Cada história pode ser escrita de forma diferente

OCAS

Por Sara Lee
na Raça Brasil

Para Paschoal Piccinato Filho, de 49 anos, a vida fora da prisão também não seria nada fácil. O preconceito é grande. Saindo do presídio, ele passou três dias na rua até receber apoio da família de um dos médicos com quem fez amizade na enfermaria da penitenciaria. Tentou arrumar emprego, mas não conseguiu. Seus antecedentes criminais pesaram. E de ‘não em não’, Paschoal chegou até a Organização Civil de Ação Social (OCAS). Ele foi um dos primeiros em situação carcerária aceito na entidade sem fins lucrativos que existe em vários países com o mesmo objetivo: a inclusão social.

Paschoal perdeu os pais quando ainda era criança. Foi morar com parentes e, como em muitos casos, não se adaptou às regras da nova família e fugiu de casa. Morou nas ruas dos 12 aos 18 anos, dormia em cemitérios ou qualquer outro local que achasse seguro. Pior: conheceu as drogas e todas as suas consequências ruins. Logo, partiu para o crime. “Eu tinha acesso maior à criminalidade por ser branco de olhos claros, isso era usado a meu favor para passar pelas barreiras policiais quando transportava drogas. Por causa a minha aparência física, não era parado pelas autoridades tão facilmente, coisa que já não acontecia com os meus parceiros negros. No Brasil, infelizmente, se você for branco, pode estar com um fuzil na mão que ninguém olha, mas se for negro pode estar com a carteira de trabalho assinada no bolso que você é parado”, conta.

Aos 22 anos, viu no casamento a primeira tentativa para largar a criminalidade. Deixou de praticar crimes e decidiu que seria “apenas” um usuário de drogas. O uso contínuo e a exposição, porém, o deixaram vulnerável. As prisões começaram. A princípio, ele resolvia tudo na base da fiança. Até que um dia o dinheiro não foi suficiente para pagar um ‘acerto’ de alto valor e ele foi parar em um presídio. Lá dentro, trabalhou como cozinheiro, faxineiro e enfermeiro. Logo depois foi transferido para a penitenciária de Pirajuí, onde sofreu um acidente de trabalho. Quebrou a perna, precisou ser operado e colocar platina, sem ter a seu favor o tempo e o tratamento necessário para sua recuperação. Em outra transferência, teve a perna propositalmente quebrada no mesmo lugar por um dos guardas. Com o tempo ela foi diminuindo devido ao deslocamento do osso e, sem um acompanhamento médico, Pachoal ficou deficiente físico e hoje depende de muletas para se locomover. Ao todo, foram 15 anos cumprindo pena, sentindo na pele as péssimas condições dos presídios brasileiros, ainda piores para quem tem problemas físicos. E veio a promessa: “Se ficasse vivo, nunca mais voltaria para a prisão. Decidi que queria parar com tudo, meus vícios, bebidas, drogas, cigarro… Perdi 15 anos da minha vida”, afirma.

Da OCAS para a USP

Na entidade, Paschoal se reergueu como cidadão através de um bem-sucedido sistema de compra e venda de revistas que funciona como instrumento de resgate da autoestima dos vendedores, que se tornam agentes de sua própria transformação. Funciona assim: o interessado vai até a Ocas, se cadastra e passa por um treinamento de capacitação. Depois, pega certo número de revistas para começar a vender e, assim, vai fazendo suas economias e melhorando a sua situação. Cada revista sai por R$ 5,80, sendo que o vendedor fica com 4 Reais. O restante do valor volta para ajudar da manutenção do projeto, além de oficinas e outros benefícios que os próprios vendedores podem usufruir.

Com o dinheiro que Paschoal conseguiu, mais uma carta de apresentação da entidade, conquistou uma bolsa parcial de estudos na Microsoft. “Busquei empregos e formas para estudar ainda mais, a ponto de participar de alguns projetos sociais até me tornar professor virtual de Direitos Humanos dentro da Universidade de São Paulo (USP) e técnico de informática. Com a experiência adquirida, fiz parcerias com diversas ONGs e implantei o sistema informatizado na Ocas de São Paulo para que as pessoas em situação de rua pudessem aprender informática”, diz, com orgulho. Seu histórico de vida e sua vontade de se tornar uma pessoa melhor o levou a ser conhecido internacionalmente, com entrevistas para a Homelles internacional do cantor Phill Colins. Ele foi recebido até pelo Papa. Agora, Paschoal luta para tirar do papel um projeto sobre inclusão social em relação a questão carcerária no Brasil.

DADOS DAS RUAS
Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em 2009, aponta o total de 13.666 pessoas em situação de rua somente em São Paulo (70% são do sexo masculino e se concentram mais na parte central da cidade, como a Praça da Sé e a República), que se dividem entre moradores e acolhidos. Moradores de rua são definidos como pessoas que não tem moradia e que pernoitam em ruas, praças, calçadas, jardins, embaixo de viadutos, terrenos baldios e áreas externas de imóveis. Os acolhidos também não têm moradia, mas passam a noite em albergues ou abrigos. O livro O outro lado da noite, de Cassio Giorgetti – que foi diretor de uma casa de convivência – aborda 3 perfis básicos de moradores de rua. São eles:

CARROCEIRO OU CATADOR
é aquele que busca alguma forma de subsistência, nem sempre é catador ou carroceiro, pode fazer pequenos bicos ou mesmo ter um trabalho, mas não ganha o suficiente para manter uma moradia, apenas para comprar um sabonete, um sapato, uma camisa…

CAÍDO
referência aos que já estão muito comprometidos pelo vício do álcool, crack e, atualmente, também do oxi. Esse tipo de morador já não pode mais se virar sozinho e vive de assistência.

HOMEM DO SACO
esse já perdeu a capacidade de se relacionar com as pessoas, sofre de doenças psiquiátricas, às vezes, se veste com sacos plásticos, quase sempre fala sozinho e reage com agressividade à tentativa de aproximação.

(…)

Leia a íntegra da reportagem na revista Raça Brasil

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