Por Claudia Grabois
O estado brasileiro tem uma dívida histórica com as pessoas com deficiência, que excluídos e segregados, invísiveis e marginalizados pela pobreza, até os dias de hoje integram o conjunto de brasileiros que não exercem a cidadania plena. Tirando a maquiagem, a inclusão e a acessibilidade em todas as suas formas não fazem parte da realidade brasileira, e 75% das pessoas com deficiência são pobres e vítimas de preconceito de classe e por condição.
No ano de 2006, quatro anos depois do início dos debates e negociações que resultaram na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, um sopro de ar fresco e esperança tomou conta do nosso país, os 33 artigos de conteúdo e os 17 do protocolo facultativo da CDPD foram ratificados com quorum previsto no art. 5°, § 3°, da Constituição Federal. A aprovação com o quorum qualificado de três quintos dos votos dos membros da Câmara e Senado Federal, em dois turnos, garantiu ao tratado o status de normal constitucional, e esse fato ocorreu no dia 9 de julho de 2008, tornando esse dia um marco histórico para a sociedade brasileira.
A ratificação que foi fruto de incansável e intenso trabalho de pessoas com e sem deficiência de todos os cantos do Brasil foi mais uma prova da força do movimento de defesa dos direitos da pessoas com deficiência/direitos humanos e de suas lideranças, que disseram não ao modelo de saúde/assisstencialista que antes imperava.
A CDPD, considerada um tratado revolucionário, versa sobre todos os temas relativos a garantia dos direitos humanos das pessoas com deficiência e muda paradigmas com o conceito de desenho universal; da mesma forma pretende eliminar a discriminação e garantir a plena participação na sociedade, da garantia do acesso e permanência no sistema regular de ensino à participação na vida política do país, da preservação da identidade ao envelhecimento com dignidade.
A sua ratificação promoveu a união das forças do movimento de defesa dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil e no mundo, e, de fato, no nosso país o tratado revolucionário foi estudado e debatido, artigo por artigo, para que não ficassem dúvidas.
A discussão por deficiências, superada, deu espaço ao debate sobre os direitos e o exercício da cidadania em todas as àreas e setores, com os apoios necessários. Avançamos ainda mais e passamos da fase do por que fazer para o como tornar possível e viável “inclusão, acessibilidade e desenho universal”. Reforço que fator importante foi a força de Constituição garantida pelo quorum qualificado, que transformou a CDPD em um instrumento poderoso para a sociedade civil e os três poderes.
É fato que a sociedade brasileira está envolvida diretamente com a deficiência, pois são 25.000.000 de brasileiros e suas famílias, assim como é fato que devido a falta de informação e incentivo à cultura assistencialista da exclusão, a grande maioria ainda desconhece os seus direitos, como por exemplo, o direito indisponível e inegociável à educação que promove inclusão e avanços com igualdade de condições e oportunidades; dessa falta de informação muitos se valem na tentativa de restringir direitos.
Logo depois da promulgação da CDPD através do decreto legislativo No 186 /2008 e posteriormente pelo Dec executivo nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, a necessidade de regulamentação foi levantada com a grande preocupação de manter a Convenção como único norte, para não permitir qualquer retrocesso, e tão somente para garantir com especificações os direitos já expostos com clareza no tratado internacional.
Por isso volto ao art 24 que trata da EDUCAÇÃO, por que o texto legal não tem lacunas. Por mais que seja discutido e mesmo que regulamentado não poderá deixar de abordar a educaçao dentro do conceito da inclusão educacional, que é obrigação de fazer na CDPD. Nesse sentido o foco estará sempre no como fazer por que o direito é adquirido, nesse sentido maiores especificações no tocante ao descumprimento da norma legal podem ser cabíveis, como por exemplo punição para gestores públicos que mantenham alunos confinados em classes especiais, em ações de desobediência legal.
Criminalizar a falta de acessibilidade com as devidas punições seria um avanço para o Estado brasileiro e um grande benefício para a sociedade.
Regulamentar sim, na medida do necessário, com o reconhecimento da nossa Lei maior, que não está sujeita a interpretações ambíguas como se pretende fazer parecer. A CDPD é Constituição e como tal deve ser tratada. Não precisamos inventar a roda ; é necessário conhecimento sobre a matéria, delicadeza no trato e firmeza suficiente para assumir posições em concordância com os direitos adquiridos. Direitos humanos são inegociáveis!
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Fonte: a autora.