Por Mônica Pileggi
da Agência FAPESP
As informações geradas pelos avanços da genética podem abalar alguns dos valores mais importantes da sociedade. Com isso, torna-se necessária a reflexão sobre dilemas e questionamentos éticos criados pelos avanços na área, como a possibilidade de análise do genoma humano a um custo cada vez mais acessível.
É o que pretende o livro GenÉtica: Escolhas que nossos avós não faziam, escrito pela geneticista Mayana Zatz – coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP –, lançado na semana passada na capital paulista.
“Acredito que as questões éticas que descrevo no livro serão cada vez mais relevantes para toda a população”, disse a autora à Agência FAPESP. A obra, cuja ideia surgiu de um bate-papo entre ela e o médico Drauzio Varella, reúne alguns dos conflitos vivenciados pela cientista e que levantam percalços legais e éticos decorrentes da genética.
“Cada vez mais é possível descobrir algo com o DNA. E o que é feito a partir dessa informação pode, ou não, ser benéfico. Há um vazio legal em diversas questões da genética, cuja discussão é importante”, ressaltou.
GenÉtica é voltado tanto para especialistas que atuam nas áreas de genética e bioética como ao público geral. Cada capítulo descreve uma nova situação, que tem por objetivo levar o leitor a refletir sobre o uso da informação genética e seus limites.
Ao todo, são 13 capítulos que abordam temas com questões conceituais que dificultam a aplicação de normas, como os princípios da privacidade e da confidencialidade, a escolha seletiva de embriões, a clonagem humana e os testes de DNA.
“As pessoas têm a impressão de que, para estudar o DNA, é preciso coletar o sangue. Mas deixamos nosso DNA por todo lado, como, por exemplo, no copo e nos talheres que usamos. A questão é: a quem pertence esse DNA?”, disse Zatz.
No livro, a cientista cita como exemplo o caso do menino conhecido como Pedrinho, sequestrado em Brasília na maternidade. Na mesma época em que o caso veio à tona, suspeitou-se que Roberta, sua suposta irmã, também pudesse ter sido sequestrada por Vilma, mãe adotiva do menino.
“Porém, ao prestar depoimento na polícia, Roberta – que não queria saber se Vilma era ou não sua mãe verdadeira – descartou restos de cigarro. A partir da análise daquele material foi possível fazer o exame de DNA e confirmar que ela também não era a filha biológica de Vilma.”
“E o direito dela de não querer saber? Vários juristas dizem que isso é perfeitamente legal, que aquele DNA não lhe pertencia mais”, ressaltou Zatz.
A geneticista também chama a atenção para o debate ético sobre a identificação precoce de genes que aumentam a predisposição para doenças – entre as quais certos tipos de câncer, hipertensão e males cardíacos – e os impactos da seleção do sexo em larga escala, como na China e na Índia, onde a proporção de homens é maior que a de mulheres.
“Hoje discutimos sobre isso. Mas, em um futuro próximo, os casais poderão escolher uma criança com olhos de determinada cor, habilidades para esportes ou mais inteligente”, disse.
A obra conta também com uma seção bibliográfica, para quem desejar se aprofundar nos temas abordados, e outra com explicações sobre os termos técnicos citados nos textos.
“O livro é para as pessoas notarem o que está acontecendo. Essa provocação é importante para mostrar a realidade, pois o que se fala na teoria é muito bonito, mas na prática a teoria é outra”, afirmou.
Fonte: Agência Fapesp