Inclusão é uma questão de atitude e vontade política

O artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sobre o direito à educação esteve em discussão esta semana durante a reunião do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com deficiência. Participaram do evento, na ONU em Genebra, especialistas das Nações Unidas, auto-defensores, representantes de países e organizações não governamentais e membros da academia. Com base nas discussões, o comitê vai preparar um Comentário Geral que subsidiará os países na implementação do direito à educação das pessoas com deficiência.

Veja, a seguir, a fala de Diane Richler, ex presidente da Inclusion International.

“Muitas das nossas organizações locais foram fundadas por pais frustrados porque suas filhas e filhos eram excluídos da escola, então as familias criaram as primeiras escolas para educar crianças que tinham deficiência intelectual. Essas escolas ensinaram duas coisas a essas famílias: a primeira, que seus filhos eram realmente capazes de aprender. E a segunda, que ser educado longe dos seus colegas sem deficiência só os preparava para uma vida de seguregação, sem conhecer outras pessoas na comunidade ou ser conhecido por elas e nem estar preparado pra participar e contribuir para a vida em comunidade, como destacado no parágrafo M do preâmbulo da Convenção. Escolas inclusivas são melhores pra crianças com deficiênca e ao mesmo tempo, melhores pra todos os estudantes, porque aprender junto ensina aos alunos a valorizar a diversidade, constroi capital social, e ergue as fundações para comunidades inclusivas. Para que a inclusão seja bem sucedida é necessário uma abordagem por parte de toda a escola que respeite múltiplas inteligências, colocar em prática instrução diferenciada, usar o desenho univeral para o aprendizado, incentivar colaboração e oferecer apoio aos professores, o que ajuda a aumentar a qualidade do ensino para todos os alunos.

Nós precisamos aprender lições com as histórias de sucesso. A lição ensinada pelos jornalistas que revelaram o escândalo Watergate nos Estados Unidos nos anos 70 foi: siga o dinheiro. Se prestarmos atenção no dinheiro gasto no apoio a estudantes com deficiência, geralmente descobrimos que são gastos mais recursos em alguns aluos em programas especiais do que fazendo o sistema educativo bom para todos. E um gasto desproporcional é usado em avaliações, que poderia estar sendo usado em aulas. Quanto mais programas especiais são criados para grupos particulares de crianças com deficiência, menos recursos teremos para transformar e fortalecer o sistema regular. E enquanto existirem programas especiais, as escolas encontrarão estudantes para preenchê-los.

Os países não têm recursos para sustentar os dois sistemas, um segregado e outro inclusivo. A única maneira dos países conseguirem pagar pela inclusão é eliminar progressivamente os programas especiais e investir na transformação que vai viabilizar a inclusão. Devem garantir que um ministério seja responsável pela inclusão, treinar os professores em abordagens pedagógicas inclusivas, revisar a legislação, política e ajustes ficais.

Muitos países estão patinando em seus compromissos com a inclusão apoiando modelos segregadores. Eles precisam que o Comitê da Convenção seja muito claro em seu Comentário Geral de que a Convenção requer a transformação do sistema de educação para tornar as escolas inclusivas e proporcionar melhor educacao para todos.

Nós sabemos que essa missão não é fácil. Muitas vezes é mais fácil construir sistemas educacionais inclusivos em lugares onde não havia escolas especiais estabelecidas. E quanto mais desenvolvido for o esquema especial, mais difícil é desativá-lo. É crucial que o investimento em cooperação internacional seja destinado a sistemas inclusivos no lugar de apoiar programas especiais que precisarão ser desativados mais tarde.

