Homofobia no Brasil, resoluções internacionais e a Constituição de 1988

O martelo da justiça sobre um livro

Por Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia

INTRODUÇÃO

A Homofobia é um tema que está além de pertencer apenas a um debate paroquial de militantes LGBT[1]. O tema ganhou as ruas, a “arena pública”, com manifestações de variados setores (artístico, político, religioso etc.).

Primeiramente, esclareça-se que o termo “homofobia” não pode ser limitado a uma visão reducionista: “homossexualidade + fobia” (isto é, como aversão a homossexuais). Homofobia se marca pela rejeição ou negação – em múltiplas esferas, materiais e simbólicas – da coexistência, como iguais,com seres afetivo-sexuais que diferem do modelo sexual dominante. Violência não se dá apenas de forma física, mas igualmente em discursos que não reconheçam uma minoria como tal.

Desde 2006 no Brasil o Congresso Nacional se vê às voltas com o “problema” de ter de tomar posição quanto ao PLC 122, que prevê a criminalização da homofobia por sua colocação entre aqueles critérios que estabelecem quem pode ser vítima de “racismo”, a saber, “cor, etnia, religião ou procedência nacional” (art. 1º da lei 7716/89). O que o PLC 122 faz nada mais é do que incluir, na já vigente lei do racismo, a mesma proteção que já possuem negros, judeus, mulheres e, inclusive, religiosos: o direito de ser, de existir e de poder buscar sua felicidade de forma digna. Por que é que ninguém propõe retirar da lei do racismo a proteção aos negros? Será que, quando a lei fala em proteção contra discriminação por cor, não está dando “superdireitos” aos negros? Ou aos religiosos? Pois é este um dos argumentos contra o PLC 122. Entretanto, basta uma leitura rápida do mesmo para se ver que ele não coloca nenhuma minoria com mais direitos que outra, ao contrário, diz expressamente que deve ser dada aos homossexuais a mesmaliberdade que aos heterossexuais.

O Projeto já foi aprovado na Câmara e agora tenta ser aprovado no Senado, onde vem encontrando muita resistência por parte da bancada religiosa que enxerga ali uma violação à sua “liberdade religiosa”.

Entendemos que o PLC 122/06 não viola, quer a liberdade de expressão, quer a liberdade religiosa, uma vez que o exercício destas é e continuará sendo legítimo, desde que não configure abuso (o que independe da aprovação do referido projeto). É dizer, denominações religiosas que (ainda) pregam que a homossexualidade seja um “pecado”/“abominação”, poderão continuar fazendo-o, o que elas não podem fazer é atribuir à homossexualidade características que nada têm a ver com questões religiosas, como dizer que homossexuais são promíscuos, pedófilos etc[2]. É preciso situarmos o que é (e quais os limites) da liberdade de expressão e da liberdade religiosa. Por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica, em seu art. 13 trata da “liberdade de pensamento e de expressão”, estabelecendo:

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. (…) 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

A Constituição de 1988, por sua vez, dispõe em seu art. 5º:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (…)

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Percebe-se que, tanto a liberdade de expressão quanto a liberdade religiosa são direitos fundamentais, mas, como tal, não são absolutas – afinal, nenhum direito fundamental é absoluto, nem o direito à vida[3]. Estas liberdades estão no mesmo nível que a vedação à discriminação (art. 3º, IV) e também do direito de igualdade[4] e das demais liberdades civis.

Dessa forma, não há conflito real entre estes direitos – ainda que se possa falar em conflito aparente (prima facie)[5]. No caso concreto tal possível conflito desaparece quando se percebe que uma das pretensões se mostra abusiva – quando a realização de um “direito” significa a negação de outro.

É dizer, quanto à “liberdade de expressão religiosa”, quando o portador desta pretensão não considera o outro como igual portador dos mesmos direitos, não há liberdade, não há uso legítimo de um direito mas um abuso do mesmo, conhecido como hate speech[6]. No caso dahomossexualidade, há “hate speech” ao não se reconhecer o direito do outro como igual, naquilo que o outro se reconhece como indivíduo.

Há um caso recente sobre isso no Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Em fevereiro/2012 o TEDH confirmou decisão do Judiciário sueco que condenou 4 cidadãos a pagar multa por manifestações homofóbicas: panfletos que alegavam que a homossexualidade era um desvio sexual, que teria um efeito moralmente destrutivo nas bases da sociedade e que era responsável pela expansão do HIV. A defesa deles era que eles não queriam “desprezar os homossexuais”, mas promover um debate sobre a educação sueca. O Judiciário sueco os condenara entendendo que havia no discurso deles “desprezo” e os condenou por agitação contra um grupo por motivo de sua nacionalidade ou etnia. O TEDH deixou claro que a liberdade de expressão tem limites e um deles é a reputação e o direito dos outros[7].

De toda sorte, em razão das críticas ao Projeto original, a Senadora Fátima Cleide, então Relatora, ofereceu um Substitutivo aprovado em 2009 pela Comissão responsável no Senado. Nesse Substitutivo questões “polêmicas” foram retiradas, restando, basicamente, a questão da equiparação da homofobia ao racismo.

Nosso objetivo aqui está direcionado a mostrar que outros países, bem como Organismos Internacionais já têm se atentado para a necessidade de proteção da minoria LGBT contra crimes praticados em razão de orientação sexual ou identidade de gênero[8]. Tais resoluções internacionais– que, aliás, têm no Brasil ou o Estado propositor ou, ao menos, subscritor de sua apresentação – importam consequências diretas para nosso País, em razão do que estabelece a Constituição da República de 1988 a respeito da vinculação do Brasil com a promoção dos Direitos Humanos – inclusive se submetendo a Cortes Internacionais e outros organismos similares (art. 4º, II e art. 5º, §4º), com a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com a vedação da discriminação (art. 3º, IV) e com a cláusula geral de abertura do nosso Sistema de Direitos Fundamentais contida no §2º do art. 5º.

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