A pesquisa é parte do projeto Pelo Direito de Viver com Dignidade realizado pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) em parceria com a ICCO&Kerk in Actie e a Secretaria de Direitos Humanos do governo federal.
A pesquisa “Pelo Direito de Viver com Dignidade”, realizada em parceria pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) com a Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (ANCED), cujos resultados aqui são apresentados, é uma iniciativa inédita e ousada, que se propõe a abordar um tema de difícil enfrentamento e cujas estratégias ainda não se encontram claramente definidas por parte dos poderes públicos: o fato de que existem adolescentes vítimas de homicídio durante o cumprimento de medida socioeducativa dentro de unidades de internação.
A partir da aprovação da Resolução nº 119/2006 do Conselho nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que instituiu o documento referencial intitulado Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, foram obtidos diversos avanços em relação a essa política, de natureza essencialmente intersetorial. Registramos, nesse sentido, a importância do SINASE ao estabelecer, desde a formulação de padrões arquitetônicos mais adequados para as unidades de internação, até o investimento na qualificação dos programas pedagógicos e das equipes técnicas que atuam junto aos adolescentes, por meio de cursos de formação presenciais e à distância, tendo em vista a garantia integral dos direitos desse segmento, bem como o respeito à condição de sujeito de direitos e em condição peculiar de desenvolvimento.
Há ainda, todavia, muito a ser feito, uma vez que, infelizmente, não são raras as denúncias de maus-tratos, condições inadequadas de habitação, garantia da convivência familiar e comunitária e, ainda, falta de alternativas pedagógicas para o cumprimento das medidas socioeducativas em conformidade com o que dispõe o ECA, especialmente em relação aos espaços de privação de liberdade de adolescentes. Nesse sentido, reconhecendo-se os avanços, mas também os desafios a serem enfrentados pela gestão pública na área da adolescência em conflito com a lei, a proposta da pesquisa ora apresentada foi, mais do que proceder a uma quantificação das mortes
ocorridas, lançar luzes sobre essa problemática, retirando da invisibilidade as vítimas dessa tragédia. Procurou-se, outrossim, conhecer sua trajetória e os caminhos que as levaram a um fim tão precoce. Desse modo, foram realizadas entrevistas com diversos sujeitos, dentre os quais familiares, atores envolvidos com o atendimento de adolescentes e até mesmo gestores de estabelecimentos de internação. Isso, por si só, já representou um grande desafio aos pesquisadores envolvidos, dado que em algumas localidades, não foi possível obter informações oficiais acerca dos homicídios, indicando que o número de mortes pode ser ainda maior.
Se o estudo aponta uma série de questões que se relacionam às causas dessas mortes que ainda precisam ser mais bem aprofundadas, cumpre reconhecer também que o estudo aponta, objetivamente, para a falta de providências pelo poder público que assegurem a integridade física e psicológica dos internos de sistemas de meio fechado como uma das causas mais relevantes. Daí a necessidade de adoção de medidas mais contundentes voltadas ao enfrentamento de situações como a superlotação de unidades de internação, posto que alguns bizarros resultados dessas situações são, via de regra, conflitos, precarização do atendimento (inclusive com prejuízo às atividades de pedagógicas, de educação, saúde, cultura e lazer) e mortes. Vivemos um momento em que diversas pesquisas apontam para o crescimento da letalidade entre adolescentes e jovens brasileiros – o Mapa da Violência 2011 informa que mais de 60% das mortes na população jovem (15 a 24 anos) são por causas violentas, e dessas, quase 40% são homicídios. Os dados do índice de Homicídios na Adolescência, por outro lado, avaliou 267 municípios do Brasil com mais de 100 mil habitantes e chegou a um prognóstico alarmante de que o número de adolescentes de 12 a 18 anos assassinados entre 2006 e 2012 ultrapasse a marca de 33 mil mortos.
Nesse diapasão, o presente trabalho contribui para a formulação de uma política ampla de enfrentamento da violência letal. Essa deve levar em consideração os adolescentes privados de liberdade e que se encontram sob a tutela estatal, já marcados por uma trajetória de vida de violações de direitos. Daí porque necessárias se fazem ações de efetivo enfrentamento, que contemplem a dimensão da responsabilização de gestores pelas mortes ocorridas e estratégias de prevenção de novas vítimas. Busca-se, assim, garantir o direito de cada adolescente à sua integridade física e emocional, e para que a ação de responsabilização dos adolescentes por atos infracionais cometidos seja um processo que marque o início de uma nova trajetória de vida, mais saudável, emancipatória e repleta de perspectivas.
Carmen Silveira de Oliveira
Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente