Não repara na bagunça

Pessoa varrendo a sujeira para baixo do tapete

Por Lucio Carvalho

De Collor pra cá, nenhum negócio prosperou tanto no Brasil quanto as consultorias ao poder público. Comparado aos seus sucessores, Collor ainda guarda uma marca característica inigualável, a de ter se valido dos poderes do além, na pessoa da mãe Diná, pra tomar decisões. Hoje, há uma tal sorte de corporações especializadas em auxiliar os poderes pátrios que os préstimos dos que invocam o além soam infantis, diante do inestimável favor que fazem tais iniciativas ao povo brasileiro em troca de polpudos contratos. Algumas pessoas não tementes às forças ocultas que insistem em dar as caras por aqui chegam a sugerir que se aquele presidente tivesse à época um bom staff de consultores, seu impeachment teria sido até evitado, mas Collor era infantil demais até mesmo para um país como o Brasil.

O ramo é tão bom que consiste na principal atividade dos políticos afastados da sua ocupação preferencial, seja por condenação, demissão voluntária ou falta de votos. Não é preciso sequer citar nomes recentes pra refrescar a memória. Fundamental mesmo é admitir que demandas civis e populares provavelmente serão sempre secundárias em relação às prioridades da tecnocracia. Por isso que campanhas permanentes em prol da educação pública, da saúde de qualidade e medidas concretas de enfrentamento às desigualdades serão sempre secundárias em relação à atenção governamental. Os 10% do PIB para a educação não virão jamais justamente por isso, porque subverteriam fatalmente o clientelismo e a tendência aparentemente inevitável do país em priorizar a burocracia. É tão simples que todo mundo faz questão de fazer de conta que não percebe mais. É como quando se diz às visitas inesperadas: não repara na bagunça.

A naturalização desse modo de governar tem trazido a administração pública, de um modo geral, a um estado de colapso permanente, no qual os equipamentos públicos se deterioram, os serviços públicos são cada vez mais terceirizados, os cidadãos considerados meramente como agentes tributários e, de tanto em tanto tempo, também como eleitores (ou como bobos, se preferirem). É a democracia que dá certo no Brasil, já que qualquer iniciativa participativa é dominada pelo estado e os redutos políticos não são nunca ameaçados. É um país que parece vocacionado para o centro, para a acomodação dos interesses de todos, seja lá quem venha a governá-lo.

As consultorias via de regra são milionárias. As mesquinharias da administração pública, essas podem ser resolvidas pelos servidores públicos. Quando envolvem grandes numerais, são questões que exigem extremo cuidado: se as entrega à iniciativa privada. Diagnósticos, indicadores e projeções são feitas como uma maquiagem fora de moda. Os resultados normalmente são inócuos, a não ser pelo material gráfico que se produz e a extensa lista de eventos e comemorações. No começo do século XX, o escritor Lima Barreto fez da realidade daquele momento um panorama ímpar que, ao que parece, se transformou em patrimônio imaterial permanente. Está lá, em Os Bruzundangas, o retrato desse simpático país que costuma chamar seus gênios de loucos, mas que adora lotar de nomes de políticos suas ruas e rodar as gráficas do Tesouro para a satisfação geral da nação.

Fonte: Inclusive/O autor

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