Atila Roque assume novo escritório da Anistia Internacional e afirma que “ainda existem bolsões de resistência muito fortes ao fato de os direitos humanos serem para todos”
“O desafio que persiste é o da consolidação de uma cultura de direitos no País”. A frase do novo diretor da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque, revela o principal objetivo do movimento global com relação ao Brasil. Em entrevista ao iG, Roque afirmou que é preciso aproveitar o potencial do País de ser uma sociedade igualitária a partir da diversidade racial e cultural.
Um novo escritório da Anistia está sendo montado no Rio de Janeiro, cidade que Roque considera simbólica, que serve de exemplo para o País tanto em coisas positivas como negativas. Durante a entrevista, ele citou as Unidades de Polícia Pacificadora como sendo uma parte da solução em segurança pública e condenou algumas ações policiais em favelas da cidade.
Roque também disse que considera a criação da Comissão da Verdade um passo importante para que o Brasil enfrente “os seus fantasmas” e revele histórias sobre o seu período de ditadura militar.
iG: Qual a importância de se ter um escritório da Anistia no Brasil?
Atila Roque: Primeiro é importante dizer que a Anistia nunca deixou de trabalhar sobre o Brasil, apenas passou um período sem o escritório formado aqui. O Brasil tem um peso importante hoje no mundo e sua estratégia de investimentos deve ser coerente com o que diz a Constituição Brasileira de que a política externa deve ser guiada pelos princípios dos direitos humanos. A decisão de abrir um escritório no País nesse momento é uma nova etapa da longa transição da democracia brasileira.
iG: Qual a importância de o escritório ser no Rio de Janeiro?
Atila Roque: Sem dúvida o Rio de Janeiro não seria o único lugar relevante para se montar o escritório, mas o Rio é simbólico e exemplar em várias das áreas que a Anistia atua. O que acontece aqui pode servir, para o bem ou para o mal, como exemplo para o Brasil. Hoje o Rio é palco de algumas discussões temáticas do Brasil, como a questão da ação da polícia e o debate sobre a segurança pública que envolve a experiência em torno das UPPs, que são parte da solução.
Outra dimensão muito relevante nesse momento é todo o empreendimento em torno de uma reformulação da cidade a luz dos eventos que o Rio vai sediar. É preciso que essa reforma de longo alcance e de grande impacto seja monitorada para que haja uma cidade mais inclusiva e não que seja um processo que gere mais exclusão. Mas, o fato de estarmos aqui não significa que o foco da Anistia será o Rio apenas, o olhar da Anistia vai ser para o Brasil. Queremos consolidar a presença no Brasil e, no futuro, ter bases, escritórios em outras cidades.
iG: Qual o maior desafio da Anistia com relação ao Brasil?
Atila Roque: O desafio que persiste é o da consolidação de uma cultura de direitos no País. Ainda existem bolsões de resistência muito fortes ao fato de os direitos humanos serem para todos. É preciso que a gente reconheça que quando uma pessoa tem o seu direito violado, isso compromete e deteriora a qualidade dos direitos de todos e todas; o grande desafio é alcançar o potencial de ser uma sociedade igualitária a partir da diversidade que existe aqui.
Hoje isso não é possível sem o fortalecimento de uma cultura de direitos, por isso é muito importante um olhar sobre a política externa brasileira – sensibilizar a sociedade para exercer um controle sobre o que o governo brasileiro defende e como se posiciona fora do País – em dois níveis: o da governança global, ou seja, a atuação em blocos com o G20 e os Brics, e o da cooperação econômica, um grande projeto econômico vai ter impacto na vida das pessoas e deve levar em conta os direitos humanos.
iG: Como você vê a criação da Comissão da Verdade?
Atila Roque: A Comissão da Verdade demorou, teria que ter vindo antes. Na América do Sul, o Brasil é um dos últimos a dar um passo no sentido de enfrentar os seus fantasmas, desenterrar as informações, as histórias sobre o seu período terrível que foi a ditadura. É um direito da sociedade brasileira, dos meninos, meninas, homens e mulheres que foram perdidos e é um dever do Estado. Não seremos capazes de avançar na consolidação da democracia e do estado de direito se não revelarmos as informações que precisam ser reveladas, e isso nada tem a ver com revanchismo, como alguns dizem.
Precisamos recuperar nossa memória histórica, se a gente não aprende com o nosso passado, estamos fadados a repetir os erros. Mesmo com todos os obstáculos da criação da Comissão, considero um passo excepcional, fico bastante satisfeito de ver que o governo da presidente Dilma apoiou isso. A Anistia certamente vai acompanhar de perto todos os desdobramentos dessa Comissão.
iG: Como você vê a ação policial em favelas do Rio de Janeiro, como a que resultou na morte de um cinegrafista neste mês?
Atila Roque: Cansamos de dizer muitas vezes que não faz sentido, não é produtivo, não é o melhor caminho partir para o confronto em comunidades como essas do Rio de Janeiro. É um erro, uma estratégia que fatalmente faz vítimas, sejam elas pessoas da própria comunidade, pessoas que estejam por perto ou, nesse caso trágico, especificamente, uma pessoa que estava trabalhando para passar informações para a sociedade.
O próprio modelo de UPP é um modelo que se contrapõe a isso, ele ocupa sem necessariamente partir para o enfrentamento. O combate ao tráfico e a apreensão de armas se faz com inteligência e ação articulada. Lamentamos muito que esse episódio tenha acontecido, e não foi a primeira vez. Agora, está na cultura da polícia e da segurança pública do Rio rever essas ações.
Fonte: Último Segundo
Nossa muito bom,parabéns