A Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI) encaminhou carta sobre a Meta 5 do Plano Nacional de Educação (PL 8.035/2010 – PLC 103/2012), ao relator do projeto no Senado e demais senadores que compõem a comissão de Educação na casa. A Meta 5 trata da alfabetização. O objetivo é divulgar o assunto e mobilizar!
A Rede Nacional Primeira Infância1, formada por 135 organizações empenhadas na defesa e promoção dos direitos da criança de até seis anos de idade, dirige-se a Vossas Excelências para recomendar a revisão da Meta 5 do Projeto de PNE pelas razões que expõe a seguir.
1. A Meta 5, aprovada pela Câmara dos Deputados tem a seguinte formulação: “alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental”; A versão aprovada pela CAE, do Senado Federal, diz: “alfabetizar todas as crianças, no máximo, até os oito anos de idade, durante os primeiros cinco anos de vigência do plano; no máximo, até os sete anos de idade, do sexto ao nono ano de vigência do plano; e até o final dos seis anos de idade, a partir do décimo ano de vigência do plano“.
2. A versão da Câmara dos Deputados está coerente: (a) com o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Lei n º 12.801/2013), que expressa o entendimento do Ministério da Educação e dos Sistemas Estaduais e Municipais de Ensino; (b) com a proposta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, da Undime e da Rede Nacional pela Primeira Infância, que defenderam essa versão na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e (c) com o Movimento Todos pela Educação, que estabeleceu a meta de que, até 2022, 100% das crianças até oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental, estivessem alfabetizadas (De olho nas metas 2012. São Paulo: Todos pela Educação. 2013).
3. A mudança de redação tem implicações profundas na concepção e na prática da alfabetização, ou seja, na abrangência e significado desse conhecimento e das habilidades a ele relacionadas, no tempo destinado à sua conclusão, aos seis ou aos oito anos de idade, e na ideia de ciclo de um ou de três anos para se completar.
4. Reconhecemos como justa e oportuna a intenção da Comissão de Assuntos Econômicos de fazer uma exigência maior à escola pública quanto à alfabetização de todas as crianças. É preciso, sim, primar pela qualidade do trabalho docente, como também pelas condições de aprendizagem das crianças. No entanto, a redução do tempo de alfabetização para um ano ou sua antecipação para o sexto anos de idade, em vez de ganho, poderá ser uma grande perda. O que importa não é “ganhar um ou dois anos”, e sim realizar a efetiva compreensão do funcionamento da língua escrita e seu uso apropriado pelas crianças.
5. O Congresso Nacional aprovou, em abril deste ano, a Lei n º 12.801/2013, que adota a concepção de alfabetização num ciclo de três anos, dos seis aos oito anos de idade. E indicou as medidas para garantir o trabalho docente e a aprendizagem eficazes nesse período. Cada um desses anos tem tarefas e metas de aprendizagem. Não há lugar para a crítica de que nos dois primeiros não haveria conhecimento e habilidades a serem construídos, cobrados e avaliados. A mesma lei, em seu art. 1º, determina avaliações periódicas no decorrer desses três anos.
6. Se a versão atual da Meta mantém a concepção de alfabetização adotada pela Câmara dos Deputados, de um ciclo de três anos, alterando apenas o ano em que deve ser concluída (seis anos de idade), ela teria que iniciar aos quatro anos de idade, ou seja, na pré-escola.. Ora, a alfabetização, como diz apropriadamente o Relator do PNE na CAE, “não se reduz à mera decodificação dos sinais gráficos. Mais do que isso, ela traduz um processo de utilização da língua escrita em diversos ambientes, marcada pelo domínio da rede de significados dos textos e adequação deles nas diversas situações” (Parecer ao PLC 103/2012). Antecipar ou reduzir o período que as crianças têm para compreenderem o funcionamento da língua escrita nos seus diferentes contextos pode induzir à retenção, à estigmatização e à exclusão precoce das crianças das camadas populares que, majoritariamente, frequentam a escola pública.
