Na Nova Zelândia, grupo de pais busca frear o "genocídio" de pessoas com síndrome de Down

Rebecca Sullivan, filha de Mike
Rebecca Sullivan - www.savingdows.com

Por Patricia Almeida

Enquanto a evolução da ciência avança na direção de novas terapias que poderão melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas com síndrome de Down em todo o mundo, como visto recentemente na matéria da revista do jornal The New York Times “Um medicamento para a síndrome de Down” Link abrirá em uma nova janela ou aba., a mesma ciência põe em risco milhões de novas vidas de bebês em gestação com a trissomia.

Para fazer frente ao que qualifica como “extermínio” de bebês com síndrome de Down antes do nascimento, o grupo Savingdowns, da Nova Zelândia, entrou com queixa contra o país no Tribunal de Justiça Internacional em Haia, na Holanda.

Segundo o grupo Saving Downs, o novo programa de triagem pré-natal financiado pelo governo neozelandês identifica gravidezes de bebês com síndrome de Down que são encaminhadas para o aborto seletivo. (O aborto é permitido na Nova Zelândia)

Formado por pais e irmãos de pessoas com síndrome de Down, o Saving Downs tem a missão de defender a vida das pessoas com síndrome de Down, desde a concepção até a morte natural, para que sejam livres de qualquer forma de discriminação. O aborto seletivo é o que chamam de “cúmulo da discriminação”.

A Inclusive entrevistou Mike Sullivan, um engenheiro civil autônomo e professor de Yoga, que é o porta-voz da Savingdowns. Ele vive em Whangarei, Nova Zelândia, com a mulher Rae e Rebecca, filha de três anos que tem síndrome de Down. Mike apareceu no recente documentário “Down, mas não para fora” sobre a ameaça e os efeitos sociais que a triagem pré-natal tem representado para a comunidade de pessoas com síndrome de Down.

Por que você acha que o governo está impedindo os bebês com síndrome de Down de nascer?

Ignorância, medo, preconceito e razões econômicas. Há uma presunção falsa de que as pessoas com síndrome de Down têm menos valor e são menos humanos do que os outros. Por isso elas são direcionadas para o aborto seletivo. Esta noção é basicamente fundada na ignorância e no medo.

Em última análise, é uma questão econômica. Em um relatório para a Unidade Nacional de Triagem Neonatal da Nova Zelândia há uma passagem que é autoexplicativa “O custo econômico da triagem compensam os recursos elevados associados às necessidades de cuidados ao longo da vida de um indivíduo com síndrome de Down”. O governo investe US$ 75.000 para detectar cada bebê com síndrome de Down no útero. Quaisquer problemas médicos que podem exigir cuidados seriam detectados no pré-natal, que é centrado na vida. O governo está investindo para evitar nascimentos por razões econômicas.

Como o movimento começou?

Tudo começou a partir de uma discussão no blog Upsideofdown iniciada por De-Anne Jensen. De-Anne é uma das co-autoras da denúncia ao Tribunal de Justiça Internacional (TPI). Esta foi a sua primeira mensagem sobre o assunto no Upsideofdown:

Eu estava em um show para famílias ontem e fui abordada por uma mulher que estava com seu filho de 9 meses de idade com ela.

Primeiro ela me perguntou se eu estava “procurando castigo” por ter uma “criança down” e em seguida, ter outro bebê. Eu brinquei e disse: Eu adoro me manter ocupada, e o James  continuava correndo em círculos e eu tentando pegá-lo (faço isso para me manter em forma…).

Ela então me disse que teve uma “menina down”, mas decidiu não mantê-la. Então eu pensei que ela tivesse entregado a filha para adoção, mas na verdade ela foi induzida com 19 semanas e nasceu e, claro, a menina morreu. Quando eu perguntei se isso tinha acontecido na Nova Zelândia, ela disse com naturalidade: “sim, e você pagou pelo serviço” (o sistema de saúde na Nova Zelândia é público e gratuito).

