Por Bruno de Pierro
[Nota da Inclusive: esse atrapalhamento conceitual é fruto de mera trapalhada ou é caso pensado, debatido e sustentado por todo o CONADE?]
Está previsto para ser lançado, ainda este ano, o plano nacional de ações voltado para pessoas com deficiências. Gestado pela Casa Civil, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e mais 13 ministérios, o plano já foi aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), mas no momento passa por alguns ajustes;
A previsão de lançamento era setembro, mas a data foi adiada e a perspectiva é para novembro ou dezembro deste ano. No dia 19 de agosto, a ministra Gleisi Hoffmann havia informado, durante reunião no CONADE, que o programa seria baseado em quatro pilares: acesso à educação e trabalho, prevenção e tratamento; inclusão e promoção social; e acessibilidade física e tecnológica.
De acordo com informações da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da Secretaria de Direitos Humanos, algumas propostas, no entanto, estão sendo reavaliadas, e inclusive o nome oficial do plano nacional ainda não foi definido, o que tem gerado o atraso. O programa deverá contar com orçamento de R$ 11 bilhões.
Uma das questões centrais das discussões atuais se refere ao arcabouço legal para as pessoas com deficiência, que precisa, com urgência, de uma atualização para se adequar ao novo paradigma conceitual adotado há três anos no país. O grande marco legal é a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), ratificado, no Brasil, em 2008.
O documento, que tem força de norma constitucional, define deficiência a partir de uma abordagem funcional, levando em conta elementos externos e sociais, diferente da definição estritamente clínica presente no Decreto 3298, de 1999. O problema é que as leis e políticas existentes hoje ainda estão fundamentadas na antiga definição.
“Nossa legislação está defasada. Temos que pensar, agora, em avaliar uma pessoa, se ela é deficiente ou não, a partir do aspecto multidisciplinar, para se avaliar o contexto da pessoa diante da sociedade”, explica Moisés Bauer, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o CONADE, em entrevista ao Brasilianas.org.
Deficiente visual, Bauer também preside a Organização Nacional de Cegos do Brasil. “Eu só sou deficiente visual, porque a sociedade não está preparada para me dar, por exemplo, livros acessíveis; porque a cidade não está com as ruas e os sinais adaptados para que eu possa andar sozinho. Se a sociedade estivesse preparada com os equipamentos, e com os serviços adequados, para atender a todos, eu não sou deficiente, pois passo a fazer o que todos fazem”.
Confira os melhores momentos da entrevista.
Brasilianas.org – Quais são, hoje, os programas nacionais voltados para as pessoas com deficiência?
Moisés Bauer – O governo dispõe de dois programas voltados para a pessoa com deficiência: o Programa Nacional de Acessibilidade (PNA) e o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O primeiro tinha muita dificuldade de execução até o ano passado. Para 2010, foram destinados R$ 20 milhões, porém não foram executados nem R$ 4 milhões. São recursos destinados para infraestrutura urbanística nas cidades. O Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência também tem, segundo informações do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade*), recursos que não foram executados, por exemplo, na área de estruturação de conselhos de direito. Foram destinados no ano passado, apenas R$ 500 mil para a estruturação de conselhos, e foram executados apenas R$ 200 mil.
* Criado em 1999, o conselho é ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e é composto por 19 representantes do governo e outros 19, da sociedade civil. O principal objetivo é avaliar e articular políticas destinadas às pessoas com deficiência.
Como é feito o repasse dos recursos entre os entes federados?
A execução dos dois programa existentes pode ser tanto de União para Estados e municípios, quanto de União para instituições privadas. Principalmente o PNA é mais voltado para a esfera governamental, com repasses entre os entes federados. Mas o de promoção dos Direitos é feito, em parte, entre convênios com instituições privadas, como a AACD e a APAE.
Qual o Marco Legal atual?
O grande Marco Legal para as políticas para deficientes é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), que no Brasil foi ratificada, em 2008, de forma nacional e amplificada, e, portanto, tem força de norma constitucional, ou seja, é como se passasse a integrar nossa Constituição. Antes, em 2006, o Brasil assinou o Tratado Internacional, para então ser ratificado, depois de tramitar no Congresso Nacional e ser aprovado por uma maioria de mais de três quintos dos congressistas.
Como era antes?
