Por Beto Volpe
A morte de Rodolfo Botino pegou a todos de surpresa. Havia muito tempo que um famoso não morria com AIDS, ao menos publicamente. Isso foi rotina no início dos tempos, quando não havia muito que fazer e menos ainda onde se esconder. Desde Rock Hudson, um dos primeiros astros internacionais a falecer em decorrência da AIDS, muitos foram aqueles que tombaram sem saber direito o que estava acontecendo. Cazuza, Sandra Bréa, Lauro Corona, Nureyev, Renato Russo, Freddy, Henfil e tanta gente que partiu num rabo de foguete. Com a chegada do coquetel as duas necessidades foram supridas, finalmente havia um tratamento eficaz e a invisibilidade virou uma opção sedutora, face ao preconceito que não tem fim.
Não obstante a resposta científica ser eficaz, sua segurança sempre foi colocada em questão por vários motivos como a alta potência dos medicamentos e a celeridade de sua aprovação pelos órgãos reguladores dada a emergência da situação nos anos 90. E após a lua de mel com a ciência, as pessoas com HIV se depararam com cânceres, acidentes cardiovasculares, danos ósseos, demência e outras doenças relacionadas à terceira idade, indicando que algo fora do normal estaria acontecendo. Os ativistas em direitos humanos que vivem com HIV também perceberam que entre eles o quadro era o mesmo e, ainda assim, nenhuma providência eficaz foi tomada pela sociedade civil organizada em AIDS para pressionar o governo a estudar melhor o assunto. E este fez ouvidos moucos e continuou a propagandear o melhor programa de AIDS do mundo.
Até que um estudo do ano passado realizado pela UFRJ demonstrou que as pessoas com HIV estão morrendo mais de causas não determinantes de AIDS do que da própria doença, mas que certamente estariam relacionadas a ela. Isso porque a evolução de óbitos por problemas cardiovasculares e cânceres entre a população em geral ficou em 0,8% ao ano, ao passo que entre pessoas com HIV esse crescimento foi acima de 8%. Outro estudo, este do Hospital das Clínicas da USP de 2009, relata que a necrose óssea, que pode levar a pessoa a uma situação de deficiência, tem uma incidência de 4% entre pessoas com HIV ao passo que entre a população é de 0,01% . Enfim, em junho deste ano a revista Nature Genetics publicou estudo britânico evidenciando que os medicamentos aceleram o envelhecimento por conta dos danos causados ao DNA da mitocôndria. Não com essa riqueza de saber e nem com essa nomenclatura complicada, mas é exatamente o que vimos dizendo há pelo menos dez anos.
E o que a morte de Botino tem a ver com isso? Tudo. Ele sofreu uma embolia (cardiovascular) em um pré-operatório para uma cirurgia no quadril (osteonecrose). Ele foi mais um que não teve o CID determinante de AIDS em seu atestado de óbito, mas que teve nela sua causa primária. Se estivermos morrendo mais de efeitos colaterais do que de AIDS são pelo menos onze mil mortes diluídas na epidemiologia, a reforçar o pior estigma que se poderia adotar em AIDS: o de que ela está sob controle. Enquanto isso as disciplinas médicas que antes atendiam a um público acima de 60 anos agora não sabem ao certo o que fazer com jovens na menopausa ou com disfunção erétil, quando não com uma grave patologia que, associada ao quadro de AIDS, eleva as perdas de amigos e amigas no dia a dia dos serviços de saúde.
Botino querido, você talvez seja nosso Rock Hudson, nossa Sandra Bréa, nosso Cazuza. Quem sabe sua passagem acontecendo nessas circunstâncias leve essa discussão para onde deveria estar há tempos e que as atitudes não tardem. Quem sabe você não seja o primeiro de uma série de famosos que ainda jovens irão apresentar problemas cardiovasculares, linfomas, embolias e outras doenças da longevidade. A dança dos famosos, que um dia foi a mais tocada nos salões de baile da epidemia, voltará a desafinar de forma a incomodar quem fica sentado nas mesas, ouvindo a orquestra tocar e esperando que a noite acabe.
Botino, prepare uns bons Toucinhos do Céu para quando a gente chegar!