7. Se ela deve ser efetivada em um ano, seu conceito é estreito, reduzido a uma habilidade de escrever palavras e pequenas frases, ao passo que, sendo trabalhada como um ciclo mais extenso, ela se conclui quando a criança alcança a compreensão do ler e escrever como ato de comunicação e produção de sentidos. Esse processo requer contato frequente e vivência de situações significativas de uso da língua escrita que, num contexto de aprendizagem bem planejada, pode ser finalizado com sucesso em um ciclo de três anos.
8. Estas questões são reforçadas pelos pesquisadores da Fundação Carlos Chagas na análise dos dados da pesquisa recente com alunos de escolas públicas, de diversas idades, quanto aos resultados alcançados na Provinha Brasil (Educação infantil no Brasil: avaliação qualitativa e quantitativa, realizada pela Fundação Carlos Chagas (Campos et al., 2010): “…parece razoável julgar que a meta inicialmente fixada para os oito anos de idade, ainda que difícil de atingir no prazo de dez anos, é mais realista e viável do que propõe a mudança introduzida no Senado, que antecipa essas idades para os sete anos, do sexto ao nono ano de vigência do PNE e até o final dos seis anos de idade, a partir do décimo ano de vigência do plano” (Porque não se deve aceitar a meta de todas as crianças alfabetizadas aos 6 anos ao final da vigência do II PNE? Maria Malta Campos, Yara Lúcia Esposito, Beatriz Abuchaim – Fundação Carlos Chagas, junho, 2013. São Paulo- Finalmente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, nosso compromisso em contribuir para que o Plano Nacional de Educação seja o melhor possível, indicando metas que efetivamente corrijam distorções e aperfeiçoem o processo educacional brasileiro, nos leva a propor a Vossas Excelências que façam voltar a redação da Meta 5 tal como aprovada pela Câmara dos Deputados.
Assinam:
Luzia Torres Gerosa Laffite
Coordenadora da Secretaria Executiva – RNPI
Vital Didonet
Assessor da para Assuntos Legislativos – RNPI
PARADIGMAS E FUNDAMENTAÇÃO
– De acordo com o Art. 9º da Resolução nº 5- CNE/CEB, de 17 de dezembro de 2009, que fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: (…) II – favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; III – possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos (…). Isto significa que é função da pré-escola: atender as especificidades das crianças de 4 e 5 anos com seu modo próprio de ser, interpretar, experimentar, compreender e aprender; e explorar ao máximo as diferentes linguagens, de forma a promover a imersão das crianças nas mais diversas formas de expressão.
– A infância é uma construção social, não é um dado universal nem natural, e as crianças que a vivem são e devem ser respeitadas como seres ativos nos contextos em que vivem e não sujeitos passivos das estruturas e processos sociais, culturais e educacionais;
– É fundamental que na pré-escola as crianças tenham a oportunidade de imersão na cultura escrita de forma a viverem situações diversas em que a leitura e a escrita se apresentem, em situações ricas e significativas, como parte das interações; que descubram usos e funções dos mais diversos gêneros discursivos; que tenham a oportunidade de serem leitores ouvintes de muitas histórias e poemas;
– A pré-escola para toda e qualquer criança é lugar de viver a infância, descobrindo, apreciando e aprendendo com a música, a literatura, as dramatizações, as modelagens, as visitas a centros históricos e culturais, parques, praças, museus, teatros, cinemas e outras atividades culturais, como lugar fundamental de acesso aos bens culturais e de superação das desigualdades socioculturais;
– Sendo assim, a Educação Infantil presta uma inestimável contribuição a essa aprendizagem ao dar oportunidade para as crianças terem uma experiência ampla de exploração e conhecimento do mundo e desenvolvimento das múltiplas linguagens. Não cabe a Educação Infantil efetivar “o processo de aquisição e de apropriação do sistema de escrita, alfabético e ortográfico” (SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, ANPED, n. 25, Jan./Abr., 2004.