Obviamente eu fiquei sem palavras (quem me conhece sabe que isso raramente acontece). Ela então admitiu que não houvesse procurado saber muito sobre as pessoas com síndrome de Down e ainda não sabia muito sobre o assunto. Ela só sabia que aquilo não era para eles e que não era justo para com seu outro filho. Que as pessoas com síndrome de Down não têm boa qualidade de vida e que todos eles têm problemas médicos. E ela me perguntou se eu tinha algum arrependimento, é claro que eu expliquei que James foi uma das coisas mais incríveis que eu já fiz na minha vida. Ela me perguntou se James teve problemas de saúde e eu lhe disse: “apenas seu coração santo!” Ela, então, foi embora e, olhando para James, disse: “ele parece com qualquer criança de 18 meses de idade, quase normal”.

Olhando pra trás, era quase como se ela estivesse esperando que eu a fizesse se sentir melhor pelo que ela fez. Mas na verdade aquilo me virou o estômago, porque ela estava explicando que  no final das contas sua filha não tinha quaisquer problemas de saúde e ela era tão bonita e transmitia uma paz (palavras dela). Eu teria revidado mas eu estava segurando meus dois filhos e o carrinho e combinei encontrar com Lance naquele lugar, então eu não podia ir embora! Eu não tinha ideia que isso fosse permitido na Nova Zelândia!

Agora estou com essa conversa presa na minha cabeça para sempre … e o pensamento de que esta mulher não tem ideia do que ela perdeu.

A mensagem levou o blog para uma discussão vibrante, já que a maioria de nós não tinha ideia do que estava acontecendo. Isso acabou por dar à luz um grupo de pais que agora trabalha junto contra a seleção genética utilizada para direcionar os bebês com síndrome de Down para o aborto seletivo.

Como surgiu a ideia de ir ao Tribunal de Justiça Internacional?

Inicialmente uma das nossas apoiadoras começou uma discussão em torno do uso da “eugenia”. Ela argumentou que era “genocídio”. “Geno” é para “constituição genética” em grego e “Cide” – latim para “matança de” – portanto, “genocídio” é a matança de pessoas com base em sua constituição genética. Então me deparei com o artigo sobre o genocídio e crimes contra a humanidade em relação às pessoas com deficiência, no e-notes, que me deu a ideia de levar o caso ao tribunal.

Baseados em quê vocês estão apelando para o Tribunal de Justiça Internacional?

Nossos motivos são violações dos artigos 6 e 7 do Estatuto de Roma através da perseguição de um grupo identificável da população civil (aqueles com síndrome de Down, identificados por seus 3 cromossomos  21) através de medidas que impeçam o seu nascimento.

Nosso argumento é que as pessoas com síndrome de Down são um grupo estável e permanente e, como tal, constitui o status de um grupo protegido. No acórdão do Tribunal De Justiça Internacional Akayesa, datado de 2 de setembro de 1998, relativo ao genocídio em Ruanda, a definição de um grupo protegido foi reconhecido para ser aplicado a qualquer grupo estável e permanente. O artigo 701 do referido juízo diz “A Câmara concluiu que era necessário, acima de tudo, respeitar a intenção dos redatores da Convenção sobre Genocídio, que, de acordo com trabalhos preparatórios, foi claramente de proteger qualquer grupo estável e permanente”.

Além disso, como as pessoas com síndrome de Down são geneticamente ligadas por ter em comum um terceiro cromossomo 21 e partilhar as mesmas características físicas, podem ser definidas tanto como um grupo étnico quanto racial: nos dois casos são pessoas distinguidas com base em características genéticas e físicas comuns, segundo qualquer definição de dicionário.

Vocês tentaram falar com as autoridades da Nova Zelândia antes de recorrer ao Tribunal De Justiça Internacional?

Vários contatos foram feitos diretamente com o Ministro da Saúde, que se recusou a reconhecer as nossas preocupações.

