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Quando Juliana Rocha dança na companhia da amiga Keila Pereira, fica difícil diferenciar qual delas teve uma paralisia do lado esquerdo do corpo. As adolescentes de 17 anos se esforçam para manter a sincronia dos passos de balé, no pátio do Centro Educacional nº 2 do Guará. Com a coreografia, as diferenças motoras ficam menos evidentes. Na plateia, há os que questionam: “quem é a menina do derrame na perna?” Só depois de uma falha técnica da música, os presentes percebem que Juliana tem dificuldades para andar até onde está o equipamento de som. “Eu nasci com uma má formação no cérebro. Depois de um acidente em casa, perdi os movimentos do lado esquerdo aos oito anos. Foi muito difícil, porque achei que não voltaria a dançar. Mas com a ajuda da escola e da minha amiga, eu vi que podia ser diferente”, conta.
Keila nem gosta de dançar balé, mas aceitou fazer a apresentação para acompanhar a amiga em uma visita de autoridades do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) ao colégio. “Ela dançou para me ajudar. Assim como me ajuda com a matéria atrasada, se eu perco a aula para ir ao médico”, conta Juliana. Espectadora da dança, Rosângela Bieler é chefe global da frente da ONU sobre deficiência e garante que o Brasil está no caminho da inclusão escolar. Em cinco anos, de 2007 a 2012, o número de alunos com deficiência na escola regular passou de 306 mil para mais de 620 mil, um aumento de 102,78%, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). No entanto, a organização estima que há ainda cerca de 1 milhão de pessoas entre 0 e 19 anos com deficiência fora das escolas brasileiras.
O exemplo das amigas mostra como a diversidade dentro da sala de aula traz benefícios. A chefe do Unicef argumenta que a entrada de um aluno com deficiência em uma escola comum não deve ser pensada como uma aceitação de apenas uma pessoa diferente. “É a chance de a escola mostrar que pode incluir toda a sociedade. Porque ela (escola) deve estar pronta para servir a comunidade com todas as suas diferenças”. Segundo o professor de educação física do Centro Educacional nº 2 do Guará, Bruno Reichert, desde que a escola começou a adotar um programa de inclusão, os adolescentes estão mais conscientes do preconceito. “Os meninos veem de perto a dificuldade dos que têm deficiência. E aí acaba aquela brincadeirinha com quem fala errado ou com quem é mais gordinho. Mostra que a diferença é boa.”
O projeto em aplicação na escola do Guará, há oito anos, busca incluir os alunos com deficiência por meio dos esportes. Segundo Rosângela Bieler, o projeto é inovador, porque a maioria das escolas regulares tem justamente na disciplina de Educação Física a maior dificuldade de inclusão. Ali é proibido fazer trabalho escrito no lugar da participação da aula como vôlei, natação ou atletismo. “Eu desconhecia o que era salto em altura. No começo, eu tinha medo, mas fui mudando com o incentivo do professor”, conta o ex-aluno do colégio, Pedro Henrique da Cruz, 19 anos, que é cego. Por vezes, os professores propõe exercícios de “inclusão reversa”. Na piscina, por exemplo, crianças sem deficiência são desafiadas a nadar com um braço amarrado ou com uma venda nos olhos para se aproximar da realidade dos colegas.
Avanços
A presença de alunos com deficiência mental ou física na rede regular é assegurada por lei (leia quadro) e já existem pesquisas que apontam esse caminho como a melhor escolha para o desenvolvimento de crianças e jovens.
Em 2007, a Apae de São Paulo decidiu seguir recomendações internacionais, como as da ONU, para que crianças deficientes frequentassem escolas comuns. Para isso, extinguiu o colégio especial e passou a oferecer apenas atividades de apoio aos jovens. As famílias tiveram de colocar as crianças em outras escolas, de ensino fundamental. A Apae de SP fez então um estudo que acompanhou a evolução de 62 alunos: 40 em escolas regulares públicas e 22, em especiais.
Considerado pela Apae como o primeiro estudo quantitativo do país sobre o tema, a pesquisa verificou que, após três anos, quem estava em escola regular melhorou a autonomia, a socialização e, principalmente, a comunicação. Essas crianças passaram a, por exemplo, locomover-se sem ajuda pela escola; a procurar outros colegas para brincar; e a transmitir suas ideias, por meio da fala, de gestos ou de imagens. Os jovens que estavam em escolas especiais praticamente não tiveram evolução nas três áreas consideradas.
“A gente começou a perceber que os alunos eram mais dependentes na escola especial do que na escola regular”, afirma a responsável pelo serviço de apoio à inclusão escolar da Apae São Paulo, Viviane Perico. Com base nesse estudo, algumas outras unidades da Apae fecharam as portas, mas a maioria ainda se mantém aberta. Viviane, contudo, defende que as escolas especiais sejam recomendadas apenas para casos de deficiências graves. (DG)
O que diz a lei
A Resolução nº 4, de 2009, do Ministério da Educação (MEC) determina que as escolas devem matricular alunos com distúrbios genéticos nas classes comuns do ensino regular com Atendimento Educacional Especializado. O projeto pedagógico engloba salas multifuncionais, cronograma de atendimento e atividades educacionais específicas. Em 2001, o Decreto nº 3.956, de 2001, já definia que pessoas com distúrbios genéticos têm os mesmos direitos e liberdades fundamentais que os demais. O decreto considera discriminação toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência.
As diretrizes nacionais para a educação de alunos com deficiência foram instituídas na Resolução nº 2, de 2001, do MEC. Ficou definido que os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para ofertar atendimento que assegure as condições necessárias para à educação de qualidade para todos. Todos os dispositivos legais se baseiam no artigo 208 da Constituição Federal, que garante a universalização do atendimento especializado a alunos com deficiência na rede de ensino regular, com educação inclusiva, e estabelece o direito à integração plena dessas pessoas em todas as áreas da sociedade.