Em O Liberal/PA
As dificuldades de viver na capital são uma ameaça constante aos 34 universitários indígenas que estudam na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, unidos em torno do objetivo de voltar às aldeias com uma profissão para ajudar a mudar a realidade de seu povo. Almir Tembé, 37 anos, é um deles. Estudante do curso de enfermagem, ele relembra que ingressou na instituição no primeiro ano do processo seletivo especial para indígenas. De lá para cá, já interrompeu os estudos por dois semestres; se tivesse seguido o curso de forma ininterrupta, já teria concluído a graduação.
No entanto, as dificuldades financeiras fizeram com que ele abandonasse os estudos. E ele não é o único que enfrenta adversidades. “Um amigo que cursava odontologia desistiu, pois o material usado no curso é custeado pelo estudante e é muito caro. Ele não teve condições.
Hoje, recebemos uma bolsa auxílio da universidade e do MEC, que ajuda a pagar o que necessitamos”, diz.
As aldeias, por sua vez, não têm condições de ajudar os estudantes financeiramente.
Para driblar as dificuldades, os universitários dividem a moradia em Belém para poupar com aluguel. Almir reside com outros quatro estudantes indígenas no Guamá.
Segundo o presidente da Associação dos Povos Indígenas Estudantes na Universidade Federal do Pará (APYEUFPA), Edimar Fernandes, há 17 etnias na universidade: Anambé, Apalaí, Baniwa, Baré, Guarani, Hexkariana, Jeripancó, Kaingang, Karajá, Karipuna, Tapajós, Tembé, Tukano, Parkatêjê, Xerente, Xipaia e Wai Wai, distribuídos nos seguintes cursos: Administração, Biomedicina, Ciências Contábeis, Direito, UNIVERSIDADE Universitários que vivem em Belém se unem para enfrentar as adversidades Educação Física, Enfermagem, Engenharia da Computação, Engenharia Civil, Farmácia, Fisioterapia, Medicina, Nutrição e Odontologia. Atualmente há 34 indígenas em Belém, da graduação e da pós-graduação. Segundo a UFPA, no total há cerca de 250 indígenas vinculados à instituição.
Edimar pertence ao povo Kaingang, da Aldeia Chimbangue, na região oeste de Santa Catarina. Ele reside no Pará desde 2008 e fez o mestrado em Direito e ainda cursa o doutorado em Antropologia.
Segundo ele, o ingresso no ensino superior para os povos indígenas é extremamente importante e faz parte de um projeto mais amplo de luta pela autonomia. “Para nós, fazer um curso superior é a possibilidade de dialogar de igual para igual com o Estado, pois os conhecimentos adquiridos na universidade contribuem para que possamos entender a realidade não indígena e, a partir deste entendimento, buscar melhorias em nossas comunidades”, afirma.
CONQUISTA
O processo seletivo diferenciado para indígenas é distinto das cotas, pois reserva duas vagas em cada curso para indígenas, acrescidas ao total existente e não retiradas do que já existe. “É sempre bom lembrar que este processo diferenciado não é uma dádiva ou um presente, algo que a universidade decidiu pensar e implementar, mas foi resultado de muita luta e muitas reivindicações das lideranças, que tiveram um papel crucial sendo protagonistas desta conquista. A UFPA pode servir como um exemplo para o Brasil e para o mundo, elevando a condição de uma universidade realmente plural e multiétnica, que respeita as diferenças e se preocupa com o bem estar de seus estudantes, mas para isso é necessário que os responsáveis mudem a forma de pensar as políticas afirmativas, procurando incluir cada vez mais os estudantes, criando programas e projetos que sejam flexíveis, contando sempre com a participação dos grupos interessados”, avalia.
Preconceito e problemas financeiros são os principais problemas enfrentados pelos estudantes índios. “A UFPA possibilitou o acesso, mas não pensou na permanência e muito menos no sucesso desse indígena.
Até o momento foram cinco Processos Seletivos Especiais (2010, 2011, 2012, 2013 e 2014), em 2010 entraram 53 indígenas em todos os Campi da UFPA; em 2011 foram 49, em 2012 foram 24, em 2013 foram 19 e em 2014 apenas 8 indígenas. São números pouco expressivos se formos comparar com a quantidade de vagas ofertadas em todos os cursos, mas se levarmos em consideração a presença indígena nessa instituição antes disso, podemos considerar um avanço”.
Um dos motivos para a baixa procura é a dificuldade dos indígenas em avançar no ensino básico e médio. “Depois da criação das vagas, agora cabe aos estudantes a luta pela permanência; é necessário tirar bons conceitos nas disciplinas cursadas, acompanhar as turmas, superar as dificuldades financeiras, a distância das aldeias e da família, se adaptar a essa nova realidade e principalmente ser persistente. Esses cinco anos de presença indígena na universidade foram marcados por vários momentos, o primeiro deles e mais difícil, foi enfrentado pelos 53 indígenas que ingressaram em 2010, que se depararam com uma universidade completamente despreparada e despreocupada com a diferença, a impressão é que entramos pela porta dos fundos”, desabafa.
Almir destaca que, apesar disso, teve a sorte de encontrar no curso de Enfermagem apoio de professores e colegas de turma. “Mas muitos dos meus amigos, não. Há situações de preconceito. Duas colegas minhas chegaram a ser excluídas da turma, ninguém fazia trabalho com elas. Não conseguiram suportar e já desistiram”, conta.
SUPERAÇÃO
Na tentativa de superar as adversidades, a APYEUFPA foi criada em 2011, para promover de maneira coordenada a organização social, cultural, econômica e política dos indígenas universitários e fortalecer a autonomia deles. “Para nossas comunidades e lideranças a formação no ensino superior é a possibilidade que se tem de alcançar um futuro melhor, de melhorar as condições de vida de nossos povos. A formação de indígenas nas diversas áreas é significativa, mas é sempre bom lembrarmos que nos preocupamos com o tipo de formação que este indígena está tendo, essa formação deve ser sempre pensada como possibilidade de auxílio às comunidades”, afirma Edimar.
Ajudar a comunidade é também a missão de Almir. “Nosso objetivo não é competir no mercado de trabalho, mas levar um trabalho de qualidade às aldeias, ao povo que sofre por falta de acesso à educação e serviços de atendimento médico precário”, diz.
“Depois da criação de vagas, cabe aos alunos a luta pela permanência”