pessoas, continua apreensiva e amedrontada.
Ela lembra que, enquanto era arrastada pelos cabelos pelos policiais para o camburão, a neta chorava muito: “Minha netinha só pedia “não levem minha vó”, “deixem a minha vó”, contou.
Bernadete não lembra quanto tempo ficou na cela masculina no 7º COORPIN, de Ilhéus, para onde foi levada, porém, recorda um detalhe: “Teve um momento que o preso que estava na cela tentou se aproximar de mim e aí alguém [que ela diz não saber quem] não deixou. Imagino que fiquei de três a quatro horas presa na cela”, acrescentou.
Tortura
A sessão de violência e tortura sofrida pela líder religiosa – que é filha de Oxóssi, uma entidade do Candomblé – começou na tarde de sábado, dia 23, quando um destacamento da PM baiana invadiu o Assentamento D. Hélder Câmara, a procura de um homem que supostamente teria escondido drogas no local.
Armados de fuzis e metralhadoras, segundo Bernadete, eles chegaram com violência, hostilizando as pessoas, sem nenhum mandado judicial. Foi, então, que ela tentou argumentar com o comandante da operação – o soldado Júlio de Souza Guedes – que não havia bandidos no Assentamento, pois todos vivem na comunidade há cerca de 12 anos e são trabalhadores. Foi o bastante para receber voz de prisão por desacato a autoridade.
No momento em que estava sendo algemada, incorporou o Orixá Oxóssi – uma entidade do Candomblé – e aí, Guedes, o soldado identificado por Jesus e outro aspirante de oficial, Adjailson – a arrastaram até um formigueiro próximo para, segundo ironizavam “tirar o demônio do corpo”. “Essas pessoas não tem nenhuma condição de lidarem com seres humanos e vestem a farda do Estado”, acrescentou.
Depois disso, Bernadete ainda com a entidade incorporada e algemada foi jogada para dentro do camburão. Os PMs riam e diziam que estavam tirando o demônio “em nome de Jesus”. “Quando meu Orixá, que é Oxossi, se manifestou, eles pisaram no meu pescoço e apontaram uma arma prá minha cabeça”, lembra, ainda traumatizada com a violência.
Indignação
Segundo Bernadete, o conforto pela violência, cujas seqüelas ainda estão presentes no seu corpo pela picada das formigas, tem sido a mobilização desencadeada pelos movimentos de terreiros de Candomblé, entidades do movimento social e do movimento negro, indignadas com o caso.
Além de reuniões que estão acontecendo de lideranças que exigem uma resposta e uma posição do Governador, Jacques Wagner, do PT, nesta quarta-feira (03/11), o Secretário Nacional da Diversidade Humana da UGT, Magno Lavigne, anunciou que o II Seminário Nacional da Diversidade, marcado os dias 19 e 20 deste mês, em Salvador, deverá adotar uma posição de repúdio de todos os sindicalistas do país ligados à Central.
Lavigne disse que, ainda esta semana, o presidente da Central, Ricardo Patah – que é presidente do poderoso Sindicato dos Comerciários de S. Paulo – deverá lançar uma Nota Pública denunciando o que ocorreu com a líder religiosa, inclusive, junto aos organismos internacionais do mundo do trabalho, a que a Central tem acesso.
Leia mais: Líder diz que religiosa poderia ter morrido
______________
Fonte: Afropress