A questão foi levantada formalmente através da Comissão de Direitos Humanos da Nova Zelândia, que determinou que as pessoas com síndrome de Down não são protegidas nos termos do artigo 6 do Estatuto de Roma. Depois o assunto foi levado ao Diretor para Procedimentos de Direitos Humanos da Nova Zelândia. Ele também determinou que as pessoas com síndrome de Down não são protegidas nos termos do artigo 6 do Estatuto de Roma, mas indicou que se eles estivessem protegidos pelo Estatuto de Roma, o programa de triagem que facilitasse o aborto seletivo de tal grupo com base em sua identidade seria uma violação do Estatuto de Roma.

O Tribunal De Justiça Internacional foi convidado a se pronunciar sobre se as pessoas com síndrome de Down são protegidas como grupo permanente e estável de pessoas.

Você sabe a reação de seu governo com relação à queixa ao Tribunal Internacional?

Eles negam as nossas reivindicações.

O que vocês esperam com estas ações?

Esperamos que o tribunal exija que a Nova Zelândia suspenda a prática do aborto seletivo de pessoas com síndrome de Down, conforme previsto em suas obrigações sob o Tratado de Roma.

Há adultos com síndrome de Down envolvidos na campanha? O que eles pensam sobre isso?

Sim, mas não como signatários da queixa. Como Alex Snedden (entrevistado com síndrome de Down) disse no documentário Down, mas não fora: “Não tenham medo!”

O que defensores dos direitos humanos podem fazer para ajudar a causa?

Visitem o nosso web site www.savingdowns.com Link abrirá em uma nova janela ou aba. e a página “ajudem-nos a salvar vidas”. Fiquem amigos e “curtam” nossa página no Facebook “Saving Down Syndrome”. Ponham a boca no trombone e promovam a vida de todas as pessoas, perfeitas como elas são.

Fonte: Inclusive

In New Zeland, parents try to stop “genocide” of persons with Down syndrome

As science advances towards new therapies that will improve the quality of life of millions of people with Down syndrome worldwide as seen on the recent story on The New York Times Magazine, “A drug for Down syndrome”, the same science puts at risk millions of lives of unborn babies with the genetic occurrence.

A group of parents and siblings of people with Down syndrome was formed in New Zealand in response to the Government’s new state funded eugenic antenatal screening programme that targets and identifies unborn children with Down syndrome for selective abortion. Saving Downs advocates for the life of people with Down syndrome from conception to natural death and for them to be free from any form of discrimination. According to them, elective abortion is the ultimate discrimination.

Inclusive interviewed Mike Sullivan, a self employed civil engineer and a yoga teacher, who is the spokesman for Saving Downs. He lives in Whangarei, New Zealand, with wife Rae and daughter Rebecca, who is 3 and has Down syndrome. He was featured in the recent 60 Minutes documentary “Down but not out” about the threat antenatal screening is to the Down syndrome community.

Why do you think the government is trying to avoid babies with Down syndrome from being born?

Ignorance, fear, prejudice and economics. There is a false presumption that people with Down syndrome are of less value and less human than others so they are targeted for selective abortion. This is basically founded in ignorance and fear.

Ultimately it is about economics. In a report for the New Zealand National Screening Unit there is the self explanatory statement “The economic costs of screening outweigh the high costs associated with the long care needs of an individual with Down syndrome”. The government invests $75,000 to detect every baby with Down syndrome in-utero. Any medical issues that may require care would be detected in standard antenatal care that is focussed on life. The government is investing to avoid births for economic reasons.

How did the movement begin?

It began from a blog discussion on upsideofdown started by De-Anne Jensen. De-Anne is one of the co-complainants to the International Criminal Court (ICC). This was her initial post on upsideofdown:

I was at a family show yesterday and was approached by a woman, and she had her 9 month old son with her.

First she asked me if I was a sucker for punishment for having a ‘downs kid’ then having another baby close after. I joked and said, I love keeping busy, and because James kept bolting it and I was trying to catch him (I do this to keep myself fit of course).

She then went on to tell me she had a “downs girl” but decided not to keep “it”. So I thought she adopted her out, but, actually she was induced at 19 weeks and birthed the little girl and of course the girl died. When I asked her if it was in this country, she said matter of factually “yes if you pay for it yourself”.

