Entrar na Casa do Zezinho é, antes de mais nada, experimentar um espaço vivo. Cada canto, sala, escada, ateliê ou pátio guarda uma história dos mais de 10 mil “zezinhos” que por ali passaram. Um verdadeiro labirinto, me arrisco no início da entrevista com a fundadora do lugar. “Não, um verdadeiro puxadinho”, corrige ela, revelando que aprendeu a técnica na favela.
“Não teria sentido algum eu construir um grande bloco, como são as escolas hoje em dia. A gente foi aumentando, juntando, formando um espaço muito parecido com o que eles têm como referência. E é por isso que eles se apropriam.”
É com essa vivacidade que, aos poucos, Dagmar Garroux, a Tia Dag, vai desvelando a pedagogia que há 18 anos vê florescer no centro educacional criado por ela. Localizada num dos distritos mais vulneráveis da cidade de São Paulo, o Capão Redondo, a Casa do Zezinho ocupa hoje quase um quarteirão e atende 1.500 crianças e adolescentes que, em sua maioria, não têm acesso aos serviços básicos para uma vida digna.
Quando pergunto à Tia Dag qual o balanço até agora de um projeto ambicioso como aquele, ela responde sem titubear: sucesso. “Posso dizer que 90% dos jovens que passaram por aqui foram para a faculdade ou abriram seu próprio negócio ou terminaram os estudos. Uma parte, perdemos para o tráfico ou roubo e ainda têm aqueles que estão entre o trampolim e o sonho.”
Educar para o mundo
“Ninguém pergunta aos alunos o que eles querem.”
Precursora da chamada “pedagogia do arco-íris”, Tia Dag defende que o segredo para qualquer educador é saber escutar o que o aluno tem a dizer. “No Brasil todos sabem o que querem os professores, os diretores de escola, gestores, mas ninguém pergunta aos alunos o que eles querem.” Na Casa do Zezinho, segundo ela, os educadores são convidados a usar os cinco sentidos, mas principalmente a audição. “É preciso escutar esses meninos para depois tentar uma mediação.”
Além desses elementos, a pedagogia do arco-íris tem como ponto central o desenvolvimento da autonomia de pensamento e de ação a partir de quatro pilares da educação: Ser (Espiritualidade), Conhecer (Ciências), Saber (Filosofia) e Fazer (Arte). “Educar para o mundo, para a realidade não é uma tarefa fácil, envolve uma porção de coisas que a escola não tem dado conta”, admite.
Apesar da constatação, a Casa do Zezinho mantém uma relação bem próxima com a escola e as famílias dos “zezinhos”. O acompanhamento inclui visitas e reuniões, além do monitoramento do desempenho dos alunos em sala de aula. Para Tia Dag, esse diálogo é fundamental para entender e acolher as dificuldades que eles enfrentam.
A outra margem
“Se no passado os rios da cidade foram usados para ampliar o Brasil, hoje eles servem para reduzi-lo e separá-lo. Quem está do lado de lá da ponte vive uma vida muito diferente de quem está entre as margens. A ponte divide os ricos dos pobres”, reflete Tia Dag sobre as divisões geográfica e social da capital paulista, que é cortada pelos rios Pinheiros e Tietê, barreiras naturais que separam a parte rica da periferia da cidade.
Além de ser considerado um dos distritos mais violentos da cidade (dados do primeiro semestre de 2011 o colocam como o terceiro em número de homicídios), o Capão Redondo sofre com a ausência de teatros, museus e casas de shows, além da falta de equipamentos culturais públicos. Sem ofertas e com uma demanda cada vez maior, os moradores dependem de iniciativas próprias ou das organizações que atuam na área para ter acesso à cultura.
“É o Cinema na Laje, o Ferréz, os saraus, o Hip Hop, tem algo muito interessante acontecendo nos últimos anos no Capão. O resto da cidade precisa saber que a criatividade leva à força e à coragem e que, em algum momento, essas pessoas – que são a maioria em São Paulo – vão querer mais”, sinaliza.
Ela é categórica ao afirmar que se nega a chamar a favela de comunidade. “Uma comunidade tem endereço, ruas, praças, casas, energia elétrica, saneamento básico. Favela tem beco, esgoto, barraco, umidade. Agora me diz: dá pra chamar favela de comunidade?”
Dagmar ou Tia Dag
“Os pedagogos vão dizer que está errado, que não pode chamar de tia, mas olha, se eu considerar que todos vivemos na Terra, que é a nossa mãe, posso dizer que somos todos irmãos, primos, tios. Então não há problema algum em ser a Tia Dag. Eu nem ligo mais pra isso, mas tem gente que ainda pega no pé”, afirma sobre a polêmica do apelido.
Mais de 10 mil “zezinhos” já passaram pelo centro educacional.
Aos 56 anos, Dagmar parece incansável. “Uma das nossas prioridades agora é a Ecocabana. Você já visitou?” A construção, que leva garrafas PET recheadas de sobras de materiais das aulas dos “zezinhos”, foi erguida com a ajuda de pais que estavam desempregados e é a nova aposta em educação ambiental da Tia Dag.
E não parece ser a única. A lista de ideias e projetos que ela carrega indica que não há intenção de parar tão cedo. “Não penso mesmo. Aliás, pode anotar aí: ainda tenho muito o que fazer como educadora.”
Fonte: Portal Aprendiz