Por Desirée Ruas*
no Consciência e Consumo
Ao levar seu filho à escola, você se depara com algumas cenas que a maioria dos pais e mães nem mesmo percebe. Entrega de panfletos e brindes na entrada, cartazes com anúncios de alimentos na lanchonete, exibição de peça teatral ou uso de cartilha patrocinada por determinada empresa. No dia da festa junina, a escola está toda enfeitada com bandeirinhas com o nome de uma indústria de alimentos e a avaliação e os deveres mencionam produtos já conhecidos do universo infantil, como iogurtes e brinquedos. Afinal, há algum problema nas situações citadas acima? Já que as crianças vivem cercadas por marcas e produtos em seu dia a dia, por que não inseri-los também no conteúdo escolar? Por que não aproveitar o potencial deste público selecionado para fazer parcerias com empresas? Por que não explorar esse público?
Reverter a lógica da invasão das marcas no mundo capitalista parece ser impossível. Mas há um movimento crescente de questionamento e de mudança que busca proteger a infância do marketing, afinal crianças menores de 12 anos não conseguem diferenciar publicidade de outros tipos de comunicação. O Código de Defesa do Consumidor, CDC, determina no artigo 37, parágrafo 2º, que é abusiva a “publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”
O questionamento da publicidade dirigida à criança, na escola ou fora dela, vem tentando construir um caminho ao longo dos últimos anos. Mas muitos são os obstáculos para as instituições e movimentos que questionam a super exposição das crianças à comunicação mercadológica. Empresas não querem abrir mão dos anúncios e produtos direcionados ao público infantil pois eles representam lucro certo. O projeto de lei 5921/2001, que trata do tema, está há mais de 12 anos em tramitação no Brasil. A resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conanda, publicada em 4 de abril de 2014, e que reitera a abusividade da publicidade dirigida à criança já expressa no Código de Defesa do Consumidor, aborda a questão da comunicação mercadológica também no espaço escolar. Clique aqui para saber mais sobre a resolução 163. Uma nota técnica elaborada pelo Ministério da Educação reforçou o papel das escolas acerca do que está definido na resolução Conanda. Veja matéria sobre a nota técnica aqui.
Por que a escola, espaço que deveria ser de conhecimento e reflexão sobre o mundo, está cada mais absorvendo os estímulos comerciais que já ocupam intensamente outros espaços, como os meios de comunicação e até as ruas? Será que as famílias já pararam para pensar nos valores que estas pequenas doses de publicidade sedimentam na vida das crianças? Está na hora de famílias e escolas se unirem para refletir sobre o uso da criança como público de mensagens publicitárias dentro da escola (ou na porta dela e nos outros espaços) e deixar bem claro quais são as regras para uma escola livre de publicidade e exploração comercial.
O debate sobre a publicidade e o consumismo que invadem a vida das crianças e as escolas ajuda a incentivar o espírito crítico por parte de todos os envolvidos. Perguntas como: o que é preferível ser enviado na lancheira escolar? O que deve ser vendido na cantina da escola? Por que as crianças querem o bolinho recheado da propaganda que passa na TV? Por que as crianças querem material escolar com personagens e marcas? De que forma o consumismo interfere no relacionamento das crianças na escola? Quantas vezes por ano a escola promove momentos de reflexão sobre consumismo e infância? Nossas crianças estão crescendo cercadas por mensagens que transmitem quais valores? Qual o papel da escola, das famílias, dos governos, do mercado? Temos consciência da nossa corresponsabilidade pela proteção integral da infância? Como a escola pode desempenhar bem o seu papel sem abrir espaço para o marketing que entra em projetos educativos duvidosos e que beneficiam comercialmente determinados grupos? Enfim, questões complexas que passam pela liberdade das famílias para fazer suas próprias escolhas mas que estão inseridas dentro de um projeto amplo de educação e de vida. É possível estimular o espírito crítico nos alunos e em toda a comunidade escolar para que as pessoas tenham mais consciência e não sejam repetidores de modelos não saudáveis, consumistas e prejudiciais ao planeta. Escola é espaço de pensar e não de repetir!
* Desirée Ruas é jornalista, pós-graduada em Educação Ambiental, Agenda 21 e Sustentabilidade. Também é educadora ambiental e para o consumo. Atua como coordenadora do ‘Consciência e Consumo’.