Do De Olho nos Planos
Com a realização da Semana de Ação Mundial (SAM), entre os últimos dias 21 e 27 de setembro, atividades em todo o Brasil abordaram os principais desafios para a educação inclusiva na construção dos Planos Municipais e Estaduais de Educação, que devem orientar a educação nos territórios onde são construídos por um período de dez anos. Para uma das coordenadoras do Fórum Nacional de Educação Inclusiva (FNEI), Meire Cavalcante, os documentos construídos nos estados e municípios devem corrigir os equívocos aprovados no Plano Nacional de Educação (PNE) no que se trata do atendimento educacional às pessoas com deficiência.
Com a definição na meta 4 do PNE que a educação para estes estudantes deve ser oferecida “preferencialmente” no sistema público de ensino, segundo Meire, ocorreu uma distorção quanto ao que está garantido na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e na Constituição Federal – que determina a universalização da educação básica para todas as pessoas entre 4 e 17 anos em escolas comuns. “A construção dos Planos tem que ser feita a partir de uma escolha ética. Os Planos Estaduais e Municipais de Educação devem fazer uma correção no sentido de garantir o cumprimento do direito destas pessoas. Isso deveria ter sido feito no Plano Nacional, mas não o foi por interesses político-econômicos de alguns parlamentares nada comprometidos com o futuro destas pessoas”.
Segundo a integrante do Fórum Municipal de Educação de Fortaleza e uma das fundadoras do Centro de Apoio a Mães dos Portadores de Eficiência (Campe), Keila Chaves, o texto do Plano nacional não estabelece a obrigatoriedade do atendimento a pessoas com deficiência nas redes públicas de ensino tanto na educação regular quanto no Atendimento Educacional Especializado (AEE), que deve ocorrer no contraturno das aulas.
“Nós, mães e pais de pessoas com deficiência, lutamos para que esse ensino seja obrigatório nas escolas regulares, porque defendemos que a acessibilidade tem que fazer parte da vida de toda a sociedade. Se esse direito puder ser garantido na escola pública perto de minha casa, é uma forma de facilitar o atendimento e evitar a evasão destes estudantes”, afirmou Keila. De acordo com informações do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e de dados do Censo Escolar 2012, estima-se que cerca de 140 mil crianças e adolescentes de até 18 anos com deficiência estão fora da escola.
Participação inclusiva
Para especialistas, a participação de todas as pessoas – inclusive das pessoas com deficiência – é uma forma de qualificar a elaboração dos Planos de Educação. “A participação é fundamental para que se incorporem as demandas dos diversos segmentos atingidos e, neste contexto, o envolvimento de pessoas com deficiência é tão ou mais importante, já que possuem especificidades e características que são pouco conhecidas inclusive pelos demais movimentos sociais e militantes por uma educação pública de qualidade para todos”, defendeu o coordenador de educação da ONG Mais Diferenças, Wagner Santana.
As pessoas com deficiência, para Wagner, são as que têm maior conhecimento e as que sentem com maior intensidade os processos de exclusão na sociedade. “Há um conjunto de barreiras que se estabelecem para estas pessoas em três ordens: na dificuldade de mobilidade e acesso físico, na falta de informações e de comunicação específica e nas barreiras atitudinais que se estabelecem pelo preconceito em não respeitar o tempo e a forma de expressão destas pessoas. São dificuldades que existem para além das restrições a processos participativos em nossa sociedade como um todo”, relatou o coordenador.
No entanto, segundo a integrante do FNEI, Meire Cavalcante, promover a participação de pessoas com deficiência não se refere apenas a contar com a presença de organizações que trabalham com esta parcela da população. “A representatividade não pode se dar apenas via instituições e é necessário levar em consideração que existem entidades que se dedicam à questão da deficiência, mas não à inclusão. E essa participação ocorre como forma de um tutelamento mascarado”, alertou. Para Meire, os responsáveis pela elaboração dos Planos Municipais e Estaduais de Educação devem, neste sentido, observar qual é o nível de participação das pessoas com deficiência nos processos decisórios destas instituições.
Informação e comunicação
Mas como chegar até as pessoas com deficiência e contribuir para que suas opiniões sejam consideradas? Para a jornalista e diretora da ONG Escola de Gente, Cláudia Werneck, a participação desta parcela da população depende, entre outras coisas, de mecanismos de comunicação acessíveis tanto para o estudante quanto para seus familiares. “A acessibilidade deve estar presente em todas as formas de comunicação, desde um convite para uma assembleia, até uma convocação da própria criança e adolescente que vão precisar do apoio e do incentivo de sua família”, afirmou a jornalista. E complementou: “a acessibilidade não é apenas para que os estudantes entendam o que está sendo dito, mas para que possam finalmente expressar o modo como se percebem no mundo e oferecer contribuições que só pessoas com deficiência podem dar”.
Para a participação na construção dos Planos de Educação, Meire Cavalcante destaca a necessidade da realização de um chamamento público para as pessoas com deficiência que estão pulverizadas em diferentes setores e grupos da sociedade. “O município e o estado podem pensar em estratégias de comunicação para estimular a participação de todos, convidando as pessoas com deficiência, representantes da comunidade negra e demais grupos que defendam os direitos humanos”, disse. Neste sentido, segundo a representante do FNEI, “a construção do Plano é coletiva e deveria se dar no âmbito de audiências públicas e reuniões abertas, participativas e acessíveis que podem ser organizadas por grupos de trabalho temáticos com pessoas de diferentes áreas”.
As dificuldades quanto à comunicação e informação fazem, de acordo com a fundadora do Campe, Keila Chaves, com que as famílias de pessoas com deficiência desistam de participar dos processos de construção das políticas educacionais. “A discussão tem que ir para dentro da escola de maneira que seja acessível não só nos formatos, mas também quanto aos assuntos e as siglas que estão sendo utilizadas. É preciso fortalecer a escola e contar com a participação da família, dos trabalhadores, professores, estudantes e da direção”, defendeu Keila.
Inclusão possível
Tecnologia assistiva, materiais em braile, tradução simultânea, letra ampliada, legenda e estenotipia. Estes são alguns exemplos de ferramentas e instrumentos possíveis para o apoio à educação inclusiva. No entanto, segundo a diretora da ONG Escola de Gente, Cláudia Werneck, é importante compreender a inclusão como um direito que pode não se efetivar mesmo com a utilização de todos estes mecanismos de apoio. “A acessibilidade é ao mesmo tempo instrumental e um direito. Uma sociedade inclusiva não pode ser resumida a um desfile de tecnologias, já que a participação só se dá quando todos aqueles envolvidos se percebem como sujeitos de valor”, afirmou Cláudia.
Para isso, é possível que tanto a escola quanto representantes de Secretarias e Fóruns de Educação adaptem os processos já existentes. “A inclusão pode se dar por coisas simples como organizar atividades em locais acessíveis, produzir materiais pensando nos diferentes públicos, fazer reuniões com intérpretes de libras e levar em consideração as várias especificidades dos grupos”, apontou o coordenador da ONG Mais Diferenças, Wagner Santana.
Diante do possível argumento quanto à falta de recursos, Wagner explica que a inclusão requer investimento da mesma forma que a garantia de demais direitos sociais. “Para a elaboração de materiais inclusivos, por exemplo, é possível fazer parcerias com movimentos da sociedade civil que já trabalham com esta temática e tomar cuidados tanto no que se refere à gestão dos sistemas, quanto às práticas pedagógicas no dia a dia”, afirmou.