Antes nós tínhamos a Constituição de 1988, que já tem algumas regras definidas sobre deficiência, e a legislação ordinária bastante esparsa. Uma primeira lei, de 1989, que é a lei nº 7853/89, que define diretrizes para as políticas públicas das pessoas com deficiência. Mas os direitos das pessoas com deficiências não estão apenas nessa lei. Eles aparecem, depois, por exemplo, na lei nº 8213, de 1991, que é uma lei previdenciária que fala, por exemplo, da cota para o mercado de trabalho. Depois, em cada área, como Saúde, se inseriram normas específicas para as pessoas com deficiência. São várias leis esparsas.
Explique qual o problema enfrentado hoje, a respeito da nova concepção de deficiência, e a razão da defasagem na legislação.
Nós temos, com as leis que surgiram na década de 1990, muitos direitos assegurados em decretos. Há dois, em especial, que regulamentam a Lei Ordinária, que detalham bastante o direito da pessoa com deficiência. É o Decreto 3298, de 1999, que regulamenta a lei nº 7853, e o Decreto 5296, de 2004, conhecido como o Decreto da Acessibilidade e que regulamenta as leis nº 10048 e nº 10098, ambas de 2000. São duas leis importantes para pessoas com deficiência, que falam de atendimento prioritário e acessibilidade nos transportes coletivos, vias públicas, nos sites, nos meios de comunicação, estádios de futebol, casas de teatros etc.
Em termos de legislação, como há esse novo conceito, precisa-se de alterações nas leis, pois a legislação está inadequada pela convenção de 2008. A nossa legislação está defasada. Nós temos que pensar, agora, em avaliar uma pessoa, se ela é deficiente ou não, a partir de um aspecto multidisciplinar, para se avaliar o contexto da pessoa diante à sociedade onde ela vive.
Eu, cego, aqui em Porto Alegre, onde vivo, tendo um sistema por voz no computador, podendo transitar por ruas acessíveis, com sinais sonoros etc., para o que traz a convenção de 2008, eu sou menos deficiente do que uma pessoa cega que está numa cidade pequena do interior, que não tem acesso a essas tecnologias e a um espaço público acessível. Ainda está se estudando isso, e como irá se conceituar esse novo paradigma, para, assim, sabe-ser como irá se normatizar. Há pesquisadores estudando isso na UFRJ e em São Paulo, para saber como aplicar uma metodologia para diagnosticar a deficiência nesse paradigma da funcionalidade.
De que maneira o conceito de inclusão, na educação, também passa a ser questionado, envolvendo discussões sobre escola regular e escola especial?
A convenção de 2008 fala que a educação das pessoas com qualquer deficiência deve ser inclusiva. Porém, nós cegos temos uma dificuldade, hoje, com o Ministério da Educação (MEC), e posso dizer que essa dificuldade é também enfrentada pelos surdos e também por algumas representações de pessoas com deficiência intelectual. Entendemos que a educação inclusiva pode se dar com muita tranqüilidade também no modelo de escola especial. O MEC não necessariamente tem que fazer uma agressão às escolas especiais, fechando essas escolas, para que todas as crianças ou alunos com deficiência estejam nas escolas regulares.
No Brasil, de acordo com números apresentados pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), temos aproximadamente 400 mil crianças com deficiência, na linha da extrema pobreza, que recebem Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é uma ajuda de custo, dada pelo governo, para pessoas com deficiência pobres, cuja renda familiar não seja igual ou maior do que um quarto de salário mínimo dividido por pessoa. Ou seja, extrema pobreza.
O governo federal fez um projeto muito interessante e elogiado, que se chama BPC Escola, para verificar se aquelas crianças, que recebem o benefício pelo MDS, estão matriculadas nas escolas comuns, para o MEC saber. Porque existe o Censo Escolar do MEC, e toda escola que tem uma criança com deficiência avisa o MEC. Aí foram cruzados os dados das 400 mil crianças do BPC com o nome das crianças com deficiência que constam no censo. Foi verificado que 200 mil crianças estão na escola, independente de ser regular ou especial – e estamos falando apenas da extrema pobreza; há muita criança com condição melhor e que não está na escola. Em 2009, cerca de 10 mil crianças cegas estavam matriculadas. Dessas 10 mil, 5 mil estavam em escola especial, e a outra metade, em escola regular.
O problema é, então, o acesso à escola, independentemente de ser especial ou não?
Nós temos metade das crianças em escola, seja regular, seja especial. E a outra metade fora da escola, nem regular, nem especial. O MEC está fazendo uma política que, de alguma forma, prejudica as escolas especiais, colocando-as como uma atividade complementar, para que as crianças que estavam nas escolas especiais estejam nas escolas regulares. É preciso se preocupar mais em colocar as crianças que não estão em escolas alguma dentro da educação.
