O conferencismo sequestra a democracia e insulta a inteligência

Por Fatima Oliveira
em O Tempo/Portal Geledés

Vendo a ocupação dos “Indignados” – protesto difuso, de início contra o sistema financeiro mundial – reli “O Medo: O Maior Gigante da Alma”, de Fernando Teixeira de Andrade (1946-2008): “É o tempo da travessia, e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

E matutei: são contra o capitalismo?

A data, 15 de outubro, foi escolhida para coincidir com um encontro do G-20, na França, para “encontrar meios de enfrentar a crise da dívida que se espalha na zona do euro”. O protesto é imputado ao não monolítico movimento “Indignados”, surgido há cinco meses, quando a praça Puerta do Sol, em Madri, foi ocupada por pessoas indignadas com o desemprego espanhol.

Do virtual caindo na real, brotaram, como cogumelos, “Indignados” no mundo, com ressonância maior nos Estados Unidos, que evoluíram para acampamento (Ocupar Wall Street). Para Thomas Coutrot, copresidente do Attac, “é um fenômeno promissor que busca renovar profundamente a forma de participação dos cidadãos na política, que já não querem mais confiar em políticos e partidos; cada um quer ter sua voz. Pode-se dizer que é uma volta às fontes da democracia”.

Emociona sentir o pulsar da indignação contra as desigualdades sociais. Fascinada pelo novo, vejo e leio tudo com atenção e avidez. Caminham para onde? Bate uma baita angústia…

Cá entre nós, compartilho uma angústia caseira e não menos indignada. Recorro a um poeta para expressá-la: “…Ouço então/ o mais calmo dos funcionários/ observar:/ ‘Eles estão em duas reuniões ao mesmo tempo’./ Há vinte reuniões por dia -/ e às vezes mais -/ temos que assistir./ Por isso somos forçados/ a em dois nos dividir!/ Uma metade está aqui,/ a outra/ lá longe./ Não pude dormir, assombrado./ A luz da manhã me colheu estremunhado./ ‘Oh! peço somente uma/ mais uma reunião/ para acabar com tantas reuniões!’” (Maiakovski, em “O Reunismo”).

Tal é o sentimento de desânimo diante do “conferencismo” ordinário e vulgar aqui instalado para abordar temas sociais mais afetos aos direitos humanos. Longe de mim ser contra espaços de discussões e proposições para garantir direitos! Que fique explícito: não sou contra conferências, mas o uso do formato conferência para “conferencismos” que não nos tiram do amassar “ad aeternum” o mesmo barro.

São conferências que não decidem nada e não mandam nada! Só listam recomendações a que, via de regra, nenhuma autoridade dá a menor pelota – e os conselhos das áreas também “não apitam nada”. Desconheço exceções nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal). Talvez existam, mas desconheço.

A indagação é: para que servem conferências (de saúde, mulher, igualdade racial etc.), uma enrabada na outra, sem que nunca os governos (nas três esferas!) prestem contas do “aproveitado” recomendado nas conferências passadas? Pior, é pecado perguntar! Alguém lembra do “GT de revisão da legislação punitiva sobre o aborto”, definido pela 1ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, em julho de 2004? Chore. Lágrimas de açoite…

Dá comichão ler um relatório final de tais conferências. A mesmice – velhas demandas diante do mesmo “muro de lamentações”! – impera a um ponto que parece xerox do anterior, como se da conferência resultasse um eterno monólogo inútil. E é! O que revela que o conferencismo insulta a inteligência e sequestra a democracia participativa por ser um jogo de faz de conta…

Fonte: O Tempo/Geledés

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