Por Valéria Dias, da Agência USP
Vínculos sociais, como relações com vizinhos, amigos, família, entidades assistenciais, e acesso a serviços públicos, como creches e escolas e até a convivência em ambientes universitários são determinantes para famílias que moram em favelas terem mais possibilidades de alcançar melhores condições de vida. “Quanto mais rico for o universo relacional do morador da favela, maior será a chance de ele melhorar suas condições de vida”, destaca a jornalista e cientista social Maria Encarnación Moya Recio, que estudou o tema em seu doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Maria Encarnación conta que a ideia da pesquisa surgiu ao participar de um projeto sobre pobreza urbana coordenada pelo professor Lúcio Kowarick, da FFLCH, quando acompanhou, durante um tempo, famílias moradoras de comunidades pobres. “Eu queria entender como e por que algumas tinham melhorado de vida e outras permaneciam em situações crônicas de pobreza”, explica a pesquisadora, que também estudou o tema no mestrado. A tese foi defendida em agosto de 2010 sob orientação do professor Eduardo Cesar Leão Marques.
Local mais pobre da favela: esgoto e habitações precárias
Maria Encarnación acompanhou, de 2000 a 2010, a trajetória de vida de cinco famílias da favela Vila Nova Jaguaré, na zona Oeste da Capital. Esses núcleos familiares iam dos “mais pobres”, que moravam em um barraco de madeirite no pior lugar da favela, junto a linha do trem, até as “mais ricas”, que moravam em um sobrado com laje no melhor lugar da favela.
“Favela não é só o lugar dos mais pobres, ou de pessoas em situação de pobreza; o que realmente caracteriza morar ali é a precariedade habitacional e da infraestrutura sanitária”, aponta. Em 2006, a Prefeitura de São Paulo iniciou um projeto de urbanização da favela Vila Nova Jaguaré e algumas das famílias que participaram da pesquisa estavam cadastradas para recebimento de apartamentos. “Os moradores sofrem com o esgoto a céu aberto, o frio e calor excessivos e a intensa umidade. Atualmente, algumas das famílias entrevistadas já se mudaram para os novos lares, e isso melhorou muito a condição de suas vidas”, destaca.
Creche e amigos
As duas famílias mais pobres moravam em barracos de madeirite às margens da linha do trem. A primeira era formada por uma mulher que sabe ler e escrever e seus três filhos. Ela trabalhava como auxiliar de limpeza, mas saiu do emprego quando a empresa mudou para um lugar distante, pois não queria deixar os filhos, ainda pequenos, muito tempo sozinhos. “Neste caso, um dos problemas foi a falta de uma creche em horário integral ou de alguém que pudesse tomar conta das crianças”, conta. “A mulher tinha certeza absoluta que conseguiria outro emprego mas, apesar de alfabetizada, teve de trabalhar como catadora de papelão. Quando surgiu oportunidade de trabalho integral, não quis aceitar, pois a filha estava entrando na adolescência e não quis deixá-la sozinha na vizinhança, depois do período escolar, pois temia que a jovem engravidasse. Mas como precisava sair para recolher papelão, a filha acabou engravidando aos 13 anos, de um vizinho, adulto, que fugiu”, conta.
A outra família era formada por um casal que estava em seu segundo casamento e pela filha da mulher. Eles também residiam nas margens da linha do trem. Ele era interior da Bahia e, mesmo analfabeto, está há dez anos na mesma empresa, como auxiliar de limpeza, com registro em carteira. Passava temporadas na Bahia, onde ajudava familiares. Ele pedia demissão, mas quando retornava os ex-colegas o indicavam e conseguia o emprego novamente. Quando sofreu um acidente, recebeu seguro saúde. Como demorou para receber o benefício, obteve empréstimo com um colega de trabalho. “Ao contrário da mulher da trajetória anterior este homem era analfabeto, mas sempre conseguiu emprego com carteira assinada por meio da influência de amigos, que também o ajudaram quando ele se acidentou”, explica Maria Encarnacion.
Educação
A terceira família tem uma condição de vida melhor, quando comparada aos dois casos anteriores. Trata-se de um casal de migrantes que vieram para a Capital, com dois filhos, no final da década de 1970. Com o passar dos anos, ela abandonou o marido, que queria voltar para a zona rural, e passou a sustentar a família sozinha. Atualmente, ela tem um “barzinho-bombonière” na favela. A filha, que mora na parte de cima da casa (de alvenaria) com a neta, de oito anos, trabalha em escritório, recebe um salário de R$2 mil e cursa universidade. “A mãe, e hoje avó, sempre investiu na educação e na aparência da filha, pagando curso de inglês e aparelho ortodôntico.” A matriarca tem ainda um filho, que saiu cedo da favela pra morar sozinho. Atualmente ele é empresário com um bom padrão de vida.
Entidades assistenciais
As outras duas famílias analisadas mostram a influência positiva de uma entidade assistencial, a Congregação de Santa Cruz, instituição católica que atua na favela há vários anos por meio de um projeto social.
A quarta família é de pessoas negras, uma mulher e seus três filhos. Viveu por mais de dez anos em um barraco de madeirite. Com a ajuda da filha, construiu uma casa em alvenaria com telhado de eucatex. Trabalhou como faxineira, babá e empregada doméstica e depois como cozinheira e pajem na Congregação de Santa Cruz. Uma das filhas cursou Pedagogia com a ajuda da mãe e trabalhou como pajem na congregação, mas pediu demissão para prestar concurso para professora. Em 2008, mudaram-se para um apartamento na própria favela, dentro do projeto de urbanização. “Hoje, seu sonho é concluir a faculdade, como a filha, e pagar INSS para ter direito a aposentadoria.”
A última família (casal e dois filhos) morava em um sobrado com laje na melhor região da favela. Os pais são lideranças locais e sempre exerceram atividades na Congregação de Santa Cruz. A mãe é formada em Pedagogia e a filha cursa uma faculdade de línguas e dá aulas no Senac. O filho estuda na Escola de Aplicação da USP e trabalha na Sabesp. O casal tem uma pequena mercearia dentro da favela.
Fonte: Agência USP