Christiane S. Aquino Bonomo
Diego Zancan Bonomo
No Brasil, “lobby” é uma expressão carregada de conotação negativa. Para a maioria das pessoas, ela expressa condutas condenáveis – e às vezes ilegais – junto a funcionários de governo. Pode significar tanto a relação clientelista entre uma empresa e um órgão público, quanto atos de corrupção.
Nos EUA, contudo, lobby nada mais é que a defesa – legítima – de um interesse particular junto ao governo. De fato, trata-se de direito constitucional desde 1791. O direito que todo cidadão norte-americano tem de peticionar seu governo foi incluído na Constituição dos EUA na mesma emenda que assegurou a liberdade de expressão. Por essa razão, o lobby é parte essencial da democracia norte-americana, refletindo a possibilidade de cada indivíduo lutar por aquilo que julgar justo ou de seu interesse.
Essa defesa de interesses, no entanto, parece sempre estar associada a recursos financeiros. Decorre daí o fato de que a maioria das pessoas enxerga o lobby como a relação entre empresas e governos. Nada poderia ser mais falso. Tanto no Brasil, quanto nos EUA, a atividade de lobby é realizada por diversos segmentos da sociedade: de entidades e grupos empresariais a movimentos sociais; de organizações não-governamentais (ONGs) a igrejas.
Desde 2010, há, nos EUA, um grande esforço de lobby para promover a aceitação e a integração das pessoas com síndrome de Down na sociedade norte-americana. A iniciativa, coordenada pela Sociedade Nacional da Síndrome de Down (NDSS, na sigla em inglês), não é conduzida por empresas, nem pela entidade, mas por familiares e pessoas com síndrome de Down – os chamados “auto-defensores” (self-advocates).
A síndrome de Down é a ocorrência genética mais comum da humanidade, incidindo em todas as camadas sociais, grupos étnicos e culturas. Nos EUA, 1 em cada 733 crianças nasce com a síndrome de acordo com dados do Centro para Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês). No Brasil, o número de nascimentos é semelhante.
A síndrome de Down é resultado de material genético adicional presente em parte ou em todas as células do indivíduo. Cada pessoa “típica” possui 46 cromossomos divididos em 23 pares, que contém toda a sua informação genética. No caso da pessoa com síndrome de Down, o material adicional se manifesta de três formas: um cromossomo a mais no par número 21 em todas as células; um cromossomo a mais no par número 21 apenas em algumas células; ou um pedaço do cromossomo do par 21 “preso” a outro cromossomo (em geral o do par número 14). A essas variações os geneticistas dão o nome, respectivamente, de não disjunção, mosaicismo e translocação. A primeira delas, a não disjunção, é a mais comum forma de síndrome de Down, com ocorrência em cerca de 95% da população.
Além de sua origem genética, a síndrome é associada a três características: hipotonia, isso é, flacidez muscular; definiciência cognitiva, geralmente moderada; e um fenótipo específico, ou seja, características físicas particulares. A mais percebida pela maioria das pessoas, embora não a única, são os olhos ameandoados, que confere a quem nasceu com essa condição genética um ar “asiático”. Por fim, a síndrome de Down está associada a maior ocorrência de diversas condições de saúde e à maior incidência de doenças. Exemplos são cardiopatias, problemas de visão (catarata), problemas de audição, hipo e hipertiroidismo, câncer (leucemia), Alzheimer, entre outras.
Por essas razões, a pessoa com síndrome de Down precisa ser tratada de forma diferenciada para, na sua diferença, ser aceita e ter direitos – e deveres – semelhantes ao das pessoas típicas. Isso inclui tanto o combate à discriminação, ao preconceito e à violência associada à condição genética; quanto os esforços de inclusão, que abragem temas diversos como assistência médica, apoio ao desenvolvimento (por meio de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, entre outras), educação inclusiva, integração ao mundo do trabalho, sociabilidade e planejamento patrimonial e financeiro.
Todos esses temas são objeto de constante debate pelos governos e entidades da socidade civil do Brasil e dos EUA – e refletem, naturalmente, as prioridades de cada grupo e o momento político e social de cada país. Nos EUA, por exemplo, o Congresso norte-americano discute a possibilidade de criar contas-poupança específicas para pessoas com deficiência livre da incidência de impostos, de modo que esses possam, junto com seus familiares e amigos, fazerem melhor planejamento patrimonial de modo a assegurar gastos futuros com educação, moradia, transporte e saúde. Já no Brasil, grande atenção tem sido dada à implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada no país com equivalência constitucional em 2008.
Foi nesse espírito de promover o debate sobre políticas públicas que a NDSS organizou, em 2010, o primeiro Buddy Walk em Washington, DC. O encontro anual foi criado para permitir que familiares e auto-defensores se reunissem na capital norte-americana para defenderem seus interesses nos diversos temas em discussão, isto é, para que fizessem lobby junto aos seus deputados e senadores a favor da criação de melhores instrumentos de integração da pessoa com síndrome de Down.
Em 2011, o Buddy Walk em Washington, DC reuniu cerca de 200 familiares e jovens auto-defensores, de 31 estados dos EUA, além de dois brasileiros. Os temas desse ano foram dois: planejamento patriomial e financeiro; e apoio ao financiamento de pesquisas relacionadas aos efeitos que o cromossomo adicional do par 21 traz para quem nasce com a síndrome, conduzidas por institutos públicos.
A iniciativa, inspiradora, toca a todos os participantes e agentes públicos, tanto pela importância das questões tratadas, quanto pelo fato de demonstrar a capacidade de articulação das pessoas com síndrome de Down de se organizarem na defesa de seus próprios direitos.
Quem participa, passa a acreditar um pouco mais na humanidade e no futuro.
Christiane S. Aquino Bonomo, 34, é diplomata, atualmente lotada na Embaixada do Brasil em Washington.
Diego Zancan Bonomo, 29, é internacionalista e Diretor Executivo da Brazil Industries Coalition (BIC), em Washington.
Os autores são pais de Vito, 8 meses, nascido com síndrome de Down. Participaram do Buddy Walk 2011.