A questão é saber se as escolas regulares estão preparadas para os alunos com deficiência, tanto em termos tecnológicos, quanto em termos metodológicos. Para uma educação inclusiva de qualidade, é necessário investimentos em recursos humanos, capacitação de profissionais para lidar com esse tipo de aluno, como formação de psicopedagogos. E esse investimento a gente não percebe. Fora que a maioria das escolas regulares não é acessível.
Qual sua opinião sobre a Sala Multifuncional, do MEC?
A Sala Multifuncional, que é o grande carro chefe do MEC, tem um equivoco pedagógico, em minha opinião. Porque se pensa em ter, no mesmo ambiente, um aluno com deficiência visual, que exige muito da concentração auditiva; e um aluno com deficiência auditiva, que se comunica por gestos e, muitas vezes, emite ruídos bastante estridentes que atrapalham o aluno cego. Falta entender as necessidades de cada deficiência.
Fonte: Ad Vivo
Moisés Bauer tem toda razão no que diz. A inclusão também pode acontecer em escolas especiais.
Escolas bilíngues para surdos também podem ser concebidas numa perspectiva de educação inclusiva.
É preciso atualizar os conceitos que envolvem a educação inclusiva. É preciso ressignificar o ensino para que o acesso à educação, com qualidade, chegue a todos os cidadãos brasileiros, quer vejam, quer não vejam; quer ouçam, quer não ouçam; quer andem, quer não andem; quer pensem rapidamente, quer pensem lentamente e assim por diante. Somos todos diferentes e a diferença de cada um tem específicidades que precisam ser reconhecidas, valorizadas e respeitadas em meio à diversidade.
Descupem-me, companheiros da Inclusive, mas não há qualquer atrapalhamento conceitual aí. A política levada a cabo pela Secadi/MEC é conservadora da escola tradicional, essa mesma que excluiu as crianças com deficiência durante décadas, e acha que faz inclusão porque garante matrícula e AEE. Ridículo! O preço dessa concepção é ‘caríssima’: nos últimos três cerca de 21 mil crianças com deficiência a menos nas escolas! É uma política que fracassou em todos os sentidos. No caso dos cegos e dos surdos, a coisa chega a ser criminosa! Os cegis que sempre tiveram sua alfabetização garantida nas escolas de/para cegos estão agora analfabetos nas escolas comuns. Contra o que manda a Convenção, os surdos estão perdendo as classes e escolas bilíngues, tendo que assistir aulas em português, e aulas de português como L1; e segundo a última orientação patrocinada e distribuída pelo MEC, não se pode usar Libras nem nas aulas de português do AEE! Não dá para defender nem de perto essa política direitista.
Olá Emiliano
O que me parece é que a sua crítica é endereçada à gestão e politicas que vem sendo praticadas pelo MEC. Nesse sentido, acho que é pacífico que existam muitas dificuldades e críticas, afinal estamos lidando com um orçamento precário e que na maioria das vezes nem chega às escolas públicas, essa mesma que vem sendo pisoteada quando deveria ser alvo de pleno interesse social e investimento. De outro lado, a afirmação de que a educação inclusiva pode ser dar em escolas especiais, onde todos são funcionalmente idênticos, corresponde exclusivamente ao conceito de segregação, principalmente porque a afirmação do presidente do CONADE não é explicativa, mas declarativa. Aliás, como representante de um Conselho de Direitos, o que questionamos é se suas posições são colocadas do ponto de vista pessoal ou institucional e se é possível a sociedade conhecer a opinião do CONADE em documentos públicos que dizem respeito ao Art. 24 da Convenção que, na declaração do entrevistado, chega a ser relativizada em relação a legislação infraconstitucinal. Portanto a atrapalhação, em meu ponto de vista é, além de conceitual, legal. A Conveção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência exige atenção integral e garantia de direitos, não de particularidades.
Um abraço
Lucio Carvalho
Equipe Inclusive
Parabéns ao Presidente do CONADE pela sua defesa das escolas especiais,mas infelizmente,parece que os deficientes,especialmente os deficientes intelectuais,não são seres humanos.Mostraremos a eles nas urnas que nossos filhos são GENTE e são ELEITORES.Esta é a única linguagem entendida pelos políticos,infelizmente.