Por Natasha Ísis
do Canal Ibase
Sede dos próximos grandes eventos esportivos mundiais, o Brasil não é feito só de festa. Pelo contrário, as violações de direitos que já aconteciam aqui foram intensificadas com a proximidade da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. É o que conclui o relatório “O estado dos direitos humanos no mundo”, divulgado nesta quinta-feira (23/5) pela Anistia Internacional, que traz à tona a situação no Brasil e já ganha destaque em manchetes de jornais no exterior. O documento faz um alerta sobre a violação de direitos no processo de remoções de famílias em função dos megaeventos e ao alto número de homicídios em grandes cidades brasileiras. Além disso, o estudo apontou também outras violações encontradas no país, relativas ao direito à terra, à moradia e aos direitos das mulheres.
Outro ponto ressaltado no relatório são as ameaças e intimidações feitas aos defensores dos direitos humanos. A ONG manifesta repúdio também à tortura nas prisões, ao uso de força excessiva por parte dos agentes de segurança pública e à impunidade com relação às violações dos direitos humanos na época da Ditadura Militar. A quantidade de informações sobre o país resultou em um dos maiores capítulo do relatório, chamando atenção de pesquisadores do mundo inteiro para o assunto.
Os problemas brasileiros ganharam destaque nos últimos anos nos relatórios da organização, o que prova como, apesar de faltarem ações aqui dentro para solucionar a situação, o assunto tem repercutido lá fora. É o que afirma o assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, Maurício Santoro.
– Nos concentramos nos temas-chave de cada país. O fato de o Brasil ter ganhado um dos maiores capítulos do relatório mostra como o que está acontecendo aqui é de grande importância para a Anistia Internacional. Quando destacamos o assunto das remoções compulsórias e o direito à moradia, por exemplo, percebemos como esse ponto tem sido mais debatido no exterior do que aqui dentro, inclusive na mídia.
De fato, o tema das remoções é delicado. Enquanto as obras para os megaeventos são exaltadas, 3.099 famílias já foram removidas eoutras 7.843 podem ser retiradas a qualquer momento. Os dados são do dossiê “Megaeventos e violação dos direitos humanos no Rio de Janeiro”, documento feito por moradores das comunidades afetadas e organizações como o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) e a ONG Justiça Global. O trabalho não foi fácil, já que o poder público não age com transparência, dificultando o acesso às informações referentes aos seus planos, nem mesmo com as famílias envolvidas, como mostramos em reportagem na semana passada.
No estudo realizado pela Anistia, o destino das famílias removidas também é questionado. “As autoridades tampouco estabeleceram um processo genuíno de negociação com as comunidades para estudar alternativas à remoção e, quando necessário, para oferecer a devida indenização compensatória ou moradias alternativas adequadas na mesma área. Em vez disso, as famílias foram levadas para áreas distantes em moradias inadequadas, geralmente com limitação de acesso a serviços básicos, em locais com graves problemas de segurança”, diz o texto.
De acordo com Santoro, existem dois eixos prioritários que guiam o trabalho da Anistia por serem pontos de grande impacto no campo dos direitos humanos no mundo hoje:
– O primeiro eixo inclui as questões relativas à segurança pública, à justiça e a prisões. Podemos dizer que o alto número de homicídios no Brasil é a nossa principal preocupação atualmente por estar diretamente ligado a temas como a violência policial, tortura nos presídios e o extermínio da juventude negra. O segundo eixo faz a relação entre desenvolvimento e direitos humanos, ou seja, estuda os impactos desses grandes projetos de infraestrutura. Existe uma agenda governamental que pretende deixar a população afastada das grandes decisões, mas a sociedade não está satisfeita e, claramente, está se mobilizando.
A Anistia Internacional foi criada em 1961, a partir da notícia da condenação de dois jovens portugueses a sete anos de prisão por terem gritado “Viva a liberdade!” em público durante o regime autoritário de Antônio Salazar. Desde então, a ONG é referência no campo de direitos humanos. Em 1974, o irlandês Sean MacBride, então presidente da organização, recebeu o Nobel da Paz. Em 1977, foi a própria entidade que ganhou o mesmo prémio.