Em países em que as pessoas ainda não tiveram o benefício de ver a inclusão em ação, é imperativo desenvolver exemplos que possam inspirar outros. E comecem cedo. Quando as criancas com deficiência são incluías cedo em creches e pre-escolas, os pais detestarão que elas vão para programas separados mais tarde. É direito de todas as crianças conhecer seus vizinhos para que nenhum pai tenha que argumentar a favor da inclusão como eu ouvi uma mãe fazer, explicando que a inclusão era boa para seus dois filhos, um com deficiência e outro sem. Ela contou como a primeira vez que ela conheceu uma pessoa com deficiênca foi quando seu filho nasceu. Os pais do futuro não merecem crescer aprendendo que a deficiência é uma parte natural da condição humana? A educação inclusiva é um direito de todas as crianças que têm uma deficiência mas também é um direito de todos os alunos.

Nós testemunhamos um apoio crescente à educação inclusiva. Mesmo dentro de nossa organização, nós vimos uma evolução no pensamento de nossos membros. Quando a negociação da convenção começou, muitos de nossos membros ainda tinham medo de que a inclusão poderia não funcionar, e queriam oferecer escolha às familias. Gradativamente essa posição mudou e agora há apoio quase unânime pela inclusão e um reconhecimento de que supostamente dar uma escolha às familias não é uma opção real, já que continuar sustentando o sistema especial tira do sistema regular os recursos que ele requer para proporcionar educação inclusiva com quanlidade. Ter um sistema separado onde as professores podem mandar qualquer criança que apresenta um desafio permite ao sistema regular abdicar da responsabilidade de servir a todas as crianças.

Eu me tornei uma apaixonada dos beneficios da educação inclusiva quando visitei salas de aula inclusivas no Canadá e em todo mundo, e decidi que elas ofereciam o tipo de educação que eu queria para meus filhos que não tinham deficiência. As aulas eram dinâmicas, energizantes e acolhedoras. Depois eu vi o benefício que traziam para meu afilhado, que tem autismo, e foi incluído em classes regulares da pré-escola até o ensino médio. E que apesar de falar pouco, aprendeu a usar a língua de sinais, ormas de comunicação alternativa e fez amigos pra toda vida.

O artigo 24 da Convenção, mais do que qualquer outro artigo, tem o poder de modelar os futuros cidadãos do mundo e criar uma sociedade que represente as aspirações daqueles que escreveram o documento. Contamos com o Comitê para levar esse sentimento em seu Comentário Geral.”

Assista à fala, em inglês – https://www.youtube.com/watch?v=M8E4Pub1Xjs

O auto-defensor argentino Juan Cobenas, que usa uma tábua de comunicação para se expressar, disse que aos seis anos foi expulso da escola e taxado como desmotivado e ineducável. Sua mãe encontrou um método para que ele pudesse se comunicar e hoje ele faz faculdade de Letras. Confira a apresentação.

https://www.youtube.com/watch?v=fyYqvuBpWr4

Patricia Almeida, representante da Down Syndrome International e cofundadora do Movimento Down, destacou que não necessariamente a inclusão escolar é uma questão puramente econômica, pois há países em desenvolvimento que estão avançando enquanto que em certos países desenvolvidos ela ainda é incipiente. Falando por experiência própria, disse que sua filha de 10 anos, que tem síndrome de Down, esteve incluída em escolas regulares e aprendeu a ler no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo ela, na Venezuela, não foi possível encontrar nenhuma escola para a criança, regular nem especial, pública nem privada e por isso a família teve que deixar o país. Já na Suíça, a filha teve a matrícula recusada em 7 escolas internacionais, 5 escolas particulares, tendo que recorrer ao sistema público, que a colocou em uma escola especial pela primeira vez na vida, que fica a uma hora de sua casa, quando exise uma escola a dois quarteirões de onde mora. A representante concluiu dizendo que a inclusão escolar é uma questão de atitude e vontade política.

Veja os vídeos do evento e leia o resumo das apresentações, em inglês.

Vídeos

http://www.treatybodywebcast.org/crpd-13-day-of-general-discussion-on-the-right-to-education-english-audio/

Day of General Discussion on Education

http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=15847&LangID=E

Fonte: IDA, ONU e Inclusive

 

 

 

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