Por Amanda Modery
Desde as aulas de biologia no ensino médio que eu sabia que a ciência ia ser um caminho difícil. Foi a primeira vez que me ensinaram que alguém com um cromossomo 21 extra “sofre” da síndrome de Down. E não foi o última. Lembro-me de estar sentado na classe e levar um choque. Eu me perguntava: será que o meu irmão “sofre” de síndrome de Down? Sim, meu irmão mais velho tem síndrome de Down, mas que ele “sofrer” por isso? O adolescente em casa que adora cantar e dançar, jogar Nintendo, fazer caminhadas e acampar? O fanático por esportes, que se mantém atualizado a respeito de todos os seus times favoritos – os Mariners e os Seahawks – e gosta de competir nas Olimpíadas Especiais? Claro, ele tem algumas dificuldades, mas não estamos todos? E, claro, suas dificuldades podem estar em contar o troco que lhe dão numa loja, enquanto eu tenho dificuldades com pré-cálculo, mas isso quer dizer que ele “sofre”?
A imagem da síndrome de Down pintada por meu professor de biologia simplesmente não se encaixava com o irmão que eu conheço e amo. Lembro-me de me perguntar o que fazer. E que foi apenas a primeira vez. Eu tive diversas aulas de ciências desde então – tanto no meu primeiro curso como agora aqui na faculdade de medicina – que incluíram linguagem e imagens negativas e ultrapassadas. E toda vez que ouço isso, sinto-me estranha e sozinha, perguntando se eu sou a única que percebe. E cada vez eu me pergunto o que fazer. Eu quero ser a irmã que protesta a cada palavra e frase ofensiva, e fica conhecida como sendo muito “politicamente correta”, quando tudo que eu realmente quero é uma linguagem que mostra respeito pelas pessoas com deficiência? E o que posso fazer para fazer as pessoas entenderem que as pessoas com deficiência são como nós e que merecem respeito? Bem, o que posso fazer agora é contar um pouco sobre meu irmão.
Seu nome é Travis e ele é três anos mais velho que eu. Estudamos na mesma escola de ensino médio e todos os professores o conheciam. Ele é o cara mais “social” da família e pode cansar o seu ouvido de tanto falar – o oposto de mim. Foi escoteiro e recebeu o seu Eagle Scout em 2002 – levou alguns anos mais do que a maioria escoteiros, mas recebeu. Travis sempre gostou de fazer caminhadas e acampar com a família e adora assistir filmes e jogar Nintendo. Desde 2005, ele vive em uma casa com quatro outros rapazes com várias deficiências e seu prestador de serviço. Ele vive longe de casa e goza de completa independência e da camaradagem de seus colegas de casa. Meu irmão trabalha em dois empregos a tempo parcial – organiza livros na biblioteca local e é empacotador em um supermercado. Seu calendário social está cheio de eventos esportivos diversos, festas em um centro comunitário local, jantares no shopping com os amigos, igreja aos domingos, e cinema. Ele parece muito como você, ou eu ou qualquer um, não é mesmo?
Então é isso que eu penso quando me sento na sala de aula e ouço “sofre” ou “bebê Down” ou outros termos que soam arcaicos e negativos. O meu irmão é uma “síndrome de Down” ou uma pessoa? Ele é uma pessoa em primeiro lugar na minha cabeça, e é por isso que eu sempre prefiro “pessoa com síndrome de Down.” E não é só de professores e médicos que ouço linguagem negativa. Inúmeras vezes eu me sentei na sala de aula à espera de uma palestra para começar e ouviu a palavra “retardado” usada a esmo. Sempre que eu a ouço sendo usada de forma pejorativa, é como um chute no estômago. E eu já a ouvi muitas vezes.
Então aqui estou eu, anos de estrada a partir dessa classe de biologia no colégio e sigo diante do mesmo dilema. O que fazer? Quanto fazer? Uma pessoa sozinha pode fazer algum impacto? Bem, talvez não precisa ser apenas uma pessoa. Talvez você possa me ajudar. Da próxima vez que você falar sobre alguém com uma deficiência, pense por um momento. Pergunte a si mesmo se as palavras que você escolhe mostra respeito. Ou da próxima vez que você ouvir alguém dizer algo negativo, me ajude a mudar a conversa. Faça-o por mim. Ou melhor ainda, faça-o por Travis, pelos companheiros que moram com ele, e pelos seus amigos. Faça-o pelas mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo com deficiência intelectual.
Amanda Modery nasceu em Seattle, Washington, e atualmente estuda medicina na Irlanda. Ela gosta de explorar novos lugares e tem formação em Antropologia Cultural.