Naturally I was speechless (anyone who knows me knows this doesn’t normally happen).
She then admitted they hadn’t found out much about people with Down syndrome and don’t know much about it. She just new it wasn’t for them and not fair on their other child, and that people with Down syndrome don’t have a quality of life and they all have medical problems. And she asked me if I had any regrets, which of course I explained that having James was one of the most amazing things I’ve ever done in my life. She asked me if James had medical problems and I told her just his holy heart! She then departed with looking at James then said “he just looks like every other 18 month old out there, almost normal”.

Looking back it was almost like she was waiting for me to make her feel better about what she did. But actually it just made me sick to my stomach because she was explaining that her daughter actually didn’t have any medical problems after all and she was so beautiful and peaceful looking (her words). I would have bolted but I was holding both my kids and the pram and agreed to meet Lance in that spot so I couldn’t go! So I had no idea this was allowed in New Zealand?

So now I’m stuck with this conversation in my head for ever……and the thought that this woman has no idea what she missed out on.

That blog lead to a vibrant discussion as most of us had no idea what was going on. This eventually gave birth to a group of parents who now work together to advocate against genetic screening being used for targeting unborn children with Down syndrome for selective abortion.

How did the idea to go to the International Criminal Court come about?

Initially one of our supporters challenged our discussions around the use of “eugenics”. She argued it was “genocide”. “Geno” Creek for “genetic constitution” and “Cide” – French for “the killing of” – therefore “genocide” the killing of people based on their genetic constitution. Then I came across the article on Genocide and Crimes Against Humanity in relation to the “Disabled” on e-notes and that gave me the idea to pursue it through the court.

In what grounds are you appealing to the International Criminal Court?

Our grounds are breaches of Articles 6 and 7 of the Rome Statute through the persecution of an identifiable group of the civilian population (those with Down syndrome, identified by their 3rd 21st Chromosome) through measures that prevent their birth.

Our argument is that people with Down syndrome are a stable and permanent group and as such falls within the status of a protected group. In the International Criminal Court’s Akayesa judgement, dated 2nd September 1998, relating to genocide in Rwanda, the definition of a protected group was recognised to apply to any stable and permanent group. Item 701 of that judgement states “The Chamber found that it was necessary, above all, to respect the intent of the drafters of the Genocide Convention which, according to the travaux préparatoires, was clearly to protect any stable and permanent group”.

Additionally, as people with Down syndrome are genetically linked through their commonality in having a third 21st chromosome and share the same physical characteristics they could be defined as both an ethnical group and a racial group, both of which relate to people distinguished on the basis of common genetically linked characteristics and physical characteristics under standard dictionary definitions.

Have you tried talking to the New Zealand authorities before that?

Numerous approaches have been made directly to the Minister of Health, who has refused to acknowledge our concerns.

The matter has been raised formally through the New Zealand Human Rights Commission, who has determined that people with Down syndrome are not protected under Article 6 of the Rome Statute. The matter was subsequently raised with the New Zealand Director of Human Rights Proceedings. The Director of Human Rights Proceedings also determined that people with Down syndrome are not protected under Article 6 of the Rome Statute, but indicated that should they have protection under the Rome Statute, then a screening programme that would ultimately facilitate the selective abortion of such a group on the basis of their identity would breach the Rome Statute.

The International Criminal Court has been asked to rule on whether people with Down syndrome are protected as permanent and stable group of people.

Do you know your government’s reaction to the complaint to the International Court?

They deny our claims.

What do you expect from these actions?

We expect that the court will require New Zealand to cease the practice of the selective abortion of people with Down syndrome as required under their obligations under the Treaty of Rome.

Do you have adults with DS involved in the campaign? What do they think about it?

Yes, but not as signatories to the application to the ICC. As Alex Snedden said on the recent 60 Minutes documentary “Down but not out” Don’t be afraid!

What can human rights advocates do to help?

Visit our web site www.savingdowns.com and the “help us to save lives” page. Be our friends and “like” us on our Facebook page “Saving Down syndrome”. Speak out and promote the life of all people, perfect as they are.

Source: Inclusive

4 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *